RESUMO
O presente trabalho consiste, através de uma
abordagem dialética, analisar a possível retroatividade da lei previdenciária
mais benéfica, através de um estudo do direito adquirido, do ato jurídico
perfeito, da irretroatividade da lei, da segurança jurídica e do tempus regit
actum, com previsibilidade no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988,
buscando discorrer, em um primeiro momento, sobre os princípios constitucionais
que norteiam a matéria, e, em um segundo momento, abordando algumas considerações
acerca dos fatos jurídicos, com ênfase à eficácia da norma jurídica e seus
limites, almejando, ao final, proporcionar um apurado e eficiente
posicionamento sobre o tema.
Palavras-chave: Ato Jurídico
Perfeito. Benefício Previdenciário. Legislação Previdenciária no Tempo. Direito
Adquirido. Irretroatividade/Retroatividade da Lei. Segurança Jurídica. Tempus Regit Actum.
O presente trabalho consiste em uma monografia jurídica que tem
por objeto de estudo a possibilidade da retroatividade da lei mais benéfica ao
titular de direito em matéria previdenciária. O foco central deste ensaio é
demonstrar a correta aplicação da lei previdenciária no tempo frente às
sucessivas mudanças em seu ordenamento.
O mundo e as pessoas que nele habitam estão evoluindo
constantemente, cada vez em um espaço menor de tempo. Novas necessidades,
conceitos e expectativas são criadas e a Previdência Social precisa acompanhar
(ou “tentar” acompanhar) essas constantes inovações.
A Previdência Social tem por finalidade assegurar aos seus
beneficiários meios indispensáveis de sobrevivência, por motivos diversos, tais
como: incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, morte daquele que
dependia economicamente, entre outros.
Tais finalidades, para serem alcançadas, exigem um sistema
organizado de tal forma que o futuro de uma nação não seja comprometido, um
sistema que preze pelo equilíbrio financeiro e atuarial, que consiga cumprir
com a garantia do benefício mínimo e a preservação do seu valor real, e ainda,
que atenda aos seus básicos princípios constitucionais, quais sejam, da
universalidade da cobertura e do atendimento, da uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, da seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços, da irredutibilidade do
valor dos benefícios, da equidade na forma de participação no custeio, da
diversidade da base de financiamento e do caráter democrático e descentralizado
da administração.
Essa constante necessidade da Previdência Social em “inovar”,
ou “adaptar-se”, resulta em constantes e sucessivas modificações legais em seus
ordenamentos.
O resultado é um emaranhado de leis, umas sucedendo às outras,
e, não raras vezes, se mostrando contraditórias entre si.
Nesse tocante, a aplicação da lei previdenciária no tempo ganha
salutar importância, sendo palco de inúmeras polêmicas, podendo-se citar a retroatividade
da lei mais favorável como a origem de muitas delas.
Dessa forma, no estudo da lei previdenciária no tempo, é
fundamental compreender as garantias constitucionais previstas no art. 5º,
XXXVI da Constituição Federal de 1988, bem como compreender a significado de um
fato jurídico previdenciário, quando
lhe é dada a incidência da norma previdenciária, e quando esse fato existe, é válido e, principalmente, se torna eficaz.
Compreendido isso, uma efetiva solução para a polêmica em torno
da retroatividade da lei mais favorável se torna simples e evidente.
Não há como falar em aplicação da lei no tempo sem abordar os
princípios que sustentam e credibilizam toda e qualquer manifestação
prática-interpretativa sobre o tema em questão.
Além da previsibilidade constitucional, o princípio da
irretroatividade da lei também está prenunciado no art. 6º da Lei de Introdução
ao Código Civil:
Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral,
respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
De igual sorte é no art. 5º da Constituição Federal de 1988 que
temos sua previsão por excelência:
Art. 5º Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
XXXVI – A lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Irretroatividade da lei, direito adquirido, ato jurídico
perfeito, coisa julgada, segurança jurídica, dentre outros, apesar de terem
semelhantes diretrizes, não podem ser confundidos, possuindo, cada qual, sua
importância própria, que no contexto, nos permite interpretar e aplicar a lei
no tempo efetivamente.
Nesse sentido, porém comentando mais especificamente do direito
adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada, Wladimir Novaes ensina:
Embora essas três modalidades de garantia da ordem jurídica
estejam semanticamente emparelhadas e direcionadas, elas não detêm igual
fortaleza ou eficácia operacional. Postada ao final, como peremptória
declaração, pela sua natureza, efetivamente, na prática, a coisa julgada
sobrepaira ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. As duas primeiras
formulações buscam o equilíbrio desejado, enquanto a terceira o atinge pelo
prestígio do Poder Judiciário.
Portanto, a fim de situar as bases regulamentares objetivando
uma correta aplicação da lei previdenciária no tempo, mister se faz, como dito
acima, discorrer especificamente, além do princípio da irretroatividade da lei,
também sobre segurança jurídica, direito adquirido, ato jurídico perfeito,
coisa julgada e, ainda, acerca da máxima do tempus
regit actum.
Ao fim deste capítulo, por estar ele destinado a tornar plano
os diversos princípios que envolvem a matéria em comento, também se buscará
discorrer brevemente sobre o princípio da igualdade, que, apesar de amplo, há
de ser eficaz.
A vida do homem em sociedade necessita de segurança,
principalmente a jurídica, inserida, portanto, como um princípio necessário nas
relações interpessoais.
Viver e conviver sempre exigiu a presença efetiva de uma ordem
social, sobretudo, de uma ordem superior que se aproxime ao máximo da vontade
coletiva, que torne perceptível a tranquila sensação de segurança.
É submisso ao ordenamento legal que o homem encontra,
paradoxalmente, a sua liberdade, se confortando frente aos seus semelhantes,
cuja vontade instintiva (portanto irracional) é contida por uma ordem social,
racionalmente acatada, onde o Direito é o meio disponível para este fim quando
o mesmo não ocorre naturalmente.
O ilustre Prof. Daniel Machado da Rocha ensina que, “pela via
do ordenamento jurídico, busca-se traçar
um modelo de
disciplinamento das relações
sociais que permita a coesão da sociedade em torno de valores
superiores, contribuindo para que os cidadãos tenham uma existência mais tranqüila
e ditosa no seio da sociedade”
.
Neste tocante, interessante citar, também ilustre, Prof.
Giovani Bigolin:
A vida em sociedade, que também é um fenômeno natural, impõe
necessariamente a existência de uma ordem. Aqui presencia uma aparente
antinomia entre a lei e o valor da liberdade, sintetizada no famoso dito
ciceroniano segundo o qual se deve ser servo da lei para se poder ser livre. É
verdade que tal enunciado deve ser interpretado com temperamentos, pois, do
contrário, poderia parecer um retórico convite à mera obediência.
A segurança jurídica está intimamente conexa à confiança
,
que, por sua vez, refere à capacidade de antecipar as ações humanas no contexto
social, ou seja, a vida em uma sociedade organizada reclama uma previsão de
atitudes, a qual somente se torna possível com um limite efetivo proveniente do
Estado, que, no produto da complementação de seus poderes, submete a sociedade
ao imperialismo das normas, conferindo segurança e confiança, atributos
necessários à ordem social.
Neste sentido, indispensável transcrever a lição de Rocha:
A proteção da confiança atua como importante elemento para a
aferição da legitimidade constitucional de leis e atos de cunho retroativo,
inclusive pelo fato de que a irretroatividade de determinados atos do Poder
Público encontra o seu fundamento justamente na necessidade de proteger a
confiança do cidadão na estabilidade de suas posições jurídicas e do próprio
ordenamento, levando ao reconhecimento para além da salvaguarda dos direitos
adquiridos, até mesmo de um certo grau de proteção das assim denominadas
expectativas de direito, assim como da necessidade de estabelecer regras de
transição razoáveis.
Bigolin ensina que a “
vida em sociedade impõe ao homem que
possa prever como a sua atuação pode ser interpretada, havendo necessidade de
uma estrutura mais ou menos rígida, esquemática, na qual pautas de conduta
possam ser daí extraídas”. É
imperioso que a estruturação da sociedade, com seus ordenamentos jurídicos e
legais, consiga surtir preponderantemente efeitos preventivos, sendo que, para
isso, é necessário remediar, quando necessário, de forma eficaz e proporcional,
afinal, é o temor da coação o melhor moderador dos atos humanos que, por serem
humanos, tendem a extrapolar os limites da ordem social.
É necessário, portanto, que exista uma previsibilidade de atos
(ou atitudes), para que assim exista confiança, e para existir confiança, é
necessário existir segurança, que, por sua vez, reclama uma estruturação
organizada, planejada, impositiva, eficaz e que reflita na vontade da maioria,
afinal, segurança jurídica não pode implicar em ausência de democracia.
Um ordenamento jurídico deve proporcionar segurança jurídica,
uma expectativa de direito criada em um determinado tempo não pode ser
frustrada em um tempo futuro, através da retroação maléfica de um novo sistema
ou critério, sob pena de trocarmos a ordem pela balbúrdia, a confiança pela
desesperança.
A proteção dos direitos adquiridos, é uma “limitação que o
Estado impõe a si mesmo, decorrente do reconhecimento da supremacia de um
valor, que é a segurança jurídica”
,
nas palavras de Mendes.
É imprescindível que a evolução da legislação previdenciária esteja em
constante evolução, afinal tudo está
em constante movimento, em contínua mudança. Não seria eficaz a lei que
desacompanhasse esta transformação.
Nossos ordenamentos estarão sempre em adaptação às novas
necessidades
, o que
faz surgir, não de modo incomum, leis que conflitam entre si no tempo, exigindo
cada vez mais a presença veemente de segurança nas relações jurídicas.
Rocha, citando Almiro do Couto e Silva, afirma que a segurança
jurídica é “um conceito ou princípio jurídico que se ramifica em duas partes:
uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. Na faceta objetiva,
assume relevo especial a questão dos limites da retroatividade dos atos do
Estado, inclusive dos legislativos. Por sua vez, a perspectiva subjetiva
significa a proteção à confiança que o cidadão deposita nos atos procedimentos
e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”
.
O princípio da irretroatividade da lei está consagrado no art.
5º, XXXVI da Constituição Federal: “A lei não prejudicará o direito adquirido,
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Também há previsibilidade do respectivo princípio no art. 6º da
Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657 de
04.09.1942): “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
O princípio da irretroatividade da lei está intimamente
correlacionada com ao princípio da segurança jurídica, como acima já
demonstrado, podendo-se dizer que, em verdade, a irretroatividade da lei busca
resguardar a segurança jurídica.
Como visto acima, Daniel Machado da Rocha, citando Almiro do Couto e
Silva, explicou que o conceito de segurança jurídica, sob a ótica da natureza
objetiva, são os limites impostos ao Estado quanto a retroatividade dos seus
atos, “inclusive dos legislativos”, consagrando a correlação direta dos dois
princípios.
Portanto, em um primeiro momento, pode-se dizer que a
irretroatividade da lei tem como fundamento o abrigo da segurança jurídica.
Buscando uma conceituação para a irretroatividade da lei, Maria
Helena Diniz, em sentido contrário afirma que
[...] é retroativa a norma que atinge os efeitos de atos
jurídicos praticados sob o império da revogada, e irretroativa a que não se
aplica a qualquer situação jurídica constituída anteriormente.
A idéia de irretroatividade da lei é considerar os fatos
ocorridos (e os direitos adquiridos) em tempos pretéritos imutáveis e
intocáveis, possibilitando assim a existência real de segurança e confiança.
De igual sorte, é imprescindível atentar que a irretroatividade
não é uma regra absoluta, apesar de ser pacífico nos entendimentos doutrinários
que a regra é a irretroatividade e a exceção é a retroatividade, sendo que a
exceção somente subsistirá nos casos em que houver previsão expressa na lei
nova e esta não prejudicar o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa
julgada.
Neste tocante é válida a lição do Prof. Rafael Castegnaro
Trevisan:
Em atenção à segurança jurídica é que se exige, para a
retroatividade, que seja expressa, como regra, a determinação legal nesse
sentido; ainda assim (isto é, mesmo que seja expressa) deverá respeitar o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
É por demais oportuno mencionar aqui Maria Helena Diniz citando
Luiz da Cunha Gonçalves (Tratado de direito civil, 1955, v. 1, p. 392):
Observa Luiz da Cunha Gonçalves (Tratado de direito civil,
1955, v.1, p. 392) que a retroatividade possui três acepções: a) aplicação da
lei nova a fatos que produziram todos os seus efeitos e às controvérsias já
terminadas no domínio da lei revogada; b) aplicação da lei nova às
conseqüências atuais de fatos ocorridos na vigência da lei revogada e às
controvérsias novas ou pendentes sobre tais fatos; c) aplicação da lei nova a
fatos novos que estão em estreita relação com os fatos anteriores à mesma lei.
Nota-se, portanto, que a irretroatividade da lei, princípio
responsável pela preservação da segurança jurídica, não é uma regra absoluta,
permitindo exceções, desde que expressa a retroatividade e em conformidade aos
limites do art. 5º, XXXVI da Constituição Federal/88, bem como, há de ser
ponderada as três “acepções”
supracitadas (lições de Luiz da Cunha Gonçalves), devendo, portanto, ser
analisado individualizada e meticulosamente o caso a ser submetido.
O princípio do direito adquirido está expressamente previsto
dentre as cláusulas pétreas da Magna Carta/88, em seu art. 5º, XXXVI, no
entanto, é na Lei de Introdução ao Código Civil que encontramos o seu conceito:
Art. 6º. A
lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito,
o direito adquirido e a coisa julgada.
[...]
§ 2º. Consideram-se adquiridos assim
os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles
cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.
A clássica conceituação de direito adquirido afirma se tratar
de um direito que integrou o patrimônio jurídico do seu titular, de modo que
nenhuma alteração futura poderá modificá-lo.
Leonardo Luiz Selbach, citando Gabba
,
afirma que “direito adquirido é aquele que em conseqüência de um fato idôneo
para produzi-lo sob o império da lei na vigência da qual o fato se consumou e
que, embora não haja sido gozado no curso da referida lei, entrou, contudo, a
fazer parte do patrimônio da pessoa”.
Na legislação previdenciária, o direito
adquirido está previsto no art. 102, §§ 1º e 2º da Lei 8.213/1991:
Art. 102. A perda da qualidade de
segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.
(Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
§ 1º A perda da qualidade de segurado
não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido
preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que
estes requisitos foram atendidos. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997).
§ 2º Não será concedida pensão por
morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos
termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção
da aposentadoria na forma do parágrafo anterior. (Incluído pela Lei nº 9.528,
de 1997).
Wladimir Novaes Martinez
,
comentando o supracitado §1º, afirma que o “legislador enuncia o princípio do
direito adquirido previdenciário”, e ainda observa que a “redação poderia ser:
quem preenche os requisitos legais não perde o direito ao benefício (mesmo que
não mais detenha a qualidade de segurado)”.
O renomado autor entende que houve uma deselegância por parte
do legislador ao fazer a previsibilidade do princípio do direito adquirido
previdenciário com tanta falta de objetividade e excesso de obscuridade. Esta
falta de clareza é assim criticada por Martinez:
Não só seria
mais enfática e elegante, como abrangeria, pois abrangida está pelo princípio,
o direito a todos os benefícios (máxime os de pagamento continuado). Na
verdade, não se sabe por que o elaborador da norma “escondeu” um dos mais
importantes postulados jurídicos da Previdência Social atrás de simples regra
sobre os efeitos da qualidade de segurado.
Quem preenche os requisitos legais,
vale dizer, quem tem direito adquirido, não precisa se importar com mais nada,
com a perda da qualidade de segurado (que pode ser perecida), ou com o período
de carência (que pode ser perecido) porque o evento determinante não lhe pode
ser subtraído por ninguém. Se redefinidos qualquer um ou todos esses
requisitos, só valerá para os futuros aposentados.
Martinez, ao comentar o
§2º do comentado art. 102 da Lei 8.213/91 afirma novamente estar diante de uma
“nova regra escondida”
,
que faz referência objetiva ao benefício de pensão por morte, onde não teria
direito ao beneficio os dependentes se o segurado instituidor, na data do
óbito, tivesse perdido a qualidade de segurado, quando, em verdade, ou,
objetivamente falando, os dependentes teriam
direito adquirido à pensão por morte se na data do óbito os requisitos para tal
estivessem cumpridos, tal como é para todos os benefícios previdenciários.
Rubens Limongi França, citado por Martinez
,
afirma que o direito adquirido “é conseqüência de uma lei, por via direta ou
por intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo passado a integrar o
patrimônio material ou moral do sujeito, não se faz valer antes da vigência de
lei nova sobre o mesmo objeto”.
Interessante se faz, por oportuno, frisar que o direito
adquirido não se confunde com expectativa
de direito, ou seja, para considerarmos adquirido um direito, é necessário
que os requisitos para sua confecção se façam todos presentes e que ocorra a
incidência da norma ao fato, que passa a ser um fato jurídico, resguardada a possibilidade de não surtir seus efeitos em virtude da inércia do seu
titular, podendo-se citar como exemplo, em matéria de direito previdenciário, o
segurado que cumpriu com os requisitos para requerer sua aposentadoria por
tempo de contribuição e não o fez naquela época, ou seja, houve a incidência
normativa, o fato jurídico existiu e é válido, porém, em virtude do não
requerimento administrativo, seus efeitos restaram prejudicados, nada
impedindo, no entanto, que futuramente esse direito adquirido seja exercido,
tornando-se, a partir de então, eficaz (matéria vista com mais vagar em
capítulo próximo).
Neste sentido Fernanda Piva esclarece:
Necessária se faz aqui a distinção entre direito adquirido,
que é aquele que já integrou ao patrimônio e não pode ser atingido pela lei
nova, e a expectativa de direito, que é a mera possibilidade ou esperança de
adquirir um direito, portanto dependente de acontecimento futuro para a
concreção da efetiva constituição do mesmo. Assim, preconiza Reynaldo Porchat
quando afirma que “Não se pode admitir direito adquirido a adquirir um
direito”.
Nota-se, portanto, que o direito adquirido, consentâneo a já
mencionada segurança jurídica, busca impedir que os efeitos da Lei futura (ou
nova) venham a repercutir em situações pretéritas já consolidadas, zelando pela
confiança do ordenamento jurídico.
As sucessivas inovações legais no direito previdenciário
contribui para que, cada vez mais, esteja entre os operadores do direito, muito
bem claro a máxima do tempus regit actum.
Apesar de ser do momento em que o segurado requer sua
aposentadoria junto ao INSS em diante, ou seja, na Data de Entrada do Requerimento (DER), que o mesmo passará, em lhe
sendo reconhecido o direito e concedido o benefício, a usufruir da sua
aposentadoria, nada impede que o seu
direito a se aposentar tenha já lhe sido conferido em tempo pretérito,
sendo que, o mesmo, apenas não surtiu seus efeitos por não ter havido, naquela
data pretérita, o Requerimento do
mesmo junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.
De igual sorte, tanto administrativa quanto
judicialmente, o direito do segurado em se aposentar com as regras que estavam
vigentes em tempo pretérito (considerando que no momento do Requerimento administrativo – DER –
aquelas regras já estavam revogadas), desde que o mesmo tenha cumprido com
todos os requisitos na época, lhe resta assegurado, não tendo, no entanto,
direito a eficácia retroativa, ou seja, não terá direito a nenhuma espécie de
valores atrasados, afinal os efeitos existirão somente do momento da DER em
diante.
Salienta-se, desde logo, que isto se da em vista ao princípio
do
tempus regit actum, não implicando
em retroatividade da lei, já que se trata, simplesmente, de respeito ao direito
já adquirido pelo segurado em momento pretérito, um direito que já integrou o
seu patrimônio jurídico, que, somente não produziu efeitos naquele momento em
virtude da inércia do segurado, que não manifestou sua vontade
de se aposentar, lembrando que a aposentadoria é, em regra, um ato volitivo,
salvo algumas exceções.
A fim de elucidar o que se está comentando, interessante se faz
ilustrar uma situação fática: Imaginemos um segurado da Previdência Social,
aqui chamado de Sr. João, que, em 16 de dezembro de 1998, em plena atividade
laboral, possuía 32 anos de tempo de contribuição, o que lhe daria o direito a
se aposentar por tempo de contribuição de modo proporcional com uma Renda
Mensal Inicial (RMI) fixada em 82% (oitenta e dois por cento) do salário de
benefício, conforme a legislação da época.
No entanto, o Sr João não requereu
sua aposentadoria naquela data, uma vez se considerar jovem e perfeitamente
apto a trabalhar. De igual sorte o tempo passou e o Sr. João, em 1999, perdeu o
seu emprego e ficou por dois anos sem contribuir para a Previdência Social.
Retornou a trabalhar e em 2005 resolveu encaminhar sua aposentadoria, quando já
possuía 35 anos de tempo de contribuição.
Ocorre que as regras para a concessão da aposentadoria em 2005
não são mais as mesmas daquelas em vigor em 16 de dezembro de 1998, já que a
Lei 9.876 de 26 de novembro de 1999 instituiu o fator previdenciário.
Na hora de apurar sua aposentadoria, o INSS diagnosticou que
sua Renda Mensal Inicial (RMI) seria maior se o Sr. João se aposentasse de
forma proporcional em 16 de dezembro de 1998 do que a concedida atualmente, de
modo integral, porém com a incidência do fator previdenciário.
Em respeito ao princípio do tempus
regit actum, a Previdência Social lhe concederá a aposentadoria por tempo
de contribuição proporcional que teria direito em 16 de dezembro de 1998, antes
da instituição do fator previdenciário, pois, além de lhe ser mais vantajosa, o
Sr. João adquiriu o direito naquela data, uma vez integrado este direito ao seu
patrimônio jurídico.
Neste tocante, é clara a lição de Lazzari;
Se o beneficiário atende aos requisitos, embora não postule a
prestação, diz-se que o mesmo possui direito adquirido à prestação
previdenciária. Uma vez adquirido o direito, este se torna intangível por norma
posterior, devendo ser concedido o benefício ou prestado o serviço nos termos
do regramento existente à época da aquisição do direito, independentemente de
quando for requerido.
De igual sorte, como explicitado acima, o Sr João, nesse
hipotético exemplo, não terá condições de requerer parcelas atrasadas desde 16
de dezembro de 1998, afinal o seu interesse somente foi manifestado em 2005, na
Data de Entrada de Requerimento (DER), e a partir dali é que passará a receber
os proventos de sua aposentadoria, mesmo que o fato jurídico tenha ocorrido há
cinco anos.
Importante salientar, remontando-se ainda ao exemplo supra,
que, se em 16 de dezembro de 1998 o Sr. João estivesse com somente 29 anos de
tempo de contribuição
,
ou seja, tinha uma mera
expectativa de
direito, não há de se falar, nesta situação, em direito adquirido, ou seja,
no exemplo, aquela aposentadoria proporcional não poderia ser suscitada, até
mesmo porque não existiria, afinal, o que existia era uma expectativa, e,
lógico, não há direito adquirido sobre “expectativas”.
Trevisan, explicitando acerca do princípio do tempus regit actum muito bem coloca:
Muito embora seja usual a Administração Previdenciária tomar
por base a
data de entrada do
requerimento administrativo como parâmetro para ao cálculo da renda mensal
inicial de benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição, tem
cabimento, sem dúvida, levar em conta, para a concessão do benefício, um fato
jurídico pretérito que seja mais favorável ao segurado. Neste caso, deverá a
renda mensal inicial ser calculada tomando por base os elementos referentes à
data do fato jurídico. Não se trata de indevida aplicação de lei revogada: a
norma incidiu no tempo em que ainda se encontrava em vigor, sendo o direito subjetivo
do beneficiário integrante da eficácia do fato jurídico de tal época, eficácia
esta que se projeta no tempo, sobrevivendo inclusive à revogação da lei. É o
princípio do
tempus regit actum.
Nota-se, portanto, que o tempus
regit actum, na sua função complementar
ao princípio do direito adquirido, faz com que o direito do segurado, uma vez
constituído (incidência normativa = fato
jurídico), possa ser exercido e passar a surtir seus efeitos mesmo em
momentos futuros, “sobrevivendo”,
como afirma Trevisan, “inclusive à
revogação da lei”.
O art. 6º, §1º da Lei de Introdução do Código Civil conceitua:
“Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei
vigente ao tempo em que se efetuou”.
O princípio do ato jurídico perfeito, também estritamente
conexo ao princípio do direito adquirido, diferenciando entre si, somente no
que diz respeito ao exercício do direito, já que ambos voltam-se à aquisição do
direito.
Em matéria previdenciária, o ato jurídico perfeito é cristalino
e plenamente efetivo, já que, inquestionavelmente, um ato perfeitamente
constituído em um determinado tempo, em hipótese alguma poderá ser ferido por norma superveniente.
Buscando novamente uma ilustração fática em prol da explanação
facilitada, poder-se-ia dizer da aposentadoria pleiteada em data anterior a 16
de dezembro de 1998, que, após devido requerimento do segurado e a
incontestável concessão, estaria constituído o ato jurídico perfeito, não mais podendo ser prejudicado pela nova
lei que por ventura venha a instituir critério distintos de concessão do
benefício.
Apesar de não ser a proposta do presente trabalho um estudo
focado ao princípio da coisa julgada, é imprescindível lhe fazer uma breve
abordagem por estar estritamente correlacionado ao princípio da
irretroatividade da lei.
A Lei de Introdução do Código Civil, em seu art. 6º, §3º
conceitua:
“Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de
que já não caiba recurso”.
O art. 467, do Código de
Processo Civil traz a seguinte definição:
“Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna
imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário.”
O princípio da coisa julgada visa tornar inalteráveis as
decisões judiciais já transitadas em julgado, mesmo que posteriormente
sobrevenha legislação contrária àquele julgamento, tendo em vista a necessidade
do sistema em prevalecer a segurança
jurídica.
Chama-se coisa julgada formal
a impossibilidade do juízo rever decisão já expedida naquele determinado
processo, trata-se de uma imutabilidade ocorrida dentro do processo, não
impedindo que a matéria possa ser novamente discutida em outros autos,
ocorrendo, mormente, em decisões sem
resoluções de mérito.
Já a coisa julgada material
é a decisão que, apesar de seus efeitos recaírem somente entre as partes
envolvidas naquele processo, torna inalterável a decisão não somente para
aquele processo, mas em qualquer outro, ou seja, não mais poderá se discutir o
mérito quando a decisão fez coisa julgada material.
Faz coisa julgada material
uma decisão transitada em julgada com resolução de mérito, esta a qual, não
mais poderá ser objeto em outra demanda referente àquelas partes, o que não
ocorre, no entanto, em uma decisão, por exemplo, em que houve extinção do
processo sem julgamento de mérito,
fazendo, portanto, coisa julgada forma,
já que o objeto daquela relação jurídica poderá ser objeto em um novo processo.
Álvares e Silva afirmam que a coisa julgada
formal opera “
endoprocessual”, enquanto que a coisa julgada
material opera “
extraprocessual”
e resume a distinção:
Em outras palavras, quando ocorrer tão somente a coisa
julgada formal será possível a princípio rediscutir a mesma pretensão em outro
processo, se for hipótese de coisa julgada material está vedada a discussão da
mesma pretensão em qualquer outro processo.
Antes de discorrer sobre o fato jurídico, interessante se faz
abordar o fato comum, ou aquele que é
irrelevante para o direito.
O fato comum é aquele em que não ocorreu a incidência da norma,
ou seja, são todos os fatos do mundo incapazes de fazer surtir qualquer
eficácia jurídica, sendo, portanto irrelevante para o mundo jurídico. A nível
de exemplo podemos citar o fato de um homem tomar água em uma torneira, ou
seja, não há nenhum incidência normativa a esse fato, não constituindo,
portanto, um fato jurídico e, logicamente, não irradiando nenhuma eficácia
jurídica.
De igual sorte, em havendo a incidência normativa sobre um
determinado fato, este, que antes era apenas um fato comum (natural) passa a
ser um fato jurídico, irradiando
efeitos. Reportando ao exemplo acima, pode-se imaginar que, enquanto o homem
simplesmente “toma água em uma torneira” estamos diante de um fato natural, de
igual sorte, se esta torneira está no pátio do seu vizinho e este não consentiu
para que o mesmo invadisse sua propriedade e se apoderasse de sua água, pode-se
dizer que houve a incidência da norma, uma vez estar previsto legalmente ser
crime a invasão de propriedade privada e subtração para si de bem alheio.
Marcos Bernardes de Mello assim leciona:
O ser fato jurídico e o poder irradiar consequências jurídicas,
portanto, constituem, respectivamente, uma qualificação e uma imputação que a
norma jurídica faz a fatos da vida por sua relevância para o homem no meio
social. A atribuição de qualificação jurídica a um fato tem cunho,
eminentemente, axiológico e não constitui característica intrínseca sua, sendo
um
plus quanto à sua natureza
própria, estranho à sua essência natural. Por isso, nem todo fato é fato
jurídico e, como decorrência, nem todo fato pode gerar efeitos jurídicos.
Somente fato qualificado pela norma é jurídico e poderá produzir alguma
situação jurídica, da mais simples à mais complexa.
[32]
Na Teoria Geral dos Fatos Jurídicos de Pontes de Miranda, o
autor leciona que há uma diferença entre o mundo jurídico e o mundo dos fatos,
sendo aquele integrante deste. O mundo jurídico defendido pelo autor é aquele
onde somente existem os fatos jurídicos, ou seja, os fatos que são
interessantes para o direito e possuem eficácia jurídica, enquanto que, o mundo
do fatos é aquele constituído somente pelos fatos naturais, irrelevantes para o
mundo jurídico, já que, pela não ocorrência da incidência normativa
,
não há efeitos jurídicos provenientes destes atos.
No entanto, como vista acima, basta a incidência normativa para
que o fato natural, antes integrante do mundo
dos fatos, passe a integrar o mundo
jurídico.
A incidência normativa ocorre quando há uma correlação entre o
suporte fático e a hipótese normativa prevista, ou seja, a norma (latu sensu) faz uma previsibilidade de
um suporte fático hipotético, este cenário é chamado de hipótese normativa, sendo que, em ocorrendo a identificação do
suporte fático real (ou seja, uma situação ocorrida no mundo dos fatos) e
aquele suporte fático hipoteticamente previsto pela norma (hipótese normativa)
estamos diante do exato momento onde ocorre a incidência normativa,
transformando aquele fato natural (simples) em um fato jurídico, tornando-se,
agora, importante para o direito e irradiando efeitos do próprio mundo dos
fatos.
Resta claro, em vista ao já exposto, que o fenômeno da
juridicização inicia com a incidência da norma jurídica ao suporte fático de
algum fato da vida, o tornando, desde então, um fato jurídico, passível de
promover efeitos (eficácia jurídica).
Marcos Bernardes de Mello, jurista brasileiro que depreendeu profundos
estudos voltados ao tema em questão, ensina que o fenômeno jurídico, por ter
início na incidência de uma norma jurídica, deve ser analisado levando-se em
conta três importantes dados:
(i) a
existência de norma jurídica, com vigência; (ii) a eficácia da norma jurídica;
e a (iii) verificação da eficiência dos elementos do suporte fáctico.
A existência de norma
jurídica, com vigência, antes de ser analisada, segundo o autor, é
necessária a conceituação de norma jurídica.
Em um mundo onde a
relação
social é uma necessidade
,
as normas que permitem a socialização da massa e, conseqüentemente, sua
sobrevivência, não são absolutamente jurídicas, ou seja, há as de cunho
religioso, econômico, político (etc.).
De igual sorte, a diferenciação da
norma jurídica volta-se à
obrigatoriedade,
ou seja, a
obrigatoriedade é “a
diferença específica que faz das normas do direito (jurídicas) espécie distinta
no gênero normas de conduta humana”
,
já que estas possuem como característica primordial a
faculdade.
Há de salientar ainda que uma norma
jurídica (
obrigatória) somente pode
dimanar daquele que tem
poder para
tanto, e ainda mediante procedimento adequado (já devidamente regulamentado).
Diante disso, Mello conceitua a
norma jurídica como
“toda regra obrigatória de conduta humana ditada por quem tenha o poder
na comunidade jurídica para dizer o direito”.
Seguindo a doutrina de Marcos Bernardes de Mello, ao analisar
os pressupostos de existência da norma jurídica há de se distinguir
:
(a) a existência, simplesmente;
(b) a existência, com vigência;
(c) a existência com eficácia.
A “existência,
simplesmente” condiz com a norma que está posta no mundo não importando sua
validade e eficácia.
Uma norma passa a existir, simplesmente,
com a promulgação ou publicação, onde aquela se volta à formalidade de um ato
declaratório, por autoridade competente, de que determinada norma jurídica
existe, podendo, no entanto, ser publicada
posteriormente.
A publicação é o ato de tornar público uma determinada norma
jurídica, ressaltando que “medidas provisórias, resoluções, decretos e outros
atos normativos infralegais, não estão sujeitas a promulgação”
.
Uma norma jurídica somente existirá
com vigência na ocorrência do regular ato de publicação, sendo que, antes disso, ela existirá simplesmente, e não de forma vigente, já
que é a publicação que lhe confere o poder para incidir.
O exemplo clássico é o período da vacatio legis, onde, apesar de ter ocorrido a promulgação e
publicação da norma jurídica, esta, apesar de ter sua existência incontestável,
tem sua vigência submetida a um tempo futuro.
Nota-se, portanto, que a vacatio
legis é um período onde, apesar de ter havido a publicação, marco que, em
princípio, tornaria vigente a norma jurídica, ocorre a dependência da mesma a
um determinado transcurso de tempo, resultando em uma norma existente, porém, não vigente.
Já a norma jurídica, para ser eficaz, reclama a total incidência do seu conteúdo a um determinado
fato, que, ao se tornar um fato jurídico, passará e surtir efeitos.
A norma jurídica possui na sua composição um suporte fático
hipotético, que, enquanto não ocorrer a absoluta correspondência desta
previsibilidade hipotética com um determinado fato da vida, a norma, de per si, não é eficaz, porém existe e
presume-se válida.
Nota-se, portanto, que a
eficácia
da norma está estritamente vinculada à sua
incidência,
uma vez que, somente ela (a norma) incidindo é que ocorrerão efeitos e
conseqüências no mundo real.
MELLO trata dos limites da eficácia jurídica antes de começar a
discorrer sobre a
“irradiação da eficácia
jurídica”, apontando para três limitações, uma de ordem pessoal, outra de
ordem espacial e a terceira de ordem temporal.
Aponta também uma quarta restrição aquela imposta pela vontade.
A limitação de ordem pessoal se volta ao fato de que a eficácia
daquele ato jurídico não pode intervir em esfera jurídica alheia, podendo
gerar, além da ineficácia do ato, a própria ilicitude e, consequentemente, a
indenização.
Há de se frisar que, excepcionalmente, o direito permite a
extrapolação desta limitação de ordem pessoal, fazendo com que a eficácia do
ato interfira em relações jurídicas de terceiros.
De igual sorte esta é a exceção, pois a regra é clara e
objetiva, qual seja, a eficácia do ato jurídico somente recai sobre aqueles
envolvidos na relação jurídica específica.
Os limites da eficácia do fato jurídico também, como dito
acima, podem ser de cunho temporal e espacial.
Sob o aspecto temporal e espacial, Mello defende que a eficácia
pode ser “
(i) plena ou apenas
limitadamente, (ii) imediatamente ou protraída para o futuro, (iii) de modo
definitivo ou provisoriamente ou (iv) limitada a determinado espaço territorial,
(v) havendo, também, a possibilidade de que nunca venha a gerar seus efeitos
próprios (ineficácia em sentido estrito)”.
Essas variações decorreriam, principalmente, em virtude de
quatro fatores:
“(i) da natureza do
próprio fato jurídico, (ii) da vontade dos figurantes, (iii) de expressa
disposição de lei ou (iv) do âmbito de valência do próprio sistema jurídico”.
Quanto a natureza do fato jurídico, a sua eficácia fica
limitada à uma condição futura, ou seja, à ocorrência de um determinado fato,
certo ou incerto, uma vez que, sem isso, a eficácia não é eficaz, existindo
potencialmente.
No âmbito do direito previdenciário é possível exemplificar no
seguinte sentido: a segurada da Previdência Social que contribui
facultativamente com a alíquota diferenciada de 11% (onze por cento) sobre o
salário mínimo vigente, tendo direito, portanto, à aposentadoria por idade,
mesmo que tenha cumprido a carência e se encontra com a qualidade de segurado,
somente fará jus à aposentadoria após completar sessenta anos de idade
(sessenta e cinco no caso do homem), quando passará a receber um salário mínimo
mensal a título de aposentadoria.
Quanto à
vontade dos
figurantes, Mello afirma que, em virtude a “amplitude do poder de
auto-regramento que lhe assegura o sistema jurídico, constitui o elemento que
mais pode influir no surgimento, modificações e duração da eficácia jurídica”.
De igual sorte, no âmbito do direito previdenciário, pode-se
afirmar que a vontade dos figurantes atua minimamente, afinal os efeitos já estão
predeterminados em lei.
Diga-se de uma ingerência mínima
da vontade e não a ausência absoluta na esfera previdenciária pois, apesar de
não haver possibilidade de auto-regramento entre as partes, segurado (ou
beneficiário) e autarquia previdenciária, pois, como dito, os efeitos estão
predeterminados em lei, nada impede que o segurado, volitivamente, abra mão de
usufruir dos efeitos de sua aposentadoria no momento que preenche todos os
requisitos para tal, almejando uma aposentadoria futura e mais vantajosa.
A exemplo disso pode-se citar a aposentadoria por tempo de
contribuição, onde o segurado, mesmo tendo alcançado os trinta e cinco anos de
tempo de contribuição (trinta anos se mulher) e, portanto, ter direito a se
aposentar, opta, volitivamente, por aguardar por mais alguns anos em virtude da
incidência do fator previdenciário.
Outro exemplo que pode ser trazido à esfera previdenciária,
quanto à existência mínima da vontade, é quando o contribuinte facultativo ou
autônomo, sendo acometido por uma doença temporária que o incapacite para o
trabalho, deixa de requerer seu benefício de auxílio doença, ou seja, é sabido
que o segurado da Previdência Social tem direito ao respectivo benefício quando
não apresenta condições físicas ou psíquicas para o trabalho, no entanto, o
benefício somente surtirá seus efeitos se houver a manifestação da vontade por
parte do segurado, caso contrário, mesmo preenchidos os requisitos e havido a
incidência normativa ao suporte fático, fica limitada os efeitos à vontade do contribuinte.
Nota-se que não existe, na esfera previdenciária, uma amplitude
significativa da vontade dos
segurados, essa a qual (a vontade) se
restringe, em via de regra, em reclamar ou não seu benefício, para que, daí
sim, passe a surtir seus efeitos.
Já a limitação por
expressa
disposição normativa se posta como primordial e necessária à ordem
jurídica, zelando para que o cenário não se desdobre em verdadeira desordem, já
que, como acima visto, o poder do auto-regramento é delicado em virtude da sua
amplitude
.
O limite da eficácia por expressa disposição legal se dá pelo
resguardo constante ao princípio da irretroatividade da lei, ou seja, os
efeitos da lei não podem retroagir se isto caracterizar prejuízo ao ato
jurídico perfeito, ao direito adquirido ou à coisa julgada.
Neste tocante interessante se faz citar a lição de Marcos
Bernardes de Mello:
A norma jurídica tem, portanto, o poder de limitar, protrair,
restaurar, dar imediatidade, modificar ou extinguir efeitos jurídicos,
respeitados, porém, os limites traçados pelo princípio da irretroatividade da
lei. A retroeficácia não modifica as situações fácticas no passado. A norma
existe com força vinculante desde sua vigência. Também, apenas a partir desse
momento seu suporte fáctico se pode concretizar, mesmo quando em sua previsão
estejam incluídos fatos pretéritos. Por isso, a incidência da norma jurídica
dita retroativa, ou retroeficaz, somente se dá desde
agora e
ad futurum, não
indo ao passado para
ali atuar. Os
fatos do passado que integrem seu suporte fáctico são tomados tal como
ocorridos em seu tempo, segundo configuração
lá, não aqui. Não há como desconsiderar a
irreversibilidade do tempo, de modo que é impossível voltar ao
passado. A
reversibilidade do tempo é
tema que só pode ser objeto de conjetura filosófica ou ficção literária. Desse
modo, as normas jurídicas ditas retroativas atuam (incidem) apenas
hic et hoc, donde somente se pode ter os
fatos jurídicos resultantes como gerados a partir daí. No entanto, pode a norma
jurídica dispor que suas conseqüências (= eficácia jurídica) sejam
consideradas desde agora como se houvessem
ocorrido no passado.
É de suma importância a respectiva lição de Mello para a
proposta do presente trabalho, devendo ter muito claro que o limite da eficácia
por expressa disposição normativa está consubstanciada no princípio da
irretroatividade da lei, possuindo a norma uma “força vinculante desde a sua vigência”.
Ainda mais importante é a lição do autor ao afirmar que “apenas
a partir desse momento (da sua vigência) seu suporte fáctico se pode
concretizar, mesmo quando em sua previsão estejam incluídos fatos pretéritos”
(grifo nosso), ou seja, a eficácia da norma jurídica não recairá sobre fatos já
constituídos no passado, até mesmo por uma questão lógica de física, pois a
“irreversibilidade do tempo” é absolutamente irrealizável, sendo esta uma
matéria a ser suposta no campo da “ficção literária”, como afirma o autor.
No entanto, ao tratar da eficácia da norma jurídica, quando
estes efeitos não prejudicam o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada, estas conseqüências se dão deste momento em diante, ou seja, do
“agora e ad futurum, não indo ao passado para ali atuar”.
É evidente o posicionamento do autor no sentido de que os
efeitos da norma jurídica, desde que não violem o que dispõe o princípio da
irretroatividade da lei, terão sim ingerência para o futuro, a partir da sua
vigência, “mesmo quando em sua previsão estejam incluídos fatos pretéritos”.
Esta problemática será analisada sob o enfoque do direito
previdenciário em capítulo próximo.
A limitação da eficácia no âmbito
de valência do próprio sistema jurídico condiz ao limite espacial e limite
temporal.
O limite espacial é o territorial, ou seja, é dentro dos
limites de um determinado território que uma determinada sociedade exerce o seu
poder político, não havendo eficácia dos seus atos para fora dessas
demarcações.
A regra, portanto, é a eficácia intraterritorial, existindo, no entanto, a possibilidade de
eficácia extraterritorial de fatos
jurídicos, dado por meio de tratados ou convenções internacionais.
O limite temporal, no sentido aqui abordado, seria o
“término temporal da vigência da norma”,
o que, em verdade, não causa nenhuma modificação aos efeitos da norma, afinal,
o fato jurídico já constituído, com a incidência normativa pela ocorrência no
mundo real do suporte fático hipotético, produzirá seus efeitos
independentemente se a norma, cujos efeitos estavam previstos, deixe de
vigorar.
Grandes impasses ocorrem, atualmente, quando se trata da
aplicação da lei previdenciária no tempo, principalmente quanto à possibilidade
da lei nova – quando mais benéfica - retroagir, bem como, até quanto esta lei
posterior pode retroagir frente aos princípios constitucionais do direito
adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada (já analisados
individualmente em tópicos próprios).
A falta de harmonia ao tratar do tema (e também a ressalva de
que cada caso deve ser apreciado individualmente), conduz a jurisprudência,
muitas vezes, a tomar posições, em um primeiro momento, contraditórias, no
entanto, desprovidas de incoerência, o que gera, portanto, a necessidade de
analisar com mais vagar tão delicado assunto.
3.1 A lei posterior mais benéfica
Em matéria de direito previdenciário, o princípio do tempus regit actum, mormente, sempre
teve significativa aplicabilidade para dirimir qualquer conflito de lei no
tempo, permitindo, atualmente, concluir: a lei previdenciária, em regra, não retroage.
Este é o posicionamento majoritário da doutrina que trata do
tema.
Rafael Castegnaro Trevisan
leciona quanto a diferenciação, em matéria previdenciária, de
lei retroativa e de
efeito imediato.
O autor defende que a lei posterior que venha alterar
coeficiente de cálculo de benefício (por exemplo), não pode ser compreendida
como de efeito imediato, pois se
estará diante de retroatividade de
lei, apesar de inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça
reconhecerem como de efeito imediato
leis posteriores mais benéficas.
Nas palavras do autor:
Em se tratando de relação obrigacional correspondente a
efeito de fato jurídico aperfeiçoado na vigência da lei antiga, qualquer lei
posterior que, modificando o regramento aplicável no momento da incidência,
venha a acarretar a reformulação das bases elementares do direito (mesmo que
sejam os efeitos patrimoniais apenas futuros), após seu surgimento enquanto
direito subjetivo, será retroativa. No caso dos benefícios previdenciários, em
que a relação obrigacional envolve, como visto, prestações reiteradas que
correspondem, para o beneficiário, a direitos expectativos, já integrantes de
seu patrimônio jurídico, não há como negar ser retroativa a aplicação da lei
nova que altere o coeficiente de cálculo que deva incidir sobre o salário-de-benefício.
Leonardo Castanho Mendes afirma que a “retroatividade há de ser
dividida sempre em graus, conforme se pretenda a aplicação da lei nova sobre
efeitos futuros de fatos pretéritos –
retroatividade
mínima – e sobre os fatos já consumados –
retroatividade máxima”.
Nota-se que se trata de uma importante abordagem, e,
principalmente, de fácil compreensão, permitindo um debate mais objetivo para a
resolução de um determinado fato, concluindo-se pela autorização da
retroatividade mínima quando se
tratar de lei posterior mais benéfica, sendo vedada a retroatividade máxima em respeito aos princípios do
direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Logicamente que, como já exposto no presente trabalho, deve-se
analisar o caso isoladamente, ao ponto que, a aplicação genérica de determinada
linha interpretativa pode, muitas vezes, se postar contra os reais fundamentos
de um Estado Democrático de Direito, ressaltando ainda o “caráter social do
direito ao benefício previdenciário”.
Outra observação importante a ser verificada é quanto à Súmula
654 do Supremo Tribunal Federal: “A garantia da irretroatividade da lei,
prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela
entidade estatal que a tenha editado.”
Frente às inúmeras complexidades que o tema proposto oferece, é
necessário haver um consenso interpretativo dos princípios e regras que darão a
resolução do feito propriamente dito.
Dessa maneira, é de salutar importância ter presente o conteúdo
da comentada Súmula nº 654 do Supremo Tribunal Federal, que demonstra
claramente estar a
entidade estatal
submetida ao princípio da legalidade, não podendo invocar as garantias do
direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada quando a lei
posterior tenha sido editada pela própria entidade.
Diante do tema proposto, a polêmica maior se concentra na
possibilidade da lei previdenciária posterior mais benéfica retroagir,
aplicando-a sobre os efeitos futuros de fatos já ocorridos no passado (retroatividade mínima ou de efeito imediato), ou ainda, sobre os
fatos já consumados (retroatividade
máxima).
Wladimir Novaes Martinez, em 1985 já argumentava sobre a lei
posterior mais benéfica.
O autor, na época, já relatava ser o Direito Previdenciário o
ramo jurídico com “maior poder legiferante”
,
visto às inúmeras regras que se sucediam no transcorrer do tempo.
Diante disso, Martinez, defendia que a irretroatividade da lei
“era a regra”, sendo, no entanto, passível de debate, quando estava a se tratar
de norma posterior mais benéfica.
Em uma época onde as lacunas na lei, em matéria previdenciária,
eram mais constantes e evidentes das atuais, Martinez defendia ser possível a
retroatividade da lei quando se deparava com fatos até então não regulamentados
e que não houvesse “determinação expressa proibitiva”
.
O autor também defendia que, apesar de caracterizar uma
violação ao princípio da irretroatividade da lei, quando a posterior era mais
benéfica, a retroatividade, em muitos casos, acontecia.
Interessante se faz citar Martinez abordando o tema proposto
ainda em 1985:
Na aplicação
do Direito Previdenciário raramente a lei retroage, fato ocorrente em outros
ramos jurídicos, mas é comum lei nova
alterar a avaliação dos fatos pertencentes ao passado, para melhor. Na
interpretação e integração, isto é, nos casos de obscuridade e fissura da norma
jurídica vigente à época dos fatos, é
cabível a argumentação relativa à lei posterior mais benéfica.
Mas,
a regra é a irretroatividade da norma, sendo considerável o valor dos fatos e
da lei vigente à época. Exemplificativamente, se ao tempo do fato gerador
do direito a pensão (morte do segurado) o valor da cota da viúva era de 10% do
valor da aposentadoria por invalidez do marido e, posteriormente, passa a ser
de 12%, não se pode atribuir-lhe esta última percentagem. Por outro lado, se
por ocasião da morte do segurado não havia na legislação previdenciária
disposição que beneficiasse o
casamento
canônico (CLPS, 13, §4º), por omissão do legislador, nada impede que o
mesmo raciocínio seja retroativamente aplicada desde que, na lei da época, não
houvesse determinação expressa proibitiva. (grifo nosso).
Rafael Castegnaro Trevisan, de modo bastante objetivo, defende
a total impossibilidade de lei nova mais favorável retroagir em matéria de
direito previdenciário.
Fundamentando seu ponto de vista sob os estudos do fato
jurídico de Pontes de Miranda, o autor entende que o tempus regit actum é princípio inerente ao fato jurídico de
benefício previdenciário:
O princípio do
tempus
regit actum sempre foi, realmente, tido como aplicável ao fato jurídico de
benefício previdenciário. Nas inúmeras obras que tratam especificamente da
eficácia da lei no tempo, não costuma ser citado o direito a benefício previdenciário
como exemplo de hipótese em que se entenda admissível a retroatividade da lei
nova.
Daí ser possível, inclusive com
base no que já foi exposto neste trabalho, especialmente em relação à doutrina
de Pontes de Miranda, afirmar que não há respaldo, na boa doutrina brasileira,
para a tese da retroatividade da lei mais favorável ao beneficiário, em matéria
de direito previdenciário.
(Grifo nosso).
Trevisan é enfático ao criticar o entendimento jurisprudencial
dominante no Superior Tribunal de Justiça.
Segundo o autor, os acórdãos publicados pelo Superior Tribunal
de Justiça conduzem a concluir que, no futuro, as inovações legais, quando mais
benéficas aos segurados, serão aplicadas de modo geral, mesmo para aqueles que
já tiveram seu fato jurídico constituído em momento pretérito, quando vigorava
a lei antiga e, teoricamente, menos vantajosa, caracterizando,
inquestionavelmente, a retroatividade da
lei.
Nas palavras de Trevisan:
Muito embora
já seja, de fato, uniforme e reiterado, há alguns anos, o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça no trato da matéria, parece ainda válido e atual o
debate do assunto em questão.
O alcance do problema envolvido é
enorme, pois não se trata de matéria restrita aos assuntos específicos até o
momento ventilados nos acórdãos já publicados (tais como o coeficiente da
pensão por morte): seguindo-se a linha teórica da jurisprudência até o momento
dominante, todas as inovações legislativas havidas em favor dos segurados, nos
últimos anos e até nas últimas décadas, devem ser aplicadas indistintamente a
todos, com efeito retroativo. Enfim, não se trata de polêmica que envolva uma
norma específica, para a qual se tenha adotado solução casuística (tendente a
corrigir de maneira pontual, por exemplo, o problema do pequeno valor das
pensões por morte antigas, especialmente as concedidas no período anterior ao
advento do novo regime geral decorrente da Constituição de 1988). Está-se a
tratar de verdadeiro princípio, de verdadeira regra básica norteadora da
aplicação do Direito Previdenciário Brasileiro.
Trevisan também faz importante observação quanto à
possibilidade (inadmissível) de ter constituída uma terceira norma de natureza
híbrida, consequência de aplicações parciais da lei antiga com a lei nova, o
que, na prática, acabaria por desestabilizar as estruturas legais, conduzindo a
uma verdadeira balbúrdia interpretativa e distanciando longinquamente das
soluções práticas e efetivas no direito previdenciário:
Conforme exposto no desenvolvimento deste trabalho, a
consideração isolada de um único aspecto da lei nova, que se tenha por
favorável aos beneficiários, desconsiderando-se as demais variáveis presentes
na novel legislação, importa em combinação de normas, pois acaba o aspecto
inovador (tido como positivo) por ser combinado com a legislação que já vinha
regrando os benefícios previdenciários (a legislação pretérita), não
necessariamente coerente, em suas bases, com a legislação posterior. Ora, tal
combinação de normas, de modo a criar, na prática, uma terceira norma, híbrida,
destinada a disciplinar a relação jurídica em curso, além de ser medida
contrária a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, não tem
qualquer fundamento lógico, se levadas em conta as premissas inerentes à
doutrina de Pontes de Miranda, que de maneira rigorosamente científica explica
a relação entre a incidência das normas jurídicas, o surgimento dos fatos
jurídicos e a irradiação da eficácia destes, onde se inserem os direitos
subjetivos.
Com bastante objetividade, Trevisan defende ser incabível a
“aplicação da lei nova mais benéfica ao segurado ao fato jurídico de benefício
previdenciário pretérito, sem base em expressa determinação legal”
.
Leonardo Castanho Mendes, sob um parecer mais ponderado,
informa, como já mencionado no sub-item 3.1 deste capítulo, “que a
retroatividade há de ser dividida sempre em graus, conforme se pretenda a
aplicação da lei nova sobre efeitos futuros de fatos pretéritos –
retroatividade mínima – e sobre os fatos já consumados – retroatividade
máxima”.
Mendes defende que as concepções quanto à retroatividade devem
ser analisadas isoladamente frente a cada caso, em detrimento de uma taxativa
linha de raciocínio, vista às particularidades existentes nos mais diversos
casos onde a lei nova conflita com a lei pretérita:
Em realidade, nenhuma solução pode ser definitivamente
avançada de forma genérica para a totalidade dos problemas que nessa matéria
venham a colocar-se para o interprete das normas em conflito. O exame caso
a caso do alcance das regras novas há de atender, sempre, é o que se postula,
ao exame do exato conteúdo do direito que uma certa norma atribui ao titular,
aí compreendidos também todos os efeitos, mesmo futuros, que determinado
dispositivo atribua em favor do titular da situação de vantagem. Se o direito
se incorpora ao patrimônio com a definição completa de seus efeitos futuros,
nenhuma norma posterior poderá alterar essa definição sem ofender a garantia do
direito adquirido.
Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari seguem
o entendimento da majoritária doutrina, ou seja, a lei nova passa a ter
eficácia aos fatos constituídos a partir da sua vigência:
Já as demais
normas de custeio, bem como as relativas a prestações previdenciárias, são
eficazes a partir da data em que a própria norma previr sua entrada em vigor,
e, na ausência de tal fixação, no prazo estabelecido pela Lei de Introdução ao
Código Civil para a vacatio legis, ou
seja, quarenta e cinco dias após sua publicação.
Naturalmente, obedecida a regra
principiológica da irretroatividade da lei, tem-se que a lei não surte efeitos
pretéritos. No caso do Direito Previdenciário, nem mesmo para beneficiar
eventuais infratores da norma de custeio. Observe-se, não se está tratando da
norma de Direito Penal (ante a possível existência de crime de sonegação fiscal
ou apropriação indébita), mas daquela que tem natureza tributária, e que fixa a
obrigação tributária e a mora do devedor.
Rubens Limongi França
,
apesar de não tratar da irretroatividade da lei especificamente em matéria de
direito previdenciário, faz interessante abordagem ao ensinar que os efeitos da
lei superveniente podem ter aplicabilidade distinta da regra geral (
irretroatividade) em havendo
“interesse social e público”.
Nas palavras do autor:
Via de regra, uma lei é eficaz até que outra a revogue ou
derrogue, isto é, até que seja antiquada ou modificada por outra. Não raro,
entretanto, sucede que, ao exsurgimento da lei nova, a lei antiga já criou
relações jurídicas de tal natureza, que se impõe a permanência destas, apesar
da vigência do diploma revogador.
Por
outro lado, pode acontecer que o interesse social e público leve o legislador a
determinar que essas relações, a partir da nova lei, rejam-se por esta e não
por aquela sob cujo império se criaram, ou, ainda, que se desfaçam por
completo, aplicando-se o novo diploma no pretérito. (Grifo nosso).
Nota-se, portanto, frente às distintas posições doutrinárias
supramencionadas, que o tema em questão deve ser cuidadosamente abordado, eis
que inúmeros são os aspectos a serem pautados quando o tema é a lei
previdenciária no tempo.
Um dos casos mais marcantes quanto à aplicação da lei
previdenciária no tempo, foi, inquestionavelmente, o das pensões por morte previdenciária concedidas anteriormente à
modificação do art. 75 da Lei 8.213/1991 pela Lei 9.032/1995.
O que ocorreu foi que, o art. 75 da
Lei 8.213/1991, em sua redação original, estabelecia que a pensão por morte previdenciária teria uma Renda Mensal Inicial
(RMI) correspondente a 80% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou
a que teria direito se estivesse aposentado na data do seu falecimento,
acrescentado de 10% para cada dependente, até o máximo de dois dependentes (que
equivaleria a 100%).
Pela redação original, portanto, se
uma pensionista do INSS passasse a receber seu benefício em virtude do
falecimento do seu marido, existindo somente ela de dependente, seu benefício
de pensão por morte teria a RMI correspondente a 90% da aposentadoria que seu
marido recebia, se já aposentado, ou, daquela que teria direito se aposentado
fosse, afinal, era somente uma dependente (80% + 10% = 90%).
Assim era a redação original do art.
75 da Lei 8.213/1991:
Art. 75. O
valor mensal da pensão por morte será:
a)
constituído de uma parcela, relativa à família, de 80% (oitenta por cento) do
valor da aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito, se
estivesse aposentado na data do seu falecimento, mais tantas parcelas de 10%
(dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os seus
dependentes, até o máximo de 2 (duas).
b) 100% (cem por cento) do
salário-de-benefício ou do salário-de-contribuição vigente no dia do acidente,
o que for mais vantajoso, caso o falecimento seja conseqüência de acidente do
trabalho. (Grifo nosso).
Ocorre que, com o advento da Lei 9.032 de 1995, o art. 75 da
Lei 8.213/1991 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte, inclusive a
decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do
salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente
no art. 33 desta lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995). (Grifo nosso).
Atualmente, o comentado art. 75 da Lei 8.213/1991, está
vigorando com a redação dada pela Lei 9.528/1997, que não trouxe grandes
alterações da redação dada pela Lei 9.032/1995:
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por
cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria
direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento,
observado o disposto no art. 33 desta lei. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de
1997).
Esta modificação na redação do art. 75 da Lei 8.213/1991,
principalmente aquela dada pela Lei 9.032 de 1995, determinando que os
benefícios de pensão por morte passassem a corresponder a 100% da aposentadoria
que o instituidor recebia ou que teria direito a receber se aposentado por
invalidez fosse na data do óbito, foi motivo para a interposição de milhares de
ações previdenciárias junto à Justiça Federal no país inteiro, onde se buscava
a integralização das pensões por morte para os(as) pensionistas que tiveram
seus benefícios concedidos anteriormente ao advento da Lei 9.032/1995 e,
conseqüentemente, não integralizadas.
Após longas batalhas judiciais, o Superior Tribunal de Justiça
firmou entendimento no sentido de entender pela majoração das pensões
concedidas anteriormente ao advento da Lei 9.032/1995, fundamentando suas
decisões, principalmente, ao efeito
imediato da lei nova, em detrimento aos princípios da irretroatividade da lei e do tempus
regit actum:
RECURSO
ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VIÚVA. ART. 75. LEIS 8.213/91 E
9.032/95. EFEITO IMEDIATO DA LEI NOVA. APLICABILIDADE.
1. No sistema de direito positivo
brasileiro, o princípio tempus regit actum se subordina ao do efeito
imediato da lei nova, salvo quanto ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada.
[...]
4. O direito subjetivo do dependente
por morte do segurado é o direito à pensão no valor irredutível que a lei lhe
atribua e não ao valor do tempo da concessão do benefício, como é do princípio
constitucional da suficiência mínima o benefício previdenciário, previsto no
parágrafo 2º do art. 201 da Constituição da República, do qual decorrem a sua
natureza alimentar, o seu valor mínimo, que deve ser suficiente para o
atendimento das necessidades básicas do beneficiário e de sua família, nunca
inferior ao salário mínimo, e a sua uniformidade, pois indiferençáveis, em
termos de atendimento mínimo, a satisfação das necessidades vitais básicas da
pessoa humana.
5. No sistema previdenciário
brasileiro o valor legal do benefício é o seu valor mínimo constitucional,
uniforme em cada classe específica, a partir do qual varia em função do salário
de contribuição, por força da natureza contributiva.” (STJ, REsp. nº
264.514/AL, Min. Hamilton Carvalhido, DJU 09/10/2000)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO.
REAJUSTE DE BENEFÍCIO. PENSÃO POR MORTE. ART. 75 DA LEI 8.213/91 E 9.032/95.
EFEITO IMEDIATO DA LEI NOVA.
1. [...]
2. O dispositivo legal que majorar o
percentual relativo às cotas familiares de pensão por morte deve ser aplicado a
todos os benefícios previdenciários, independentemente da lei vigente na data
do fato gerador do benefício. Destarte, tal entendimento não autoriza, de forma
alguma, a retroatividade da lei, mas sim a sua incidência imediata, alcançando
todos os casos.
3. Recurso provido” (STJ, REsp. nº
359.370/RN, Rel. Min. Félix
Fischer, DJU 01/07/2002, p. 376).
A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região também já
havia se pronunciado pela majoração imediata dos valores das pensões para 100%, conforme passou a estipular a Lei
9.032/1995, também calcado no efeito
imediato da lei nova:
Discordando de sentença que julgou improcedente o pedido de
revisão de pensão por morte para 100% do valor da aposentadoria base, apelou a
autora. Alega que na época que ocorrera o óbito __ 26/05/1986 __ o
benefício que fora concedido era de acordo com o coeficiente estabelecido no Decreto
nº 89.312/84, mas posteriormente a Lei 8.213/91, art. 75, ao dispor sobre a
complementação de aposentadoria de ferroviário, alterou o coeficiente, prevendo
a pensão por morte devida no valor de 100%dos proventos do servidor falecido. A
5ª Turma, por maioria, vencido o Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, deu
parcial provimento ao recurso, entendendo que as Leis 8.213/91 e 9.032/95 devem
incidir imediatamente sobre todos os benefícios de pensão, independentemente da
lei vigente à época em que foram concedidos, majorando o benefício de 80% para
100%, respectivamente. Não se tratando de aplicação retroativa da lei nova, mas
de sua aplicação imediata. Acompanhou o relator o Juiz Federal Ricardo T. do
Valle Pereira. (AC nº 2000.70.02.002374-3/RS, Rel. Des. Federal Antônio Albino
Ramos de Oliveira, julg. Em 13/03/2003, Informativo Semanal TRF/4ª Região nº
148).
Ocorre que, o Supremo Tribunal Federal, em
julgamento histórico (RE 416827/SC e RE 415454/SC), adotou posição contrária
àquela até então dominante.
A autarquia previdenciária interpôs Recurso Extraordinário
alegando, basicamente, a violação ao art. 5º, XXXVI da Magna Carta, ou seja,
ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, e ainda, a “impossibilidade
de majoração de benefício da seguridade social sem a correspondente indicação
legislativa da fonte de custeio total”.
O Supremo Tribunal
Federal, voltando-se aos argumentos trazidos pela autarquia previdenciária e
firme no princípio do tempus regit actum,
deu provimento ao Recurso Extraordinário interposto pela Previdência Social,
frustrando com as expectativas de inúmeros pensionistas no país inteiro que
esperavam ter seus benefícios majorados nos moldes da nova lei.
As alegações do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na época, voltaram-se à violação do
art. 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988, ou seja, à ofensa ao ato
jurídico perfeito e ao direito adquirido. Também alegou o INSS a
impossibilidade de majoração de benefício da seguridade social sem a
correspondente indicação legislativa da fonte de custeio, em conformidade ao
art. 195, §5º da Magna Carta.
O Supremo Tribunal
Federal erigiu a aplicação do princípio
tempus
regit actum, sob o preceito de ser
esta a máxima previdenciária a ser analisada quando se trata de conflitos da
lei previdenciária no tempo, argumentando a ocorrência de uma
“má aplicação”
da garantia constitucional do direito adquirido pelo acórdão recorrido.
O Ad Major Et Magnus Judicium também entendeu não ter ocorrido, de
modo expresso, a indicação de fonte de custeio total, violando, deste modo, o
art. 195, §5º da Constituição Federal, decidindo, por fim, que as alterações
trazidas pela Lei 9.032/1995 somente poderiam ser aplicadas a benefícios
concedidos a partir da sua vigência.
Em uma decisão, no mínimo, polêmica, o Supremo Tribunal Federal
entendeu não existir efeito imediato à lei nova mais benéfica aos segurados,
pondo fim a uma batalha que há anos se alastrava.
O presente trabalho, que procurou discorrer sobre a aplicação
da lei previdenciária no tempo, abordou, inicialmente, os princípios que estão
constantemente ligado ao tema proposto, explicitando individualmente sobre a segurança jurídica, a irretroatividade da lei, o direito adquirido, o tempus regit actum, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, fazendo, ainda, algumas
considerações acerca dos fatos jurídicos dentro do direito previdenciário, tudo
objetivando uma adequada posição frente à delicada questão da lei
previdenciária no tempo.
Admitir retroatividade
quando a lei posterior se apresenta de forma mais vantajosa ao segurado, causa
desencontros interpretativos quando, conjuntamente, é abordado o conceito de efeito imediato.
A primeira conclusão a ser apontada, objetivamente, é a total impossibilidade de existir
retroatividade máxima, ou seja, os
efeitos desta lei nova, em hipótese alguma, podem intervir em fatos já
constituídos em momentos pretéritos, uma vez que, caso contrário, estar-se-ia a
admitir um total descaso aos princípios do direito adquirido, ato jurídico
perfeito e a coisa julgada, instituindo um estado de total desordem, com
ausência absoluta de segurança jurídica.
Dito isso, a polêmica se volta à possibilidade de existir retroatividade mínima (ou de efeito imediato) pela lei posterior, ou
seja, aplicação dos efeitos a partir da sua vigência.
Ao que nos é mostrado, a doutrina não se posiciona de modo
taxativo, o que é perfeitamente compreensível uma vez que, por tratar de uma
questão relativamente ampla, existe a real necessidade de uma análise
individualizada aos casos a serem enfrentados pelos aplicadores do direito,
devendo ocorrer, em verdade, um consenso interpretativo.
O que se mostra de modo bastante claro e pacífico, é que a
irretroatividade é a regra, sendo a
retroatividade a exceção. Não se pode
negar a possibilidade de aplicação dos efeitos da nova lei mais benéfica quando
não existia regulamentação legal para determinado fato e que não houvesse
“determinação expressa proibitiva”
.
Há também a corrente que se volta à
impossibilidade absoluta de retroatividade de lei, se postando contrário ao
predominante entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.
Outra idéia que, necessariamente,
deve estar presente, é quanto à impossibilidade de uma aplicação conjunta de
lei, constituindo, ao final, uma lei de natureza híbrida, o que afronta os mais
basilares princípios norteadores da ordem jurídica nacional.
Salienta-se, ainda, a necessidade de um posicionamento
ponderado frente ao tema, devendo cada caso ser analisado individualmente, mas
tendo presente a total possibilidade de uma aplicação de efeitos, trazidos pela
lei nova, a partir de sua entrada em vigor. Diante
disso, conclui-se que, em consonância ao posicionamento de Leonardo Castanho
Mendes
,
a adoção de um entendimento passivo e genérico frente ao tema, conduz a uma
interpretação restritiva, que além de prejudicial, pode se mostrar perigosa,
estando, ainda, descondizente com a essência científica do direito.
Assim, opta-se por um posicionamento mais flexível, admitindo
como regra a irretroatividade da lei, mas existindo a possibilidade da retroatividade mínima, quando se estará
diante de lei mais benéfica, atentando, logicamente, para as garantias do
direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Não é crível que uma lei posterior mais benéfica, cuja
existência é uma conseqüência de toda uma evolução legislativa frente às novas
realidades, não seja aplicada aos benefícios concedidos anteriormente à sua
existência. A conseqüência não se limita às sensações de injustiça, mas em
afronta concreta a qualquer idéia de isonomia e democracia. Sobrevindo lei
posterior mais benéfica, a justificativa mais plausível é o fato da lei
anterior estar eivada de vícios (lacunas), necessitando de complementação (ou
adaptação), não havendo de se admitir deixar à sorte (ou “azar”) àqueles que já tiveram seus benefícios concedidos
anteriormente.
Anexo:
RE 415454 / SC - SANTA CATARINA
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento:
08/02/2007 Órgão
Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJe-131
DIVULG 25-10-2007 PUBLIC
26-10-2007
DJ 26-10-2007 PP-00042
EMENT VOL-02295-06 PP-01004
Parte(s)
RECTE.(S):
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADV.(A/S):
MIGUEL ÃNGELO SEDREZ JUNIOR
RECDO.(A/S):
THERESIA PFLANZIL GIL RIMBAU
ADV.(A/S):
TAÍS SOARES PINTO E OUTRO(A/S)
INTERVEN.(A/S)(ES):
UNIÃO
ADV.(A/S):
ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Ementa
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSTO PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL (INSS), COM FUNDAMENTO NO ART. 102, III, "A", DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, EM FACE DE
ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS.
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO: PENSÃO POR MORTE (LEI Nº 9.032, DE 28 DE ABRIL DE
1995). 1. No caso concreto, a recorrida é pensionista do INSS desde 04/10/1994,
recebendo através do benefício nº 055.419.615-8, aproximadamente o valor de R$
948,68. Acórdão recorrido que determinou a revisão do benefício de pensão por
morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de
benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei no 9.032/1995. 2.
Concessão do referido benefício ocorrida em momento anterior à edição da Lei no
9.032/1995. No caso concreto, ao momento da concessão, incidia a Lei no 8.213,
de 24 de julho de 1991. 3. Pedido de intervenção anômala formulado pela União
Federal nos termos do art. 5º, caput e parágrafo único da Lei nº 9.469/1997.
Pleito deferido monocraticamente por ocorrência, na espécie, de potencial
efeito econômico para a peticionária (DJ 2.9.2005). 4. O recorrente (INSS)
alegou: i) suposta violação ao art. 5o, XXXVI, da CF (ofensa ao ato jurídico
perfeito e ao direito adquirido); e ii) desrespeito ao disposto no art. 195, §
5o, da CF (impossibilidade de majoração de benefício da seguridade social sem a
correspondente indicação legislativa da fonte de custeio total). 5. Análise
do prequestionamento do recurso: os dispositivos tidos por violados foram
objeto de adequado prequestionamento. Recurso Extraordinário conhecido. 6.
Referência a acórdãos e decisões monocráticas proferidos quanto ao tema perante
o STF: RE (AgR) no 414.735/SC, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Eros Grau, DJ
29.4.2005; RE no 418.634/SC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJ
15.4.2005; e RE no 451.244/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática, DJ
8.4.2005. 7. Evolução do tratamento legislativo do benefício da pensão por
morte desde a promulgação da CF/1988: arts. 201 e 202 na redação original da
Constituição, edição da Lei no 8.213/1991 (art. 75), alteração da redação do
art. 75 pela Lei no 9.032/1995, alteração redacional realizada pela Emenda
Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998. 8. Levantamento da
jurisprudência do STF quanto à aplicação da lei previdenciária no tempo.
Consagração da aplicação do princípio tempus
regit actum quanto ao momento de referência para a concessão de benefícios
nas relações previdenciárias. Precedentes citados: RE no 258.570/RS, 1ª
Turma, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.4.2002; RE (AgR) no 269.407/RS,
2ª Turma, unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 2.8.2002; RE (AgR) no
310.159/RS, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 6.8.2004; e MS no
24.958/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1o.4.2005. 9. Na
espécie, ao reconhecer a configuração de direito adquirido, o acórdão recorrido
violou frontalmente a Constituição, fazendo má aplicação dessa garantia (CF,
art. 5o, XXXVI), conforme consolidado por esta Corte em diversos julgados:
RE no 226.855/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.10.2000; RE
no 206.048/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/ acórdão Min.
Nelson Jobim, DJ 19.10.2001; RE no 298.695/SP, Plenário, maioria, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 24.10.2003; AI (AgR) no 450.268/MG, 1ª Turma, unânime,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27.5.2005; RE (AgR) no 287.261/MG, 2ª Turma,
unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 26.8.2005; e RE no 141.190/SP, Plenário,
unânime, Rel. Ilmar Galvão, DJ 26.5.2006. 10. De igual modo, ao estender a
aplicação dos novos critérios de cálculo a todos os beneficiários sob o regime
das leis anteriores, o acórdão recorrido negligenciou a imposição
constitucional de que lei que majora benefício previdenciário deve,
necessariamente e de modo expresso, indicar a fonte de custeio total (CF, art.
195, § 5o). Precedente citado: RE no 92.312/SP, 2ª Turma, unânime, Rel.
Min. Moreira Alves, julgado em 11.4.1980. 11. Na espécie, o benefício da pensão
por morte configura-se como direito previdenciário de perfil institucional cuja
garantia corresponde à manutenção do valor real do benefício, conforme os
critérios definidos em lei (CF, art. 201, § 4o). 12. Ausência de violação ao
princípio da isonomia (CF, art. 5o, caput) porque, na espécie, a exigência
constitucional de prévia estipulação da fonte de custeio total consiste em
exigência operacional do sistema previdenciário que, dada a realidade atuarial
disponível, não pode ser simplesmente ignorada. 13. O cumprimento das políticas
públicas previdenciárias, exatamente por estar calcado no princípio da
solidariedade (CF, art. 3o, I), deve ter como fundamento o fato de que não é
possível dissociar as bases contributivas de arrecadação da prévia indicação
legislativa da dotação orçamentária exigida (CF, art. 195, § 5o). Precedente
citado: julgamento conjunto das ADI´s no 3.105/DF e 3.128/DF, Rel. Min. Ellen Gracie,
Red. p/ o acórdão, Min. Cezar Peluso, Plenário, maioria, DJ 18.2.2005. 14.
Considerada a atuação da autarquia recorrente, aplica-se também o princípio da
preservação do equilíbrio financeiro e atuarial (CF, art. 201, caput), o qual
se demonstra em consonância com os princípios norteadores da Administração
Pública (CF, art. 37). 15. Salvo disposição legislativa expressa e que
atenda à prévia indicação da fonte de custeio total, o benefício previdenciário
deve ser calculado na forma prevista na legislação vigente à data da sua
concessão. A Lei no 9.032/1995 somente pode ser aplicada às concessões
ocorridas a partir de sua entrada em vigor. 16. No caso em apreço,
aplica-se o teor do art 75 da Lei 8.213/1991 em sua redação ao momento da
concessão do benefício à recorrida. 17. Recurso conhecido e provido para
reformar o acórdão recorrido.
Decisão
Após o voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes
(Relator), conhecendo e dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos o
Senhor Ministro Eros Grau. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros
Nelson Jobim (Presidente) e Celso de Mello. Falaram, pelo recorrente, a Dra.
Luciana Hoff Vieira, Procuradora do INSS, e, pela Advocacia-Geral da União, o
Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União. Presidência da Senhora Ministra Ellen
Gracie (Vice-Presidente). Plenário,
21.09.2005.
Decisão: Após o voto-vista do Senhor
Ministro Eros Grau, negando provimento ao recurso, pediu vista dos autos o
Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Celso de Mello. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie,
Vice-Presidente no exercício da Presidência. Plenário, 19.04.2006.
Decisão: Após o voto-vista do Senhor
Ministro Ricardo Lewandowski, conhecendo e dando provimento ao recurso, no que
foi acompanhado pela Senhora Ministra Cármen Lúcia e pelo Senhor Ministro
Joaquim Barbosa, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Britto.
Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 31.08.2006.
Decisão: O Tribunal, por
unanimidade, conheceu do recurso, e, por maioria, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, vencidos os
Senhores Ministros Eros Grau, Carlos
Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente, Ministra Ellen
Gracie. Plenário, 08.02.2007. (Grifo nosso).
-----------------------------------------------------------------------------------------------
REFERÊNCIAS
MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Princípios de Direito Previdenciário.
2ª Ed. São Paulo/SP: Ltr, 1985, p. 23.
“Com
efeito, o disciplinamento das condutas humanas colima proteger interesses
individuais e coletivos, não apenas limitando a liberdade do homem, na medida
do indispensável para a viabilização deste convívio, como também promovendo uma
intervenção estatal efetiva com o escopo de equilibrar as desigualdades econômicas
e sociais, aliás, como é expressamente positivado no Capítulo que alberga os
princípios fundamentais da Carta de 1988 (inciso III do artigo 3º). Dentre os
valores superiores que merecem ser destacados, a justiça e a segurança jurídica
não poderiam deixar de ser referidos. Pode parecer surpreendente, mas é
absolutamente verdadeira a constatação do jus-filósfo Luiz Recasen Siches de
que, embora o direito deva encarnar os valores da justiça, da dignidade pessoal
dos indivíduos (dignidade da pessoa humana) e que o direito não estaria
justificado sem que servisse satisfatoriamente a tais finalidades, o Direito
não nasceu na vida humana por virtude do desejo de homenagear a idéia de
Justiça, mas para satisfazer a irrefutável urgência de segurança e de certeza
na vida em sociedade.” (ROCHA, Daniel Machado da.
O Princípio da Segurança Jurídica e a Decadência do Direito de Revisão
do Ato de Concessão de Benefício Previdenciário. Revista da AJUFERGS/03.
Porto Alegre: 2003, p. 158).
BIGOLIN,
Giovani.
Segurança Jurídica – A
estabilização do ato administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p. 72.
“O valor
principal da
segurança nas relações
externas deriva, pois, da existência de uma previsibilidade que imponha a
confiança. Para o desenvolvimento da sociedade humana revela-se necessário que
se possa pré-qualificar as condutas de cada um dos seus participantes,
depositando-se, assim, a confiança em si mesmo, nos demais e no próprio devir
na existência de um prévio ordenamento jurídico. Com efeito, para que o
indivíduo possa tomar suas decisões pessoais diante dos fatos e atos humanos, é
necessário que ele possa prever qual será, no porvir, a qualificação das ações
presentes e com o que poderá contar num futuro.” (Ibidem, p. 74).
ROCHA, Daniel Machado da. O Princípio da
Segurança Jurídica e a Decadência do Direito de Revisão do Ato de Concessão de
Benefício Previdenciário. Revista da AJUFERGS/03. Porto Alegre: 2003, p. 159.
BIGOLIN, Giovani. Segurança Jurídica – A
estabilização do ato administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007,
p. 74.
MENDES, Leonardo Castanho. Normas de
transição em direito previdenciário: o direito do segurado à tutela de sua
expectativa de direito. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista
(Coord.). Curso modular de direito previdenciário. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2007, p. 136.
“As ordens jurídicas positivas variam no tempo; o direito
tem normas antigas, atuais e projetadas ou futuras, De outra parte, as relações
humanas que elas regulam são multitemporais, desenvolvem-se sempre em vários
tempos, seja na sua formação e, especialmente, nos seus futuros efeitos e
apreciações.” (SELBACH, Leonardo Luiz; COLZANI, Valdir Francisco.
Direito intertemporal: Breves notas sobre o
instituto capaz de solucionar as infindáveis legislações conflitantes no tempo.
Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 172. Disponível em:
. Acesso
em: 23 nov. 2009.
ROCHA, Daniel
Machado da.
O Princípio da Segurança
Jurídica e a Decadência do Direito de Revisão do Ato de Concessão de Benefício
Previdenciário. Revista da AJUFERGS/03. Porto Alegre: 2003, p. 159.
DINIZ,
Maria Helena. Lei de introdução do código civil brasileiro interpretada. São
Paulo: Saraiva, 1999,
p. 178.
TREVISAN, Rafael Castegnaro. A aplicação da lei previdenciária no tempo e
retroatividade da lei nova mais favorável ao beneficiário. In: LUGON, Luiz
Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista (Coord.). Curso modular de direito
previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 101.
DINIZ,
Maria Helena. Lei de introdução do código civil brasileiro interpretada. São
Paulo: Saraiva, 1999,
p. 178.
SELBACH, Leonardo Luiz; COLZANI, Valdir Francisco. Direito intertemporal:
Breves notas sobre o instituto capaz de solucionar as infindáveis legislações
conflitantes no tempo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 172. Disponível
em:
Acesso em: 23 nov. 2009.
MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Direito adquirido na Previdência Social.
São Paulo/SP: Ltr, 2000, p. 98.
“No parágrafo 2º, nova regra “escondida”,
padecendo do mesmo viés: Não será concedida pensão
por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade,
nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para
obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior. Em razão do fato de
manter a qualidade quem estiver em gozo de benefício (art. 15, I) e, nessa
situação, o segurado equivaler-se a quem tem direito adquirido, o dispositivo
assegurou o direito à pensão por morte, em redação iniciada com uma negativa
quando poderia ser uma afirmativa, pondo em dúvida se o raciocínio vale para
benefícios ou apenas para a aposentadoria. Na verdade, com vistas ao princípio
do que pode o mais pode o menos (e as aposentadorias são mais do que o
auxílio-doença), quem falece atendendo os requisitos do auxílio-doença, outorga
pensão por morte aos dependentes.” (MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Direito adquirido na Previdência Social.
São Paulo: Ltr, 2000, p. 99).
MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Direito
adquirido na Previdência Social. São Paulo: Ltr, 2000, p. 65.
FRANÇA,
Rubens Limongi.
A irretroatividade das
Leis e o Direito Adquirido. São Paulo: Saraiva, 1998.
PIVA, Fernanda.
LICC
Comentada. Disponível em:
www.tex.pro.br.
Acesso em: 03 dez. 2009.
“[...]
o ente previdenciário não concede benefícios sem que lhe tenha sido feito o
pedido correspondente, por quem de direito. Não há pagamento de benefícios de
ofício. Apenas mediante a iniciativa do beneficiário, por meio de um
requerimento – ato de manifestação de vontade no sentido de exercitar o direito
– e após preenchidos os requisitos anteriormente mencionados, pode ser entregue
a prestação. A única exceção existente nos diplomas que regem a matéria é a
norma do art. 72 §2º, do Decreto 3.048/99, que autoriza o deferimento do
auxílio-doença quando a Previdência toma ciência da internação ou tratamento
ambulatorial devidamente comprovado pelo segurado, mesmo quando este requeira o
benefício além do prazo de 30 dias. De nada adianta peticionar o benefício
antes de implementar as condições para o direito, visando assegurar a aplicação
de regras vigentes, quando, por exemplo, se avizinha alguma alteração
legislativa; sem ter adquirido o direito, não há que se falar me preservação
das condições anteriores.” (CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João
Batista.
Manual de Direito Previdenciário.
10. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008,
p. 446).
CASTRO,
Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista.
Manual de Direito Previdenciário. 10. ed. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2008, p. 446.
“Não se
configura direito adquirido se o beneficiário não atender a algum dos
requisitos supra-elencados. Assim, não se pode falar em direito adquirido à
aposentadoria daquele que está ainda prestes a completar o tempo de
contribuição ou a idade exigidos. A alteração legislativa que venha a ocorrer
anteriormente à aquisição do direito é totalmente aplicável aos segurados e
dependentes do regime, na havendo direito à manutenção das regras vigentes à
época da filiação do RGPS. Como assevera
Feijó
Coimbra: ‘A lei poderá, a qualquer tempo, mudar as condições de aquisição,
criar ou suprimir prestações, respeitando, unicamente, o direito dos que, por
terem satisfeito as condições legais de aquisição, já são titulares do direito
à prestação, porque já haverá, aí, situação jurídica perfeita mente definida’.”
(CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista apud COIMBRA, J. R.
Feijó.
Manual de Direito Previdenciário.
10. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 446).
TREVISAN, Rafael Castegnaro. A aplicação da lei
previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova mais favorável ao
beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista (Coord.).
Curso modular de direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial,
2007, p. 101.
Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942.
Disponível em:
www.planalto.gov.br.
Acesso em: 05 dez. 2009.
Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em: 05 dez.
2009.
“Justifica a coisa julgada a necessidade da segurança nas
relações jurídicas, segurança que decorre da imutabildiade das decisões
judiciais, eis que a possiblidade de rediscuti-las geraria instabilidade
social. Tal segurança gerada pela coisa julgada decorre da própria Constituição
Federal como um dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XXXVI, CF).”
(ALVAREZ, Anselmo Prieto; SILVA, Nelson Finotti.
Manual de Processo Civil e Prática Forense. V.1: Teoria geral,
processo de conhecimento e recursos. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.
222).
ALVAREZ, Anselmo Prieto; SILVA, Nelson Finotti.
Manual de Processo Civil e Prática Forense. V.1: Teoria geral,
processo de conhecimento e recursos. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.
222.
MELLO,
Marcos Bernardes de.
Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
8.
“A
norma jurídica, enquanto não se realizam no mundo os fatos por ela previstos,
constitui tão-somente uma proposição lógica, sem qualquer conseqüência prática
no plano jurídico. Fica-se em plano meramente lógico, apesar da realidade da
norma que consiste em sua presença no mundo físico. Do mesmo modo, enquanto
somente existem fatos, mesmo relevantes, que não tenham sido qualificados por
normas jurídicas, está-se em plano apenas fático, sem repercussão jurídica
alguma. Somente a cópula norma-suporte fáctico produzida pela
incidência constrói o mundo do direito.”
(Ibidem, p. 10).
“Os
fatos irrelevantes para o direito é que, por não serem adjetivados como
jurídicos, não tem acesso ao mundo jurídico, permanecendo no mundo dos fatos,
sem poder gerar qualquer conseqüência jurídica. Isso não quer dizer, porém, que
o mundo jurídico seja um compartimento estanque dentro do mundo em geral. Ao contrário, o
mundo jurídico integra o mundo geral. Os fatos jurídicos coexistem e convivem
com os fatos não juridicizados. O fato jurídico é fato do mundo, apenas
qualificado, especificado (
= tornado espécie) por foca da
incidência, de modo que
está no mundo
geral, mas
com uma adjetivação a mais:
jurídico. Por isso, Pontes de Miranda, que considera a incidência
infalível, a compara a uma prancha de impressora que
colore o fato como jurídico; é como se a norma jurídica nele
gravasse o sinete de
jurídico. Essa
marca (jurídico) constitui o dado que o
distingue dos outros fatos (= não-jurídicos). Reconhecer e identificar no mundo
geral o fato jurídico e distingui-lo dos fatos não-jurídicos constitui operação
que possibilita a boa aplicação do direito.” (Ibidem, p. 9-10).
MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria do fato jurídico: plano da eficácia,
1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 11.
RELAÇÃO:
[...] Dependência, ligação.
Disponível em: Dicionário Priberan (www.priberam.pt).
“Em
verdade, dentre as normas dos diversos processos de adaptação social somente as
normas jurídicas se revestem de obrigatoriedade, que se escuda na
coercibilidade (= possibilidade de coerção para efetivar as normas jurídicas)
de que a comunidade dota o direito, como um todo. Nenhuma outra norma
comportamental possui essa característica. A
obrigatoriedade constitui uma qualidade exclusiva e ínsita à
natureza do direito, por isso é dado que se põe
a priori, dispensando demonstração ou fundamentação que se alicerce
em elementos externos, estranhos à própria juridicidade. (MELLO, Marcos
Bernardes de.
Teoria do fato jurídico:
plano da eficácia, 1ª parte. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 12).
A
atribuição de obrigatoriedade (= caráter jurídico) a uma regra de conduta
humana somente pode resultar de ato de quem detenha, na comunidade jurídica,
poder para tanto, segundo procedimentos específicos já regulados por normas
jurídicas. O direito tem a característica de regular a criação de suas próprias
normas. (MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria
do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 12).
MELLO,
Marcos Bernardes de.
Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
17.
Se a
norma existe com vigência e é válida, ou, sendo inválida, ainda não teve sua
nulidade decretada por quem, dentro do sistema jurídico, tenha poder para
tanto, poderá ser eficaz desde que se concretizem no mundo os fatos que
constituem seu suporte fáctico. Se os fatos previstos pela norma como seu
suporte fáctico não se materializarem, integralmente, no plano das realidades,
a norma jamais será eficaz (= não incidirá); existirá com vigência, porém sem
eficácia. A eficácia da norma jurídica (= incidência) tem como pressuposto essencial
a concreção de todos os elementos descritos como seu suporte fáctico (= suporte
fáctico suficiente). Por aí se vê que enquanto não se realizam no mundo os
fatos por ela previstos, a norma jurídica, mesmo com vigência, constitui mera
proposição referente a hipóteses, não se podendo falar em geração de qualquer
conseqüência jurídica. Está-se no plano lógico da normatividade, não no mundo
do direito, que somente se compõe a partir dos fatos juridicizados. (MELLO,
Marcos Bernardes de.
Teoria do fato jurídico:
plano da eficácia, 1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 18).
MELLO,
Marcos Bernardes de.
Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
34.
“Constituem exemplo dessa espécie: (a) O testamento, que embora exista a partir
de sua formalização e seja válido, somente produz seus efeitos específicos e
finais de transmitir a propriedade e a posse da herança quando ocorre a morte
do testador. A morte constitui elemento que deflagra a eficácia do testamento.
É possível, porém, que jamais venha a produzir sua eficácia: basta que (i) seja
revogado; (ii) antes da morte do testador, morra o único herdeiro testamentário
ou morram todos os herdeiros e legatários, ou, ainda, (iii) o testador, ainda
em vida, aliene os bens testados. [...] (d) O fato jurídico tributário, no qual
sua eficácia final de exigibilidade do crédito fiscal (nascimento da pretensão
da entidade tributante a receber o tributo devido e da correspondente obrigação
do contribuinte ou responsável de pagá-lo) depende da efetivação do lançamento,
com a devida notificação do contribuinte,quando for caso do chamado lançamento
direto. (MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria
do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 35).
MELLO,
Marcos Bernardes de.
Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
35.
Não tão
presente na esfera previdenciária, onde preferimos dizer que há um
poder volitivo mínimo quanto à eficácia
dos seus atos jurídicos.
MELLO,
Marcos Bernardes de.
Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
37.
“O fato
jurídico, após ser criado pela incidência da norma jurídica, passa a constituir
um
ser em si, conceptualmente uma
unidade cuja existência independe de que permaneçam com vigência a norma que
incidiu ou existentes os elementos do suporte fáctico que lhe deram vida.” (MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria do fato jurídico: plano da
eficácia, 1ª parte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39.)
“Na
doutrina, o tema em questão até bem pouco tempo atrás não costumava suscitar
grandes debates, sendo que a maioria dos autores sequer o mencionavam em seus
cursos e manuais. Entre os que enfrentaram a questão, especialmente depois de o
assunto ter-se tornado polêmico na jurisprudência, há um entendimento
praticamente unânime, ou pelo menos amplamente majoritário, no sentido de que
as leis previdenciárias se aplicam ao futuro, não sendo, como regra,
retroativas. Apenas a título de exemplo, põem ser citados os posicionamentos,
nesse sentido, de Wladimir Novaes Martinez (2000, p. 95), Daniel Machado da
Rocha e José Paulo Baltazar Júnior (2004, p. 256) e Marina Vasques Duarte
(2004, p. 202).” (TREVISAN, Rafael Castegnaro.
A aplicação da lei previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova
mais favorável ao beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI,
João Batista (Coord.).
Curso modular de
direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 106).
TREVISAN, Rafael Castegnaro.
A aplicação
da lei previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova mais favorável ao
beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista
(Coord.).
Curso modular de direito
previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 112.
MENDES,
Leonardo Castanho.
Normas de transição em
direito previdenciário: o direito do segurado à tutela de sua expectativa de
direito. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista (Coord.).
Curso modular de direito previdenciário.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 140.
[...]
mesmo que a Constituição Federal de 1988 não desse à Previdência Social esse
status, o manifesto caráter social do direito
ao benefício previdenciário por si só já seria motivo suficiente para o
intérprete das leis previdenciárias, especialmente o Poder Judiciário, ter
especial critério na análise do tema da aplicação da lei previdenciária no
tempo. (TREVISAN, Rafael Castegnaro.
A
aplicação da lei previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova mais
favorável ao beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João
Batista (Coord.).
Curso modular de
direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007,
p. 114).
Súmula
654 do Supremo Tribunal Federal.
Em
havendo
norma expressa que determine a
aplicação retroativa da lei, é descabida, realmente, a invocação, pela
Administração Pública, de ato jurídico perfeito ou direito adquirido, para se
furtar ao seu cumprimento. Neste caso, sem dúvida, não se aplica ao poder
Público o mesmo regime jurídico que se aplicaria a um particular: enquanto a
este é reservado o direito de se inconformar com a lei, invocando garantias
constitucionais que o protejam, tais como a do direito adquirido, à
Administração Pública se aplica o princípio da legalidade. (TREVISAN, Rafael
Castegnaro.
A aplicação da lei
previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova mais favorável ao
beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista
(Coord.).
Curso modular de direito
previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 113).
MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Princípios de
Direito Previdenciário. 2ª Ed. São Paulo/SP: Ltr, 1985, p. 214.
Desde
seu dealbar, a legislação previdenciária assinala-se pela copiosidade. Em todo
o Direito brasileiro, certamente, não ocorre ramo jurídico com maior poder
legiferante. Contando-se a partir de 1923, o número de leis ascende a mais de
seis centenas, e, no mínimo, dobrado o número de decretos, sem se falar entre
dois e três milhares de atos normativos de hierarquia menor.
Nelson Barbosa Corrêa (
in “Ementário LTr”), no período de 1969 a 1980, registra 3.090 textos legais sobre
Direito do Trabalho e Previdência Social.
Victor
Valerius (“Legislação Brasileira da Previdência Social”, págs. 1.011/34)
escrevendo em 1958, reunia 446 leis previdenciárias. Essa sucessão infindável
de normas definindo, redefinindo, ampliando e às vezes reduzindo conquistas
sociais, propicia inúmeros problemas de direito intertemporal (
vg, vigência, revogação expressa ou
tácita, retroação, substituição, etc.) a par da problemática do direito
adquirido e da expectativa de direito.
Sendo o tempo componente básico do direito à maioria das prestações do seguro
social, no trato da interpretação da legislação, os estudiosos têm de firmar
entendimento quanto à aplicação da norma. A administração tem consagrado a
eficácia da norma vigente à época dos fatos geradores do direito e não a do
exercício deste (salvo se esta for mais benéfica e se a lei mais antiga for
omissa). (MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Princípios de Direito Previdenciário. 2ª Ed. São Paulo/SP: Ltr, 1985, p.
214).
MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Princípios de
Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo/SP: Ltr, 1985, p. 214.
TREVISAN, Rafael Castegnaro. A aplicação da lei previdenciária no tempo e
retroatividade da lei nova mais favorável ao beneficiário. In: LUGON, Luiz
Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista (Coord.). Curso modular de direito
previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 106.
O
autor, frente a tal problemática, ensaia uma solução radical ao problema:
“Sendo descabida a combinação de normas, seria o caso, então,
ad argumentandum, de desconsiderar por
completo a legislação em vigor ao tempo do fato jurídico, e aplicar todo o
arcabouço jurídico que acompanha a lei nova, considerada mais favorável ao
beneficiário. É evidente, todavia, que a total desconsideração da legislação
pretérita, para que prevaleça apenas a legislação atual, não se sustenta no
Direito Brasileiro, mesmo que invocados, ao extremo, os mais elevados
princípios inerentes ao Direito Previdenciário e ao Direito Constitucional.
Seria a generalização da retroatividade das leis, que desde os primórdios é
repelida pelo Direito. (TREVISAN, Rafael Castegnaro.
A aplicação da lei previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova
mais favorável ao beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI,
João Batista (Coord.).
Curso modular de
direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 110.
TREVISAN, Rafael Castegnaro.
A aplicação
da lei previdenciária no tempo e retroatividade da lei nova mais favorável ao
beneficiário. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista
(Coord.).
Curso modular de direito
previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 120.
MENDES,
Leonardo Castanho.
Normas de transição em
direito previdenciário: o direito do segurado à tutela de sua expectativa de
direito. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro; LAZZARI, João Batista (Coord.).
Curso modular de direito previdenciário.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 140.
CASTRO,
Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista.
Manual de Direito Previdenciário. 10. ed. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2008, p. 91.
FRANÇA,
R. Limongi.
A irretroatividade das leis e
o direito adquirido. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
FRANÇA,
R. Limongi.
A irretroatividade das leis e
o direito adquirido. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
MARTINEZ, Wladimir Novaes.
Princípios de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: Ltr, 1985,
p. 214.
MENDES, Leonardo Castanho.
Normas de transição em direito previdenciário: o direito do segurado à
tutela de sua expectativa de direito. In: LUGON, Luiz Carlos de Castro;
LAZZARI, João Batista (Coord.).
Curso
modular de direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007,
p. 140.
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Sobre o autor:
Advogado sócio da Accadrolli Advocacia Previdenciária. Proprietário do
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administrativa especializada em questões de benefícios junto ao INSS.
Criador e apresentador do programa “Aposentadoria TV” (veiculado via
web: www.aposentadoriadoinss.com.br). Vice Presidente da Comissão
Especial do Jovem Advogado de Passo Fundo/RS. Palestrante do 1ª Work
Shop sobre aposentadoria especial da Região Norte do Rio Grande do Sul.
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