O trabalho é
protegido pela ordem econômica (art. 170, da CF) e pela ordem social (art. 193,
da CF). Em razão disso, imprescindível proteger o cidadão privado de ter
garantido o seu sustento em razão do surgimento de qualquer tipo de
incapacidade. A incapacidade deve ser vislumbrada a partir de sua relação com o
trabalho, ou ainda, como também entendemos, pela abrangência ou gravidade da
doença a ocasionar ao cidadão limitações em sua vida diária. Como bem lembra
Ribeiro[1],
a capacidade laborativa é uma questão de equilíbrio entre as exigências de uma
dada ocupação e a condição de realizá-las, sendo crucial a análise do
diagnóstico da doença (CID 10), tipo de atividade ou profissão desempenhada
pelo segurado, os dispositivos legais pertinentes, além da viabilidade de
futura reabilitação profissional. Importante esclarecer, ainda, a existência da
“incapacidade social” formada pela jurisprudência pátria, no sentido
entender que o grau de incapacidade deve ser analisado de acordo com a situação
sócio-econômica e cultural do segurado, considerando o ambiente em que vive,
sua idade, o tipo de limitação, sua capacitação profissional, além de seu grau
de instrução.
Pertinente esclarecer que os
benefícios por incapacidade devem seguir os ditames do princípio constitucional
da universalidade da cobertura e do atendimento, nos termos do art. 194, I, da
Carta Magna, e quanto ao mérito, pressupõem a existência de incapacidade para o
trabalho ou atividade cotidiana, pois a Lei de Benefícios não estabelece
distinções entre segurados empregados e contribuintes individuais.
De outra banda, o art. 18, da Lei
8.213/91 estabelece os tipos de prestações, quais sejam os benefícios de
aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente.
Nesse viés, inicialmente, há o
auxílio-doença então determinado no artigo 59, da Lei 8.213/91:
“Art.
59. Auxílio-doença será devido ao segurado que havendo cumprido, quando for o
caso, o período de carência exigida nesta lei, ficar incapacitado para o seu
trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos”.
Percebe-se que o texto da
referida lei determina o direito ao benefício por aquele segurado incapacitado,
temporariamente, para o trabalho ou para sua atividade habitual. Os primeiros
15 dias de doença do empregado são remunerados pelo empregador, ao passo que
daí em diante o pagamento se dá pela Previdência Social (art. 60, da Lei
8.213/91), tendo em vista o obreiro ser considerado licenciado do trabalho (art.
63, da Lei 8.213/91). Percebe-se com isso, lembra Vianna[2],
que o legislador previdenciário, considerando a capacidade contributiva dos
empregadores, divide com a empresa a responsabilidade do pagamento dos dias de
afastamento, arcando a autarquia federal sozinha apenas com os benefícios dos
domésticos, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais (autônomos e
empresários) e contribuintes facultativos. Importa referir que os segurados com
direito ao recebimento dos benefícios por incapacidade estão elencados no art.
11, da Lei 8.213/91. Desta forma, existem os segurados obrigatórios, em função
do exercício da atividade remunerada realizada, seja por contrato de trabalho
regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, seja pela prestação de
serviços a terceiros de forma individual ou sob a forma societária, e ainda,
para os trabalhadores avulsos e o segurado especial, não se excluindo do
direito ao benefício o segurado facultativo, previsto pelo art. 13, da Lei
8.213/91.
Cabe lembrar
que há, também, o Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho, concedido na
hipótese de o segurado, empregado ou especial, sofrer acidente do trabalho ou
passar a ter doenças ocupacionais em razão do labor, conforme artigos 19, et.seq.,, da Lei 8.213/91. As diferenças
em relação ao benefício por incapacidade comum estão no fato que de o
auxílio-doença por acidente de trabalho dar direito ao segurado empregado
estabilidade de 1 ano, ou mais, após o retorno às funções habituais na empresa,
de acordo com convenção ou acordo coletivo. Além disso, o benefício acidentário
condiciona ao empregador continuar recolhendo FGTS durante a fruição do
benefício, conforme art. 15, parágrafo 5.º, Lei 8.036/90. Ademais, poderá o
segurado comprovar o nexo causal e fazer prova perante a Justiça do Trabalho
quanto à responsabilidade civil do empregador pelo acidente sofrido. Aliado a
isso, o benefício acidentário pode gerar ao segurado que o usufruiu, direito a
um novo benefício, qual seja o auxílio-acidente, uma espécie de indenização
para o segurado que teve seqüelas do acidente sofrido que o impossibilite e
retornar a mesma profissão, contudo o permitindo realizar função diversa, de
acordo com art. 86, da Lei 8.213/91, c/c Anexo III do Decreto 3048/99.
No caso de
afastamento superior a 6 meses, para os dois tipos de benefício, em se tratando
de segurado empregado, assevera Carrion[3], a
empresa empregadora não deve o 13 º salário proporcional ao período
correspondente, mas a Previdência concede o abono anual.
Por fim, no que concerne às prestações previdenciárias em função da
incapacidade laborativa, temos a aposentadoria por invalidez, que pressupõe a
existência de incapacidade permanente e oniprofissional. Nesse sentido
estabelece o art. 42, da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez,
uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao
segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício
de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á para enquanto
permanecer nesta condição.
Desta forma, o segurado que for
considerado permanentemente incapaz para realizar atividade profissional
habitual, e não tiver condições de ser reabilitado em profissão diversa a
garantir-lhe o sustento, ou ainda, em sendo segurado facultativo, for acometido
de incapacidade acentuada a limitar suas atividades cotidianas, deverá ter
concedida sua aposentadoria por invalidez. No caso do empregado, concedido o
benefício, o contrato de trabalho estará automaticamente suspenso, de acordo
com art. 475, da CLT, não existindo qualquer obrigação legal por parte do
empregador. Todavia, existem alguns efeitos desta suspensão, como a
persistência da relação empregatícia, o direito ao retorno em caso de
encerramento ou solicitação por parte do segurado e a impossibilidade de
extinção contratual por ato unilateral[4].
A polêmica se inicia com o
procedimento administrativo adotado pelas agências de previdência social de
todos país, para a análise da existência da incapacidade ao trabalho dos
segurados e a forma com que os benefícios são mantidos.
O procedimento é iniciado
a partir do momento em que o segurado entra com o chamado Requerimento de
Benefício por Incapacidade, que ao ser protocolado na agência mais próxima ao
local em que reside, de imediato é agendada data para a realização da perícia
médica para a confirmação da existência da incapacidade ao trabalho. Importante
frisar, que em algumas agências da previdência social no interior do país,
chega-se a marcar perícia para mais de 30 dias do protocolo, ao contrário das
grandes metrópoles, em que o agendamento de uma perícia pode levar vários
meses.
Após a avaliação
médico-pericial, é dado ao segurado uma Comunicação de Resultado de Decisão de
perícia em que será, previamente, lhe dado prazo para encerramento de seu
benefício, pela conhecida “alta-programada”, preceituada no Decreto n. 5.844 de 2006,
procedimento extremamente precário e injusto.
Após a data de encerramento do benefício
determinada pelo médico perito, persistindo a incapacidade laboral do segurado,
é ônus deste, caso constate que ainda está incapaz, protocolar Pedido de
Prorrogação de benefício (P.P.) até 15 (quinze) dias antes da data da cessação
do benefício. Tal pedido nada mais é do que meio a realizar nova perícia a
cargo do segurado. Realizada a nova perícia, e esta conclui pela inexistência
da incapacidade laboral, pode o segurado protocolar o Pedido de Reconsideração
(P.R.) de perícia no prazo de 30(trinta) dias contados do dia seguinte data da
ciência da conclusão contrária, nos casos de perícia inicial, ou do dia
seguinte a data de cessação do benefício, ressalvada a existência de pedido de
prorrogação não atendido ou negado, hipótese em que o prazo será contado da
ciência da decisão pericial desfavorável.
Oportuno
referir que, antes, o segurado que tivesse seu pedido de prorrogação negado, ao
marcar o pedido de reconsideração tinha encerrado seus pagamentos até a
realização de nova perícia. Tal medida além de injusta atentava ao devido processo legal, (art. 5 º, LIV e LV, da CF/88), que também
deve se respeitado no processo administrativo. Ou seja, como encerrar os
pagamentos antes de findo o processo administrativo? Em razão disso, foi
proposta a Ação Civil Pública n º 2005.33.00.020219-8. A sentença foi no sentido
de determinar ao INSS que, no procedimento de concessão do benefício de
auxílio-doença, inclusive aqueles decorrentes de acidente do trabalho, uma vez
apresentado pelo segurado pedido de prorrogação, mantenha o pagamento do
benefício até o julgamento do pedido após a realização de novo exame pericial.
Acatando a decisão judicial e para dar
cumprimento a ela, o INSS emitiu e publicou no Diário Oficial da União, de
20/07/2010, a Resolução INSS/PRES 97, de 19 de julho de 2010, definindo assim
os procedimentos para manutenção e pagamento do benefício de auxílio-doença
enquanto não for realizado novo exame médico pericial.
Sendo assim, mesmo mantendo o
procedimento da "alta programada" para cessar o auxílio-doença, caso
o segurado solicite sua prorrogação e o INSS não consiga agendar a perícia para
antes da data de cessação prevista, será mantido o pagamento do benefício até a
efetivação da perícia.
Todavia, ainda permanece uma omissão
grave nesta questão. Os pagamentos são mantidos a partir do protocolo do pedido
de prorrogação do benefício, não acontecendo o mesmo com os pedidos de
reconsideração. Ou seja, caso o segurado tenha seu pedido de prorrogação
negado, irá receber até o dia da perícia que encerrou o benefício, mas, mesmo
tendo direito a fazer o pedido de reconsideração, não receberá mais pagamentos.
Como referido, não é admissível encerrar os pagamentos antes do término do
processo administrativo, o que é uma lástima. De toda sorte, a manutenção dos
pagamentos na espera da realização de perícia para os pedidos de prorrogação
foi uma grande conquista.
Outra questão polêmica é o largo tempo de
espera para a realização de perícia para os que pela primeira vez agendam o
benefício. Para estes não há pagamentos enquanto esperam pela realização de
perícias. Assim, um trabalhador se vê privado de seu salário por um ou vários
meses a depender de cada agência de previdência no país.
Em razão disso, no dia 31/10/2011, a
Justiça Federal do Rio Grande do Sul e o Instituto Nacional do Seguro Social
fecharam um acordo para reduzir o tempo de espera no agendamento de perícias
para a concessão inicial de benefícios. A decisão foi acertada no Centro
Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon) de Porto Alegre e
deve produzir efeitos em
todo o Estado.
A Defensoria
Pública da União (DPU) ajuizou a ação civil pública em junho deste ano após
constatar que, em muitos municípios gaúchos, o prazo para agendamento de
perícias era muito superior a 30 dias. Conforme documentos do processo, os
casos mais críticos eram Porto Alegre, Novo Hamburgo e Canoas, onde o período
entre a requisição e a realização do procedimento chegava a seis meses. Com o
pré-acordo firmado hoje, o processo judicial fica suspenso até o final de
fevereiro de 2012.
Desde junho, o Cejuscon da JF de Porto
Alegre realizou três audiências de conciliação conduzidas pelo juiz federal
Jurandi Borges Pinheiro. Na mais recente delas, ocorrida nesta segunda-feira, o
INSS se comprometeu a adotar uma série de medidas para melhorar a situação.
Ficou definida a implantação de um projeto-piloto no estado do novo modelo de
perícia médica que está sendo desenvolvido pela autarquia. Com a nova
sistemática, os pedidos de afastamento por motivo de doença de até 60 dias são
dispensados da perícia médica, sendo concedidos automaticamente.
Além disso,
entre as medidas definidas no pré-acordo, destacam-se a utilização de no
mínimo 70% dos peritos médicos na realização de exames periciais e a realização
de concurso público para contratação de mais profissionais nos primeiros meses
de 2012, já autorizado pelo Ministério do Planejamento. A defensora pública
federal Fernanda Hahn
e os procuradores federais Sérgio Roberto Hall Brum de Barros e Milton Drumond
Carvalho também participaram da reunião.
A autarquia
também se dispôs a reduzir o tempo médio de espera para atendimento de perícia
inicial nas gerências onde esse prazo é maior. A intenção é chegar a 55 dias na
primeira quinzena de dezembro e 45 dias no final de fevereiro, com a apresentação
de relatório atualizado para acompanhamento das metas em 15/12/2011 e
29/2/2012.
O fato é que muitas mudanças precisam
ser feitas. Acredito que o aumento do número de médicos peritos, especialistas
para cada área médica e medida imprescindível. Além disso, a manutenção dos
pagamentos mesmo com pendência de pedido de reconsideração é obrigatória em
respeito ao devido processo legal
administrativo. Outro ponto importante é a vinculação obrigatória dos
médicos assistentes para todo o tipo de esclarecimento e até o comparecimento
para a realização de juntas médicas.
Enfim, muitas
mudanças precisam ser realizadas com urgência. O judiciário, mais uma vez, está
a exercer papel importante no respeito à dignidade humana, em vista da total
omissão do legislador. Esperamos que ocorram mais mudanças.
[1] RIBEIRO,
Juliana de Oliveira
Xavier. Auxílio-Doença Acidentário. Curitiba: Juruá, 2008, p. 63.
[2]
VIANNA, Cláudia Salles Vilela. A Relação de Emprego e os Impactos Decorrentes
dos Benefícios Previdenciários. 2 ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 29.
[3] CARRION,
Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35 ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 400.
[4] Discute-se na doutrina e jurisprudência se a
suspensão contratual deve prevalecer indeterminadamente ou se é possível a
resilição contratual após cinco anos de vigência da aposentadoria por
invalidez. A discussão pauta-se no conflito existente entre o art. 475, da CLT
e a Súmula n º 217, do STF. A referida súmula confere caráter definitivo ao
benefício caso o mesmo perdurar por mais de 5 anos. Ou seja, por esse
entendimento após os 5 anos da vigência do benefício poderia ocorrer a rescisão
contratual. Todavia, na esteira dos ensinamentos de Carrion, “inexiste no
direito positivo atual a aposentadoria definitiva por invalidez; a qualquer
tempo, mesmo após 5 anos (prazo do direito anterior), pode ser cancelada, caso
readquirida a capacidade laborativa” (In: CARRION, op, cit., p. 398). Desta
forma, caracteriza-se a suspensão do contrato, mesmo após o 5 anos da aposentadoria,
não existindo a possibilidade de rescisão unilateral do contrato de trabalho do
obreiro aposentado por invalidez. No mesmo sentido, entende a jurisprudência: EMENTA: APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO
DE TRABALHO. PLANO DE SAÚDE. A aposentadoria por invalidez acarreta a suspensão
do contrato de trabalho, conforme art. 475 da CLT, o que importa em sustação
temporária dos seus principais efeitos em relação às partes (prestação de
serviços e pagamento de salários), restando preservado, porém, o vínculo de
emprego e remanescendo o dever de cumprimento daquelas obrigações não
vinculadas diretamente à prestação de serviços, tal como a manutenção do plano
de saúde, observadas as mesmas regras e critérios vigentes antes da supressão,
inclusive quanto a quota de participação da empregada”. (TRT 4ª. Região –
Processo n º 0000214-45.2010.5.04.0861 – Relator: Des. Alexandre Correia da
Cruz – Data: 10.03.2011).
Autor:
Sócio da Accadrolli Advocacia Previdenciária. Possui graduação em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões - URI Campus de Erechim (2002). Pós-graduação em
Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da IMED/RS (2007).
Pós-Graduação em Direito Previdenciário pela Universidade de Passo Fundo
- UPF/RS (2010). Cursou a disciplina de Jurisdição Constitucional do
Mestrado em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, como aluno
especial (2009). Advogado.
Mais sobre o autor.
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