É necessário repensar as garantias constitucionais, na conscientização de que a previdência social deve evoluir acompanhando as pretensões sociais, desviando-se das injustiças e da eternização de incertezas.
Atualmente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu
sobre um fato social muito importante para os trabalhadores brasileiros que
fazem parte da imensidão do nosso querido país em total desenvolvimento social,
cultural e tecnológico, objeto do presente artigo que visa demonstrar
superficialmente as situações que o tema suporta.
Inicialmente vale demonstrar a dificuldade, em especial do
trabalhador do campo, em acessar o benefício de aposentadoria por idade rural
da previdência social, por longos anos diante das formas de comprovação da
atividade rurícola, pela falta dos empregadores com relações aos atos formais,
valendo dizer o registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS.
Do mesmo modo pelas consecutivas mudanças em busca das
oportunidades oferecidas, sendo conduzida a relação de trabalho no campo
continuamente pela informalidade, das quais não comportavam a conservação da
documentação angariada a qual poderia ser fruto um dia de forma probatória da
atividade exercida, sobrando-lhes quase sempre, somente o testemunho dos
companheiros do campo sobre o labor exercido, dos quais, poderiam também
perder-se através das constantes mudanças aqui mencionadas.
Destacando esta preocupação, o legislador tratou de
ampará-los expressamente:
Art. 48. A
aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência
exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e
60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites
fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea
a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
(Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).(grifo nosso)
Ante a redução em 05 (cinco) anos no lapso temporal,
surgindo a possibilidade do acesso ao benefício de forma mais justa, vez que o
trabalhador rural é submetido à intensa horas de intempéries climáticas,
trabalhos rústicos e desgastante fisicamente.
Neste mesmo contexto, a sistemática de comprovação da
carência para os filiados antes de 24 de julho de 1991, no mesmo artigo 48,
feita de forma diferenciada, o que mais uma vez demonstra a preocupação do
legislador com os trabalhadores campestres:
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste
artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade
rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do §
9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)(grifo
nosso).
Desta forma a classe legislativa preocupada com os
trabalhadores rurais e sabendo da dificuldade em que os mesmos eram submetidos,
tratou de agasalha-los, mostrando que para desfrutar do benefício deveriam
comprovar a carência in casu, através do simples ato da labuta pelo numero
idêntico em meses de dedicação rural.
Diante de todas essas dificuldades que passaram ao longo dos
anos, a jurisprudência e a legislação foram evoluindo com esta classe na medida
possível para garanti-los com a cobertura previdenciária atendendo os regramentos
legislativos e os princípios louváveis de nossa Carta Magna.
Obviamente a evolução constante da nação brasileira traria
ainda mais transformações das quais não poderíamos fechar os olhos sem intervir
protegendo os princípios da nossa Lei maior.
Com isso a busca incessante de evolução pessoal do ser
humano fez surgir uma nova classe de trabalhadores, o trabalhador que atuou em
atividades rurícolas e urbanas de forma mista.
Daí surge à nova problemática, se não podemos acomoda-los
como campesinos e conceder o benefício com a idade privilegiada, e ainda com a
comprovação de carência em forma de atividade rurícola, ao mesmo tempo não
poderia conceder-se uma aposentadoria por idade comum a todos, mesmo com idade
acrescida, pois faltar-se-ia a carência exigida em forma de contribuições no
momento do pleito.
Como é sabido o trabalhador rurícola seja por questões
legislativas ou sociais, não gozava de registro em carteira de trabalho, nem
recolhimentos tributários relativos à previdência social. Sem deixar de
mencionar a incidência prejudicial ainda maior para as mulheres, vez que eram
obrigadas a viveram as sombras de seus maridos no campo, e mesmo trabalhando
diretamente nas lides campestres, sequer constava em seus documentos a
profissão rurícola, fato extremamente questionado nos tribunais pátrios no qual
a jurisprudência encontra-se mansa e pacifica protegendo-a quando necessário.
Trazendo o problema central do artigo à tona, o segurado que
tentasse o progresso pessoal migrando do regime rurícola para o urbano estaria
descaracterizado, passando a ter de verter recolhimentos, respeitando a posição
legislativa por até 180 meses, para com isso nascer a possibilidade de um
benefício por idade.
Da mesma forma o trabalhador urbano que migrasse para o
trabalho rural, poderia contar somente com suas contribuições já efetuadas, uma
vez que a atividade rurícola não incorporaria a seu patrimônio “contributivo”
para os devidos fins previdenciários.
Diante desta nova classe de trabalhadores tem-se a
problemática da “extinção” da possibilidade da aposentadoria por idade desta
classe híbrida.
O ponto mais tocante que esta extinção afronta, são as
diversas proteções tanto a nível constitucional, quanto relativas à seguridade
social como se verá.
Eis então, a Constituição Federal a qual prevê em seu artigo
194 que a seguridade social é um conjunto de ações de iniciativa do Poder
Público e da própria sociedade, para assegurar além de outros Direitos, os
relativos à previdência, ressaltando seu inciso “I”, do qual apresenta a
universalidade da cobertura e do atendimento, valendo citar a incidência a
todos os tipos de trabalhadores.
No mesmo sentido a Lei 8212/91, a qual dispõe sobre a
seguridade social, e, em seu artigo 1º, alíneas “a” e “b”, demonstra a
universalidade na cobertura e do atendimento, e a uniformidade e equivalência
entre os benefícios dedicado as populações urbanas e rurais, corroborando
claramente seu papel social na proteção de ambas as classes trabalhadoras sem
qualquer distinção.
Assim, visando reparar a injusta situação do trabalhador
rurícola que migrasse para o regime urbano, ou o urbano que transforma-se em
rurícola, surge segundo o TRF 4ª Região na APELAÇÃO CÍVEL Nº
0014935-23.2010.404.9999/RS, a aposentadoria hibrida por idade, da qual
destaca-se os seguintes dizeres abaixo:
“ – Aposentadoria por idade, mediante preenchimento de
carência com tempo de serviço rural e urbano (aposentadoria híbrida por idade:
com o advento da lei nº 11.718/08, passa a ter direito à aposentadoria por
idade o trabalhador rural que, para preenchimento de carência, integra períodos
de tempo rural com categoria diversa; nesse caso, o requisito etário volta a
ser 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher”
Nesta seara, importante mencionar que o TRF4ª Região não
entrou no mérito legislativo da previdência social, e sim, aplicou a recente
alteração legislativa em prol dos princípios da carta magna, uma vez que o
próprio § 3º do artigo 48 da lei 8213/91 prevê tal possibilidade, atingindo
esta classe mista de trabalhadores.
Com isso aparece a possibilidade de uma nova classe de
segurados, os quais exerceram seu labor miscigenando atividade campesina e
urbana, mediante o aumento em 05 (cinco) anos no requisito etário, ou seja, a
aplicação efetiva do §3º do artigo 48 da Lei 8213/1991.
Agasalhando os
cidadãos que não teriam seus anseios atendidos pelo sonhado benefício de
aposentadoria por idade, por terem exercidos ambas as atividades, sob a ótica
de 02 (dois) regimes diferenciados, quer seja na forma da demonstração da
carência, quer seja falando em requisito etário, ao final sobrando somente a
descompabitilização de ambos e o desprezo à dignidade da pessoa humana quando
da chegada da idade avançada e as dificuldades a ela inerentes.
Todavia o êxodo rural e a pratica de atividade urbana nesta
classe de trabalhadores, apresentam-se como a busca pela evolução pessoal, uma
característica digna e inerente ao próprio ser humano, devendo ser tratada e
amparada pelos nossos regramentos previdenciários, sob pena de haver um
retrocesso constitucional em nosso país.
Apesar de a decisão ser algo de extrema importância e
bravura por parte do Tribunal referido, segundo a própria Instrução Normativa
INSS/PRES Nº 45, DE 6 DE AGOSTO DE 2010, esta possibilidade deveria ser
aplicada já no âmbito administrativo em prol desta classe de trabalhadores. Se
não vejamos:
Art. 214. A aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais
referidos na alínea “a” do inciso I, na alínea “g” do inciso V e nos incisos VI
e VII do art. 11 da Lei nº 8.213, de 1991, será devida para o segurado que,
cumprida a carência exigida, completar
sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos, se mulher.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, o trabalhador
rural deverá comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do
benefício, ou, conforme o caso, ao mês em que cumpriu o requisito etário, por
tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência
exigida.
§ 2º Os trabalhadores rurais referidos no caput, que não
atendam o disposto no § 1º deste artigo, mas que satisfaçam a carência exigida
computando-se os períodos de contribuição sob outras categorias, inclusive
urbanas, farão jus à aposentadoria por idade ao completarem sessenta e cinco
anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher, observado o § 3º do art.
174.(grifo nosso).
Assim vivenciamos rotineiramente a negativa no âmbito
administrativo de seus próprios dispositivos orientadores por razões
desconhecidas, pois a própria IN/45 menciona que os trabalhadores rurais que
não satisfazerem a carência com a idade reduzida, poderiam acumular quando da
idade geral de 60 anos para mulher e 65 anos para o homem, todo o seu trabalho
rural com as diversas atividades e tipos de contribuições realizadas.
Mostrando com isso, que quando o Instituto Nacional da
Seguridade Social não aplica seus próprios regulamentos, incorre em um total
descaso com essa parcela de trabalhadores, que devem socorrer-se do poder
judiciário para a solução desta lide, e com isso cabe aos magistrados decidir
acerca do tema “inovador”.
Desta feita, com o
divulgado façamos o seguinte questionamento:
- Age com razão a Autarquia quando debate o benefício aqui
tratado contrariando sua própria e norteadora Instrução Normativa?
Parece-nos que não! Competindo a cada instrução processual
em sede judicial demonstrar o que deve prevalecer.
Os princípios constitucionais, a Lei e a própria IN/45?
Ou os argumentos de pouca fé por parte da Autarquia em tela?
Findando com o demonstrado que a decisão do TRF4ª Região
aqui explanada vem para despertar a Doutrina e os diversos tribunais brasileiros
a repensar as garantias constitucionais, na conscientização de que a
previdência social deve evoluir acompanhando as pretensões sociais,
desviando-se das injustiças e da eternização de incertezas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de
1988. Disponível em:
constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 25 mar. 2011.
BRASIL. Instrução normativa inss/pres nº 45, de 6 de agosto
de 2010 - dou de 11/08/2010 - alterada: Dispõe sobre a administração de
informações dos segurados, o reconhecimento, a manutenção e a revisão de
direitos dos beneficiários da Previdência Social e disciplina o processo
administrativo previdenciário no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social
- INSS. Disponível em:
.
Acesso em: 24 mai. 2012.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991: Dispõe sobre
os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível
em: . Acesso em:
20 mar. 2012.
__________
Sobre o autor:
Fábio Andre Bernardo: Advogado, Pós Graduando em Processo Civil.
BERNARDO, Fábio Andre. Aposentadoria por idade e sua nova acepção, a carência de forma híbrida. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22336>. Acesso em: 11 set. 2012.___________
Fonte: http://jus.com.br/revista/texto/22336/aposentadoria-por-idade-e-sua-nova-acepcao-a-carencia-de-forma-hibrida.