O Direito Previdenciário funciona como um importante instrumento de valorização e de promoção da pessoa humana, com o objetivo principal de assegurar segurança e bem estar aos que necessitam da sua proteção social, pois, como bem assevera Christiani Marques (2007, p. 21), “se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, deve-se respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por conseqüência, atingir a dignidade da pessoa humana”.
Assim, a saúde
e a segurança do trabalhador é assunto pertinente não só à ordem trabalhista,
como também à esfera previdenciária e da saúde pública, sendo adotadas medidas
em favor de quem trabalha exposto a agentes nocivos, através de pagamento de
adicionais de insalubridade, penosidade e periculosidade, e, ainda, do
benefício da aposentadoria especial, com tempo reduzido de contribuição, para
uma efetiva proteção à saúde e integridade física do trabalhador. Ainda segundo
Marques (2007, p. 25), “a condição de
trabalho reflete o seu ambiente, que pode condicionar a capacidade produtiva da
pessoa humana, com violação ou não da sua integridade, em decorrência dos
fatores que interferem na execução da atividade de labor, tais como agentes
químicos, físicos, biológicos, entre tantos outros”. Portanto, conforme os
ensinamentos de Alice Monteiro de Barros (2005, p. 1006), “quando o empregado é admitido pelo empregador, leva consigo uma série
de bens jurídicos (vida, saúde, capacidade de trabalho, etc.), os quais deverão
ser protegidos por este último, com adoção de medidas de higiene e segurança
para prevenir doenças profissionais e acidentes no trabalho”.
Nesse contexto, passa-se a
analisar um tema palpitante no Direito Previdenciário – a Aposentadoria
Especial – e suas implicações quanto à permanência ou retorno do trabalhador à
atividade que ensejou o benefício, a partir do que dispõe a Constituição
Federal (art. 201), a Lei nº 8.213/91 (arts. 57 e 58) e o Decreto nº 3.048/99
(arts. 64 a
70). O caput do art. 57 define
claramente o instituto: “A aposentadoria
especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao
segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a
saúde ou a integridade física, durante, quinze, vinte ou vinte e cinco anos,
conforme dispuser a lei”.
A
aposentadoria especial consta do rol de benefícios oferecidos pelo regime geral
da previdência social desde a edição da Lei nº 3.807, de 5 de setembro de 1960,
consistindo numa aposentadoria por tempo de contribuição com redução
significativa do número de anos de contribuição. Hoje, após alterações
normativas, é matéria disposta nos referidos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91,
com o acréscimo do § 6º ao art. 57 dado pela Lei nº 9.035/95, que dispõe: "É vedado ao segurado aposentado nos
termos deste artigo continuar no exercício de atividade ou operações que o
sujeitem aos agentes nocivos constantes da relação referida
no art. 58 desta Lei”.
Muito importante foi a Emenda
Constitucional nº 20/1998, última grande alteração da legislação
previdenciária, que, ao contrário do que é apregoado, não extinguiu o direito
ao benefício da aposentadoria especial, porém, no seu art. 15, deu status de
lei complementar aos referidos artigos da Lei Ordinária da Previdência Social, determinando
que ao benefício da aposentadoria especial só têm direito aqueles que comprovem
efetiva exposição aos agentes nocivos, de acordo com as categorias
profissionais.
Dessa forma, o retorno ao
trabalho do aposentado especial somente é possível em outra atividade não
enquadrada como especial, sob pena de ser a aposentadoria especial suspensa, ou
seja, o aposentado especial somente poderá voltar a trabalhar em atividade
considerada comum. Medida esta que, mesmo combatida por muitos, é justa e
coerente, em face das razões que se passa a expor. Como bem defende Sérgio
Pinto Martins (2009, p. 360), “a medida é
acertada, pois, se o segurado foi aposentado por trabalhar em condições
especiais que lhe prejudicavam a saúde, não se justifica se aposentar e
continuar a exercer a mesma atividade prejudicial à saúde”.
Certamente,
ao criar o instituto da Aposentadoria Especial, o legislador baseou-se no
raciocínio de que é de quinze, vinte ou vinte e cinco anos de trabalho, em
determinadas atividades, o tempo organicamente suportável para o respectivo
exercício, e que o prosseguimento nessas atividades após tais períodos é
absolutamente desaconselhável, porque representa o encaminhamento a uma
incapacidade laboral total, ou mesmo ao perecimento.
A essência desse benefício
previdenciário é a preservação da saúde do trabalhador, fazendo com que ele
trabalhe menos do que os demais profissionais, aposentando-se com 15, 20 ou 25
anos de serviço/contribuição, sendo recompensado com um cálculo melhor em sua
aposentadoria, isto é, sem a incidência do temido fator previdenciário, que
"achata" o valor do benefício. Ou seja, quem tem direito à
aposentadoria especial terá no cálculo da Renda Mensal Inicial de seu benefício
100% do salário-de-benefício, correspondente à média aritmética simples das
maiores contribuições vertidas para a Previdência a partir de julho de 1994 e
sem a incidência do famigerado fator previdenciário.
Tiago Faggioni Bachur e Maria
Lucia Aiello definem muito bem o tal benefício: "A aposentadoria
especial é uma espécie de aposentadoria com o tempo reduzido em razão das
condições especiais de trabalho que prejudiquem a saúde ou a integridade física
(ou seja, insalubres, perigosas ou penosas). Existe este benefício enquanto
presentes tais condições. A aposentadoria especial é uma prestação paga
mensalmente ao segurado. Uma vez cumprida a carência exigida, é destinada aos
segurados que trabalham em atividades consideradas perigosas e/ou prejudiciais
à saúde. Dependendo da atividade, pode ser concedida aos 15 (quinze), 20
(vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de trabalho."
Embora a Autarquia
Previdenciária costuma interpretar erroneamente que inexiste a aposentadoria
especial para determinadas atividades, por não constarem expressamente nos
quadros anexos I e II dos Decretos nº 63.230/68 e 83.080/79, quando o profissional
demonstra, através de documentação própria, a exposição permanente a algum
agente físico, químico ou biológico, ou a associação destes, há que ser
reconhecida a sua especialidade. Lembrando
que, até a Lei nº 9.035/95, para a concessão da aposentadoria especial aos
profissionais autônomos e empresários, bastava a comprovação do exercício da
atividade e, obviamente, da condição de segurado através dos comprovantes de
recolhimento das contribuições e, para os empregados, os registros em carteira
profissional. A partir de então, passou a ser necessária a comprovação da
efetiva exposição, de forma habitual e permanente, não ocasional nem
intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova
(inclusive, através de formulário-padrão da própria previdência social), por
laudo pericial ou prova testemunhal.
A lei proíbe, expressamente,
que o empregado aposentado pela especial continue na atividade que lhe ensejou
a aposentadoria, ou outra também sujeita a agentes nocivos, mas não faz
referência ao retorno à atividade prejudicial daquele que deixou a empresa e
foi readmitido ou admitido em
outra. O que, por óbvio, se ele não pode continuar, muito
menos poderá voltar ao trabalho nocivo, na mesma empresa ou em qualquer outra
empresa. Por isso, o Regulamento da Previdência, aprovado pelo Decreto nº
3.048/99, declara no parágrafo único do art. 69: "Aplica-se o disposto no art. 48 ao segurado que retornar ao
exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos
constantes do Anexo IV, ou nele permanecer". O art. 48 diz que: "O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à
atividade terá sua aposentadoria automaticamente cessada, a partir da data do
retorno".
Melhor explicando: assim como
o aposentado por invalidez, que se encontra percebendo proventos da Previdência
Social porque foi considerado incapaz de exercer qualquer atividade que lhe
garanta a subsistência, deixa de percebê-los se retornar ao trabalho, da mesma
maneira o aposentado pela especial, que obteve o benefício em razão do
exercício de atividade nociva, deixa de receber os proventos se voltar a
exercer qualquer atividade igualmente prejudicial. Perfigura-se aí uma infração
que, ao ser constatada pela Autarquia, o que tiver recebido como proventos deverá
ser devolvido, pois a Lei nº 9.732/98 estatuiu: "Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos
termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o
sujeite aos agentes nocivos...etc."(§ 8º, do art. 57. da Lei n. 8.213/91).
Sendo que o referido art. 46 impõe: "O
aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua
aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno".
Conclui-se, assim, que as empresas
que possuem empregados que se aposentam pela especial, nem sempre podem manter
o empregado trabalhando, após a concessão do beneficio pelo INSS, só podendo
mantê-lo se for em outra função, não insalubre nem prejudicial à sua saúde e
integridade física. Por isso, o INSS está realizando uma varredura em seus
arquivos para cancelar a aposentadoria/benefício de quem está trabalhando
indevidamente. Dessa forma, se não houver como aproveitar o serviçal em outra
atividade, por falta de vaga ou por falta de habilitação para o desempenho de
outra função, o empregador terá que dispensá-lo. E tal dispensa não se enquadra
entre as hipóteses de justa causa, sendo considerada sem justa causa, cabendo
ao empresário os ônus indenizatórios.
Mesmo que tal
medida seja considerada destoante do princípio da razoabilidade e do princípio
da solidariedade, não poderia ser de outro modo, resultando em que o aposentado
pela especial que continuar no exercício de atividade que o sujeite a agentes
nocivos terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da própria
data do início do benefício. Assim, o próprio empregado que se aposentar pela
especial, deve recusar-se a continuar na atividade prejudicial e pedir ao seu
empregador o remanejo para outra função não sujeita a condições nocivas, ou que
rescinda o seu contrato de trabalho e lhe pague as parcelas rescisórias por
despedida sem justa causa, não significando isto uma insubordinação, como
querem muitos empregadores alegar. Caso não haja tal remanejo ou despedida, o
INSS pode suspender o benefício, cobrar a devolução dos valores pagos, penhorar
os bens do segurado e ainda processá-lo criminalmente por crime contra o erário
público, podendo também a empresa ser responsabilizada em conformidade com o
elencado no art. 337-A do Código Penal Brasileiro (Sonegação de contribuição
Previdenciária incluídos pela lei 9983 de 2000).
Entende-se que, atualmente, os trabalhadores estão se aposentando mas
não querem sair do trabalho, porque o valor da aposentadoria é baixo devido ao
fator previdenciário, mas a atual legislação
previdenciária impõe o afastamento do trabalhador das atividades em condições
prejudiciais à saúde para o recebimento do benefício da aposentadoria especial,
diferentemente da aposentadoria por tempo de contribuição comum, na qual o
retorno ao trabalho pode se dar em qualquer atividade, comum ou especial. Isso
porque a aposentadoria especial é incompatível apenas com a continuidade do
trabalho em condições prejudiciais à saúde e não com todo e qualquer trabalho.
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MARQUES, Christiani. A proteção
ao trabalho penoso. São Paulo: LTr, 2007
BARROS, Alice Monteiro de. Curso
de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da
seguridade social. São Paulo: Atlas, 2009
BACHUR, Tiago Faggioni/AIELLO,
Maria Lucia - "Teoria e Prática do Direito Previdenciário" - 2ª
edição: revista, atualizada e ampliada. Ed. Lemos e Cruz. Pág. 430).
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Sobre o autor:
Glaé Schaeffer
Bacharel em Letras e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo/RS. Pós-Graduada em Direito Previdenciário pela Universidade de Passo Fundo/RS, parte integrante da equipe Accadrolli Advocacia Previdenciária. Colaboradora do blog "aposentadoriadoinss.blogspot.com.br".