Sumário: I. Considerações Iniciais. II. Os
Benefícios por Incapacidade. III. Da
Polêmica Acerca Sistemática de Cálculo da Aposentadoria por Invalidez. IV.
Considerações Finais. V. Referências.
RESUMO – O presente artigo buscará mostrar
a total incongruência na aplicação do art. 36, § 7 º do Dec. 3.048/99 no cálculo
dos benefícios de aposentadoria por invalidez do Regime geral de Previdência Social.
Isto, porque o referido decreto inova na ordem jurídica acarretando a
desestabilização no ordenamento jurídico, posto que contrário ao art. 29, §5 º
da Lei 8.213/91 a disciplinar a mesma matéria. Além disso, o INSS seguindo o
entendimento do decreto regulamentar adota uma sistemática de cálculo desproporcional
que pune àqueles acometidos de doenças incapacitantes que não podem retornar ao
trabalho. Com efeito, para aplicar o art. 29, §5 º da Lei de Benefícios, o INSS
pressupõe que o segurado intercale auxílio-doença e o retorno à atividade, em
interpretação por analogia ao art. 55, II, da mesma lei.
PALAVRAS-CHAVE – Aposentadoria por Invalidez – Salário-de-Benefício – Segurança Jurídica –
Isonomia.
A
sistemática de cálculo adotada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
na concessão da aposentadoria por invalidez é eivada de vícios. Resta evidente
na própria evolução legislativa acerca da matéria de que, ao contrário do que
defende a autarquia federal, a Lei de Benefícios previu duas situações
distintas para o cálculo da renda mensal inicial (RMI) daquele benefício. Desta
forma, o art. 29, caput, da
Lei 8.213/91 estabeleceu a formação do período base de cálculo até a DER em
caso de concessão imediata do benefício por incapacidade, ao passo que o §5 º,
da mesma lei é aplicado nas hipóteses de fruição de auxílio-doença e posterior
concessão da aposentadoria por invalidez. Para não aplicar este entendimento, o
INSS se socorre do art. 36, §7 º do Dec. 3.048/99, em total contradição a lei
ordinária disciplinadora da mesma matéria. De efeito, há uma enorme
desproporcionalidade na adoção deste entendimento. Isto, porque o INSS somente
admite a aplicação do art. 29, §5 º, da lei referida, caso o segurado tenha
intercalado atividade ou recolhimentos antes de ter concedida a sua aposentadoria,
nos termos do art. 55, II, da Lei 8.213/91 c/c art. 60, III, do Dec. 3.048/99.
Todavia, para os casos em que o segurado tenha recebido auxílio-doença por
acidente de trabalho, de acordo com o art. 60, IX do mesmo decreto, não há
exigência de intercalar atividades ou recolhimentos. Assim, há uma total
discordância e harmonia na interpretação defendida pela autarquia federal a
acarretar insegurança jurídica e afronta ao princípio da isonomia.
A matéria, é bom lembrar, foi objeto de Recurso
Extraordinário nº 583834 perante o Supremo Tribunal Federal – STF, com o
reconhecimento de Repercussão Geral, cujo relator foi o Ministro Ayres Britto. Por unanimidade dos votos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 21 de setembro de
2011, que o afastamento contínuo do trabalho sem contribuição não pode ser
considerado para calcular aposentadoria por invalidez precedida de
auxílio-doença.
Como
se irá demonstar, tal decisão resta equivocada, tendo em vista a
particularidade do caso concreto, devendo ter uma hermenêutica singular na
interpretação da norma jurídica a ser aplicada.
2. Os Benefícios por Incapacidade
O trabalho é protegido pela ordem
econômica (art. 170, da CF) e pela ordem social (art. 193, da CF). Em razão
disso, imprescindível proteger o cidadão privado de ter garantido o seu
sustento em razão do surgimento de qualquer tipo de incapacidade. A
incapacidade deve ser vislumbrada a partir de sua relação com o trabalho, ou
ainda, como também entendemos, pela abrangência ou gravidade da doença a
ocasionar ao cidadão limitações em sua vida diária. Como bem lembra Ribeiro<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->,
a capacidade laborativa é uma questão de equilíbrio entre as exigências de uma
dada ocupação e a condição de realizá-las, sendo crucial a análise do
diagnóstico da doença (CID 10), tipo de atividade ou profissão desempenhada
pelo segurado, os dispositivos legais pertinentes, além da viabilidade de
futura reabilitação profissional. Importante esclarecer, ainda, a existência da
“incapacidade social” formada pela jurisprudência pátria, no sentido
entender que o grau de incapacidade deve ser analisado de acordo com a situação
sócio-econômica e cultural do segurado, considerando o ambiente em que vive,
sua idade, o tipo de limitação, sua capacitação profissional, além de seu grau
de instrução.
Pertinente
esclarecer que os benefícios por incapacidade devem seguir os ditames do
princípio constitucional da universalidade da cobertura e do atendimento, nos
termos do art. 194, I, da Carta Magna, e quanto ao mérito, pressupõem a
existência de incapacidade para o trabalho ou atividade cotidiana, pois a Lei
de Benefícios não estabelece distinções entre segurados empregados e contribuintes
individuais.
De outra
banda, o art. 18, da Lei 8.213/91 estabelece os tipos de prestações, quais
sejam os benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e
auxílio-acidente. Será, abordado, de
forma sintética os dois primeiros benefícios, tendo em vista o presente artigo
versar sobre a polêmica que cerca o cálculo do benefício de aposentadoria por
invalidez e, por conseguinte, deve-se ter uma noção deste tipo de benefício,
assim como, o que o precede.
Nessa
senda, inicialmente, há o auxílio-doença então determinado no artigo 59,
da Lei 8.213/91:
“Art.
59. Auxílio-doença será devido ao segurado que havendo cumprido, quando for o
caso, o período de carência exigida nesta lei, ficar incapacitado para o seu
trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos”.
Percebe-se
que o texto da referida lei determina o direito ao benefício por aquele
segurado incapacitado, temporariamente, para o trabalho ou para sua atividade
habitual. Os primeiros 15 dias de doença do empregado são remunerados pelo
empregador, ao passo que daí em diante o pagamento se dá pela Previdência Social
(art. 60, da Lei 8.213/91), tendo em vista o obreiro ser considerado licenciado
do trabalho (art. 63, da Lei 8.213/91). Percebe-se com isso, lembra Vianna<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->,
que o legislador previdenciário, considerando a capacidade contributiva dos
empregadores, divide com a empresa a responsabilidade do pagamento dos dias de
afastamento, arcando a autarquia federal sozinha apenas com os benefícios dos
domésticos, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais (autônomos e
empresários) e contribuintes facultativos. Importa referir que os segurados com
direito ao recebimento dos benefícios por incapacidade estão elencados no art.
11, da Lei 8.213/91. Desta forma, existem os segurados obrigatórios, em função
do exercício da atividade remunerada realizada, seja por contrato de trabalho
regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, seja pela prestação de
serviços a terceiros de forma individual ou sob a forma societária, e ainda,
para os trabalhadores avulsos e o segurado especial, não se excluindo do
direito ao benefício o segurado facultativo, previsto pelo art. 13, da Lei 8.213/91.
Cabe lembrar que há, também, o Auxílio-Doença por Acidente de
Trabalho, concedido na hipótese de o segurado, empregado ou especial, sofrer
acidente do trabalho ou passar a ter doenças ocupacionais em razão do labor,
conforme artigos 19, et.seq.,, da Lei
8.213/91. As diferenças em relação ao benefício por incapacidade comum estão no
fato que de o auxílio-doença por acidente de trabalho dar direito ao segurado
empregado estabilidade de 1 ano, ou mais, após o retorno às funções habituais
na empresa, de acordo com convenção ou acordo coletivo. Além disso, o benefício
acidentário condiciona ao empregador continuar recolhendo FGTS durante a
fruição do benefício, conforme art. 15, parágrafo 5.º, Lei 8.036/90. Ademais, poderá
o segurado comprovar o nexo causal e fazer prova perante a Justiça do Trabalho
quanto à responsabilidade civil do empregador pelo acidente sofrido. Aliado a
isso, o benefício acidentário pode gerar ao segurado que o usufruiu, direito a
um novo benefício, qual seja o auxílio-acidente, uma espécie de indenização
para o segurado que teve seqüelas do acidente sofrido que o impossibilite e
retornar a mesma profissão, contudo o permitindo realizar função diversa, de
acordo com art. 86, da Lei 8.213/91, c/c Anexo III do Decreto 3048/99.
No caso de afastamento superior a 6 meses, para os dois tipos
de benefício, em se tratando de segurado empregado, assevera Carrion<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]-->, a
empresa empregadora não deve o 13 º salário proporcional ao período
correspondente, mas a Previdência concede o abono anual.
Por fim, no que concerne às prestações previdenciárias em função
da incapacidade laborativa, temos a aposentadoria por invalidez, que pressupõe
a existência de incapacidade permanente e oniprofissional. Nesse sentido
estabelece o art. 42, da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 42. A aposentadoria
por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será
devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de
reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência,
e ser-lhe-á para enquanto permanecer nesta condição.
Desta
forma, o segurado que for considerado permanentemente incapaz para realizar
atividade profissional habitual, e não tiver condições de ser reabilitado em
profissão diversa a garantir-lhe o sustento, ou ainda, em sendo segurado
facultativo, for acometido de incapacidade acentuada a limitar suas atividades
cotidianas, deverá ter concedida sua aposentadoria por invalidez. No caso do
empregado, concedido o benefício, o contrato de trabalho estará automaticamente
suspenso, de acordo com art. 475, da CLT, não existindo qualquer obrigação
legal por parte do empregador. Todavia, existem alguns efeitos desta suspensão,
como a persistência da relação empregatícia, o direito ao retorno em caso de encerramento
ou solicitação por parte do segurado e a impossibilidade de extinção contratual
por ato unilateral<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]-->.
3. Da
Polêmica Acerca da Sistemática de Cálculo da Aposentadoria por Invalidez
Para entendermos a polêmica travada acerca da aplicação ou
não do art. 29, § 5º, da Lei 8.213/91 no cálculo da aposentadoria por invalidez,
pertinente a análise da evolução do dispositivo desde sua redação a partir de 24/07/1991.
Imperioso referir, antes, a definição do que seja
salário-de-contribuição, salário-de-benefício e período base de cálculo (PBC). Assim
sendo, o salário-de-contribuição, nos termos do art. 28, Lei 8.212/91 consiste
na base de cálculo das contribuições previdenciárias. O conceito parte do
referencial trabalhista de remuneração, que pode ser definida como todo e
qualquer ganho decorrente do trabalho. O valor pode ser diferente para cada
tipo de segurado.
O período base de cálculo (PBC) é composto por todos os
salários-de-contribuição existentes para a realização do cálculo do
salário-de-benefício do segurado, sendo este a base de cálculo dos benefícios
previdenciários. A renda mensal inicial (RMI), resulta da aplicação do
coeficiente de cálculo, próprio de cada benefício. No caso do auxílio-doença
previdenciário, a partir da Lei 9.032/95, o coeficiente é de 91%, ao passo que
o da aposentadoria por invalidez é de 100%.
Esclarecida tais questões, passemos a evolução
legislativa acerca da sistemática de cálculo da aposentadoria por invalidez.
O art. 29, parágrafo 5º, da Lei 8.213/91, antes da
alteração da Lei 9.876/99 assim estabelecia:
Art.29. O salário-de-benefício consiste na média
aritmética simples de todos os salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do
afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o
máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48(quarenta e
oito) meses.
§ 5º Se, no período base de cálculo, o segurado tiver
recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se
como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de
base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos
benefícios em geral, não podendo ser inferior a 1(um) salário-mínimo. (grifei)
Os Decretos 611/92 e 2192/97, posteriormente ao Dec. 83.080/79,
assim disciplinaram, respectivamente, a matéria:
Dec. 611/92
Art. 30 - O salário-de-benefício consiste na
média aritmética simples de todos os últimos
salários-de-contribuição relativos aos meses imediatamente anteriores ao do
afastamento da atividade ou da data de entrada do requerimento, até o máximo de
36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito)
meses.
§ 7º - Se, no período
básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefício por incapacidade,
considerar-se-á como salário-de-contribuição, no período, o
salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal,
reajustado nas mesmas épocas e nas mesmas bases dos benefícios em geral,
não podendo ser inferior ao salário mínimo. (grifei)
Dec. 2172/97
Art. 30. O salário-de-benefício consiste na média aritmética
simples de todos os últimos salários-de-contribuição relativos aos meses
imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data de entrada
do requerimento, até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48
meses.
(...)
§ 6º - Se, no período
básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefício por incapacidade,
considerar-se-á como salário-de-contribuição, no período, o
salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo de renda mensal,
reajustado nas mesmas épocas e nas mesmas bases dos benefícios em geral, não
podendo ser inferior ao salário mínimo nem superior ao limite máximo do
salário-de-contribuição. (grifei)
Percebe-se na leitura dos dispositivos que o cálculo da
aposentadoria por invalidez consistiria da média aritmética simples (somam-se
todos os valores e divide-se o resultado pelo número de elementos somados) dos
36 salários-de-contribuição até a DER (data de entrada do requerimento
administrativo = protocolo do benefício)<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]-->,
podendo retroagir, se for o caso até 48 meses. Além disso, tanto a lei
ordinária quanto o decreto regulamentador assevera que no cálculo da
aposentadoria por invalidez o salário-de-benefício do auxílio-doença que a
precedeu deverá compor o PBC, devidamente reajustado.
Oportuno referir que os dispositivos normativos
referidos estabelecem que “o salário-de-benefício consiste na média aritmética
simples de todos os últimos salários-de-contribuição,
relativos aos meses imediatamente
anteriores ao do afastamento da atividade ou da data de entrada do
requerimento”. Tal observação é
importante tendo em vista que um dos argumentos do INSS para não aplicar o
dispositivo em comento é o fato de que o termo final para a consideração dos
salários-de-contribuição é a data do afastamento da atividade. Todavia, não há
como restringir a interpretação de o PBC da aposentadoria por invalidez ser
formado somente até a última atividade. É bem verdade que aquele benefício na
práxis do processo administrativo previdenciário é concedido por meio de uma
“conversão” do auxílio-doença, determinada “ex
officio” pelo perito autárquico. Ou seja, não há requerimento. Todavia, não
se pode por presunção afastar sua utilidade. O fato é que o benefício pode ser
concedido para segurado, em gozo ou não de auxílio-doença (art. 42, da Lei
8.213/91), podendo seu início de vigência dar-se pelo início da incapacidade ou
a partir do pedido formalizado (art. 43, da Lei 8.213/91) a depender da
categoria do contribuinte. Portanto, em momento algum, há a condição única de
formar o PBC da aposentadoria por invalidez somente até a última atividade
desempenhada. Ou seja, interpreta-se o enunciado normativo da seguinte forma:
a) Para os casos de
concessão da aposentadoria por invalidez, de imediato, sem auxílio-doença
precedente (Art. 29, caput, da Lei
8.213/91): O PBC será formado até a DER, ao passo que caso o segurado
não tenha contribuições vertidas até o mês imediatamente anterior a DER,
considerar-se-á a última atividade (contribuição vertida) respeitada a carência
para o benefício e a qualidade de segurado;
b) Para os casos de
concessão de aposentadoria por invalidez com auxílio-doença precedente (Art.29, §5º, da Lei 8.213/91): O
PBC será formado até a concessão da aposentadoria, com a consideração dos
salários-de-benefício corrigidos como se salário-de-contribuição fossem para
apurar a RMI.
Portanto, na leitura dos textos normativos,
se extrai as duas hipóteses previstas pelo legislador para o cálculo do
benefício<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]-->. Assim,
o caput do art. 29, da Lei de
Benefícios deve ser aplicado na primeira situação, ao passo que o parágrafo 5º do
mesmo dispositivo deve ser aplicado na segunda. Não há, portanto, qualquer
lacuna ou incongruência nos textos normativos referidos. Previu-se o cálculo da
renda mensal inicial do benefício para as duas hipóteses referidas.
Alguns anos depois, entrou em
vigor o parágrafo 7º, do art. 36, do Dec. 3048/99, in verbis:
Art. 36
– No cálculo do valor da renda mensal do benefício serão computados:
I – para o segurado empregado e o trabalhador avulso, os salários-de-contribuição referentes aos
meses de contribuições devidas, ainda que não recolhidas pelas empresas,
sem prejuízo da respectiva cobrança e da aplicação das penalidades cabíveis; e
(...)
§ 7º
- A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez concedida por
transformação de auxílio-doença será de 100% do salário-de-benefício que serviu
de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio doença, reajustado
pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral. (grifei)
O referido decreto adotou como
critério de cálculo para a aposentadoria por invalidez o salário-de-benefício
que serviu de cálculo para a renda mensal inicial do auxílio-doença,
devidamente atualizado até a DER. Portanto, excluiu a possibilidade de cálculo
do art. 29, §5º, da Lei 8.213/91, extrapolando seu poder regulamentar.
Tempos depois, a nova redação dada ao referido dispositivo
pela lei 9.876, de 26.11.99 apenas mudou a sistemática de cálculo do PBC, que
passou a ser a médica aritmética dos 80% (oitenta por cento) maiores
salários-de-contribuição a partir de 07/1994.
Art. 29 - O salário-de-benefício consiste:
(...)
II - para os benefícios de que tratam as
alíneas «a», «d», «e» e «h» do inc. I do art. 18, na média aritmética simples
dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período
contributivo.
(...)
§ 5º - Se,
no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por
incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como
salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base
para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos
benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 salário mínimo.
(grifei)
O INSS, contudo, somente aplica esta sistemática de
cálculo quando o segurado, antes de ter concedida sua aposentadoria por
invalidez, idade ou contribuição, tiver encerrado o auxílio-doença que a
precedeu, retornando à atividade ou efetuando recolhimentos antes da DER, ainda
que na condição de segurado facultativo. A autarquia defende a aplicação por
analogia do art. 55, II da Lei 8.213/91, e o art. 60, III, do Dec. 3.048/99,
respectivamente, a saber:
Art. 55. O tempo de serviço será
comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do
correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que
trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado.
(...)
II
– o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria
por invalidez. (grifei)
Art. 60. Até que lei específica
discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros:
(...)
III
– o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria
por invalidez, entre períodos de atividade. (grifei)
Defende a autarquia federal que, seguindo a
interpretação dos artigos 63, da Lei 8.213/91 e 476, da CLT, o segurado
empregado em gozo de auxílio-doença será considerado licenciado, não existindo
remuneração e, por conseguinte, contribuições previdenciárias a ensejar o
salário-de-contribuição para o cálculo de futuro benefício de aposentadoria por
invalidez. Ora, não está a se questionar a condição de licenciado do segurado
empregado, assim como, a condição de afastamento de atividade remunerada ou não
realização de recolhimentos à previdência social, no caso dos contribuintes
individuais autônomos e facultativos, respectivamente. O que se observa é
simplesmente a adoção de um método de cálculo distinto para os que usufruem o
auxílio-doença previdenciário e tempos depois se aposentam. O legislador
previdenciário previu esta hipótese, tendo em vista determinar o lançamento dos
salário-de-benefício corrigido no PBC. A expressão “considerando-se
como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de
base para o cálculo da renda mensal”, a nosso ver, é meramente informativa. Ou
seja, o sentido da norma é o seguinte: deve ser lançado o salário-de-benefício
do auxílio-doença, corrigido, no cálculo da futura aposentadoria por invalidez,
excluindo 20% dos menores salários-de-contribuição ou salários-de-benefício,
existentes no PBC formado a partir de 07/1994, de acordo com Lei 9.876/99. A
referência a considerar o salário-de-benefício como se salário-de-contribuição
fossem é para tornar clara, a inclusão daquele no cálculo da renda mensal da
aposentadoria por invalidez!
É de ser relevado que o art. 60, IX, do Dec. 3.048/99
traz o reconhecimento do período em que o segurado esteve recebendo benefício
por incapacidade decorrente de acidente de trabalho, “independente se
intercalado ou não”. Ou seja, na hipótese de auxílio-doença por acidente de
trabalho, para a aplicação do art. 29, §5º, da Lei 8.213/91 não há necessidade de
retorno a atividade ou recolhimento antes da DER. Ora, qual o critério
de diferenciação para este caso em relação aos demais?!! Trata-se de
contingência distinta e merecer proteção diferenciada? Creio que não.
Para tornar clara a desproporcionalidade deste cálculo,
tomemos por base um caso hipotético. Suponhamos que João ingressou com
auxílio-doença previdenciário (B/31) em 04/04/2000. Após alguns anos em
benefício, em 14/10/2004 o segurado foi aposentado por invalidez (B/32).
Conforme discriminativo de cálculo abaixo, a RMI do B/31 a partir dos 80%
maiores salários-de-contribuição foi de R$ 303,06.
Mês/ano
|
Salário contribuição
|
Salário considerado
|
Índice atualização
|
Salário Corrigido
|
nov/1996
|
138,10
|
138,10
|
1,36302900
|
188,23
|
dez/1996
|
393,75
|
393,75
|
1,35922400
|
535,19
|
jan/1997
|
202,08
|
202,08
|
1,34736700
|
272,28
|
jun/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23617600
|
337,48
|
jul/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23272400
|
336,53
|
ago/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23272400
|
336,53
|
set/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23272400
|
336,53
|
out/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23272400
|
336,53
|
nov/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23272400
|
336,53
|
dez/1998
|
273,00
|
273,00
|
1,23272400
|
336,53
|
jan/1999
|
265,62
|
265,62
|
1,22076100
|
324,26
|
fev/1999
|
273,00
|
273,00
|
1,20688200
|
329,48
|
mar/1999
|
273,00
|
273,00
|
1,15557400
|
315,47
|
abr/1999
|
273,00
|
273,00
|
1,13313800
|
309,35
|
mai/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,13279800
|
323,53
|
jun/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,13279800
|
323,53
|
jul/1999
|
283,00
|
283,00
|
1,12136000
|
317,34
|
ago/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,10381000
|
315,25
|
set/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,08803300
|
310,74
|
out/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,07227100
|
306,24
|
nov/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,05238100
|
300,56
|
dez/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,02641300
|
293,14
|
jan/2000
|
285,60
|
285,60
|
1,01394100
|
289,58
|
fev/2000
|
285,60
|
285,60
|
1,00370300
|
286,66
|
mar/2000
|
285,60
|
285,60
|
1,00180000
|
286,11
|
Número de parcelas consideradas (80%)
|
20
|
|||
Somatório das parcelas consideradas:
|
6.660,76
|
|||
Média:
|
333,04
|
|||
Salário de Benefício calculado:
|
333,04
|
|||
Renda Mensal Inicial (91%)
|
303,06
|
Seguindo a sistemática de cálculo do
art. 36, §7 º do Dec. 3.048/99 a aposentadoria por invalidez de João deverá ser
calculada da seguinte forma:
Salário-de-benefício: R$ 333,04.
Atualização do
salário-de-benefício<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]-->
até a aposentadoria por invalidez em 04/10/2004:
04/04/2000: (333,04 x
1,000000) = 333,04
01/06/2000:(333,04 x
1,009500) = 336,20
01/06/2001: (336,20 x
1,076600) = 361,95
01/06/2002: (361,95 x
1,092000) = 395,24
01/06/2003 (395,24 x
1,197100)= 473,14
01/05/2004 (473,14 x 1,045300)=
494,57
Portanto, seguindo o referido decreto, a RMI da
aposentadoria por invalidez em 2004 de João seria de R$ 497,57. Todavia, a
partir do mesmo caso, adotando a sistemática de cálculo do art. 29, §5º., da
Lei 8.213/91(inclusão do salário-de-benefício atualizado no PBC), de acordo com
discriminativo de cálculo abaixo, teríamos uma RMI do B/32 no valor de R$
536,35 no ano de 2004.
Mês/ano
|
Salário contribuição
|
Salário considerado
|
Índice atualização
|
Salário Corrigido
|
nov/1996
|
138,10
|
138,10
|
2,31893500
|
320,24
|
dez/1996
|
393,75
|
393,75
|
2,31246000
|
910,53
|
jan/1997
|
202,08
|
202,08
|
2,29228800
|
463,23
|
jun/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,10311800
|
574,15
|
jul/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,09724500
|
572,55
|
ago/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,09724500
|
572,55
|
set/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,09724500
|
572,55
|
out/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,09724500
|
572,55
|
nov/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,09724500
|
572,55
|
dez/1998
|
273,00
|
273,00
|
2,09724500
|
572,55
|
jan/1999
|
265,62
|
265,62
|
2,07689200
|
551,66
|
fev/1999
|
273,00
|
273,00
|
2,05327900
|
560,55
|
mar/1999
|
273,00
|
273,00
|
1,96598900
|
536,71
|
abr/1999
|
273,00
|
273,00
|
1,92781800
|
526,29
|
mai/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,92724000
|
550,42
|
jun/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,92724000
|
550,42
|
jul/1999
|
283,00
|
283,00
|
1,90778100
|
539,90
|
ago/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,87792200
|
536,33
|
set/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,85108100
|
528,67
|
out/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,82426400
|
521,01
|
nov/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,79042500
|
511,35
|
dez/1999
|
285,60
|
285,60
|
1,74624500
|
498,73
|
jan/2000
|
285,60
|
285,60
|
1,72502800
|
492,67
|
fev/2000
|
285,60
|
285,60
|
1,70761000
|
487,69
|
mar/2000
|
285,60
|
285,60
|
1,70437200
|
486,77
|
abr/2000
|
262,65
|
262,65
|
1,70130900
|
446,85
|
mai/2000
|
333,04
|
333,04
|
1,69910000
|
565,87
|
jun/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,68779200
|
567,44
|
jul/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,67224000
|
562,21
|
ago/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,63528300
|
549,78
|
set/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,60605300
|
539,96
|
out/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,59504700
|
536,25
|
nov/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,58916700
|
534,28
|
dez/2000
|
336,20
|
336,20
|
1,58299300
|
532,20
|
jan/2001
|
336,20
|
336,20
|
1,57105300
|
528,19
|
fev/2001
|
336,20
|
336,20
|
1,56339300
|
525,61
|
mar/2001
|
336,20
|
336,20
|
1,55809500
|
523,83
|
abr/2001
|
336,20
|
336,20
|
1,54572900
|
519,67
|
mai/2001
|
336,20
|
336,20
|
1,52845800
|
513,87
|
jun/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,52176200
|
550,80
|
jul/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,49986400
|
542,88
|
ago/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,47595400
|
534,22
|
set/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,46278900
|
529,46
|
out/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,45725100
|
527,45
|
nov/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,43642300
|
519,91
|
dez/2001
|
361,95
|
361,95
|
1,42558800
|
515,99
|
jan/2002
|
361,95
|
361,95
|
1,42302700
|
515,06
|
fev/2002
|
361,95
|
361,95
|
1,42032800
|
514,09
|
mar/2002
|
361,95
|
361,95
|
1,41777600
|
513,16
|
abr/2002
|
361,95
|
361,95
|
1,41621800
|
512,60
|
mai/2002
|
361,95
|
361,95
|
1,40637400
|
509,04
|
jun/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,39093400
|
549,75
|
jul/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,36714600
|
540,35
|
ago/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,33968300
|
529,50
|
set/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,30879500
|
517,29
|
out/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,27513200
|
503,98
|
nov/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,22361700
|
483,62
|
dez/2002
|
395,24
|
395,24
|
1,15610100
|
456,94
|
jan/2003
|
395,24
|
395,24
|
1,12570700
|
444,92
|
fev/2003
|
395,24
|
395,24
|
1,10179800
|
435,47
|
mar/2003
|
395,24
|
395,24
|
1,08455400
|
428,66
|
abr/2003
|
395,24
|
395,24
|
1,06684400
|
421,66
|
mai/2003
|
395,24
|
395,24
|
1,06248800
|
419,94
|
jun/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,06965400
|
506,10
|
jul/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,07719500
|
509,66
|
ago/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,07935300
|
510,69
|
set/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,07270300
|
507,54
|
out/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,06155600
|
502,26
|
nov/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,05690600
|
500,06
|
dez/2003
|
473,14
|
473,14
|
1,05185700
|
497,68
|
jan/2004
|
473,14
|
473,14
|
1,04558400
|
494,71
|
fev/2004
|
473,14
|
473,14
|
1,03728500
|
490,78
|
mar/2004
|
473,14
|
473,14
|
1,03325600
|
488,87
|
abr/2004
|
473,14
|
473,14
|
1,02739900
|
486,10
|
mai/2004
|
494,57
|
494,57
|
1,02320400
|
506,05
|
jun/2004
|
494,57
|
494,57
|
1,01912800
|
504,03
|
jul/2004
|
494,57
|
494,57
|
1,01405700
|
501,52
|
ago/2004
|
494,57
|
494,57
|
1,00670900
|
497,89
|
set/2004
|
494,57
|
494,57
|
1,00170000
|
495,41
|
Número de parcelas consideradas (80%)
|
63
|
|||
Somatório das parcelas consideradas:
|
33.790,30
|
|||
Média:
|
536,35
|
|||
Salário de Benefício calculado:
|
536,35
|
|||
Renda Mensal Inicial (100%)
|
536,35
|
Oportuno referir que, no exemplo acima, seguindo o
raciocínio do INSS, caso João retornasse ao trabalho ou efetuasse recolhimento,
o tempo que fosse, antes de ter concedida sua aposentadoria por invalidez, o
salário-de-benefício seria computado no PBC. Ou seja, supondo que o mesmo
retornasse ao trabalho em 08/2004 ou contribuísse como segurado facultativo uma
competência, e logo depois, percebendo não ter mais condições laborais,
ingressasse com novo auxílio-doença em 10/2004, sendo aposentado nesta ocasião,
teria cálculo mais benéfico do que se não retornasse ao trabalho, mesmo em se
tratando de pouquíssimo tempo trabalhado ou recolhido!! Além disso, caso João
pretendesse ingressar com pedido de aposentadoria por tempo de contribuição ou
por idade, mesmo tendo condições para tais benefícios, não poderia ingressar
com o pedido administrativo, sem ao menos, retornar alguns dias ao trabalho e/ou
verter contribuições, sob pena de não incluir o salário-de-benefício corrigido
no PBC.
Com este exemplo, salta aos olhos o absurdo de dar
distinção na aplicação de uma regra a segurados acometidos por doenças mais
crônicas, que não os permitem retornar ao mercado de trabalho, nem que seja por
um “mísero mês ou poucos dias”. Assim, cria-se uma sistemática de cálculo
arbitrária e ilegal para os que por lei não podem recolher enquanto estão em
benefício, ao passo que a Lei de Benefícios e de Custeio proíbe o recolhimento
durante o recebimento de benefício previdenciário por incapacidade. Não há
razão, pois, para manter esta aberrante distinção de tratamento quanto à
sistemática de cálculo como insistentemente colocado. Além disso, porque tratar
com distinção o segurado que depois de alguns anos se aposentou por invalidez,
sem retornar ao trabalho (art. 36, §7 º do Dec. 3.048/99), daquele que depois
de anos em benefício, retornou a trabalhar 1 (um) mês, ingressando com novo
auxílio-doença, se aposentando mais adiante por invalidez, por idade ou tempo
de contribuição? (art. 29, §5 º, c/c art. 55, II, da Lei 8.213/91) É justo
adotar sistemática de cálculo diversa por existir recolhimento/atividade
intercalada, por mais ínfima que seja? Ora, tal interpretação além de ser
desproporcional, tem como critério
fazer distinção daqueles que pela incapacidade acentuada não puderam retornar
ao trabalho ou realizar contribuições! Como admitir diferenciar
segurados que tem sua incapacidade alargada no tempo, daqueles que puderam
retornar ao mercado de trabalho? Há distinção quanto ao risco social protegido?
Desta forma, pecou a egrégia Corte Suprema ao restringir
a interpretação pela não existência de contribuição do período base de calculo
do benefício de aposentadoria por invalidez na hipótese do cálculo de conversão
do auxílio-doença precedente, tendo em vista a impossibilidade de o
beneficiário verter contribuições ao regime geral de previdência social. Tal
contingência deveria implicar, sem sombra de dúvida, uma exceção plenamente
justificável a não existência de contribuições no período do cálculo.
A jurisprudência já vem acertadamente decidindo acerca
da equivalência de direitos para os segurados que não puderam recolher ao
regime em razão de sua incapacidade, inclusive para a análise de carência<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]-->:
Aposentadoria por idade. Período em gozo de
auxílio-doença.Cabimento para cômputo de carência. I – O benefício de
aposentadoria por idade, de acordo com o Decreto 611/92, está condicionado ao
preenchimento dos requisitos da idade mínima e da carência, que, no caso dos
autos, aos Segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24.07.1991,
deve obedecer ao art. 282 do Decreto 611/1992. II – O art. 58, III, do Decreto
611, de 21.07.1992 disciplina como tempo de serviço, entre outros, o período em
que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
III – Como tempo de contribuição, o Decreto 3.048, de 06.05.1999, no seu art.
60, III, por sua vez, até que a lei específica discipline a matéria, também
estabelece que deve ser computado o período relativo à percepção do
auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez. IV – Perfeitamente cabível
que seja computado para fins de carência o período em que a Autora esteve em
gozo de auxílio-doença, até porque a mesma encontrava-se impossibilitada de exercer atividade remunerada (...)
(AC 199951010033342/RJ- TRF 2a Região. 6a T. – Rela. Des.
Sérgio Scwaitzer – DJU 29.04.2003, P. 208). (grifei)
Sempre é oportuno lembrar que com o advento do neoconstitucionalismo,
cuja matriz filosófica é o pós-positivismo, o legislador pode formular o texto,
mas não é dono absoluto do sentido que este texto legal passa a ter quando
analisado pelo intérprete. Ou seja,
texto e norma não se confundem. Na precisa lição de Ávila
“normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a
partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os
dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu
resultado”.<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]-->
Desta forma, a contingência social relacionada ao
surgimento da incapacidade deve ser interpretada de forma equivalente quanto à
consideração do tempo em benefício como tempo de contribuição ou carência, em
defesa da unidade do ordenamento jurídico e, conseguintemente, da Segurança
Jurídica e do Princípio da Isonomia (art. 5.
caput, da CF), base do Estado Democrático de Direito.
O ordenamento jurídico brasileiro sanciona, de modo
claro e direto, a discriminação na sua forma direta e intencional. Dentre os
direitos fundamentais sociais, proibições de discriminação quanto a salários,
exercícios de funções e critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil (art. 7º, XXX), bem como diante do trabalhador portador de
deficiência<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--> (art. 7º, XXXI).
Em
sendo assim, aduz Alexy, “se houver uma razão suficiente para o dever de um
tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório”.<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]-->
Deste direito a um tratamento jurídico desigual, destarte, decorre o direito à
criação de igualdade fática. Parte-se, pois, do pressuposto de que, seguindo os
ensinamentos de Mello:
a lei não pode conceder tratamento específico,
vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias
peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação
racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem
na categoria diferenciada.<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]-->
Desta forma, a adoção da sistemática de cálculo do art.
29, §5 º, da Lei 8.213/91 da aposentadoria por invalidez, sem a exigência de
intercalar o auxílio-doença que a precedeu com atividade ou recolhimentos é
medida que se impõe para os que não podem retornar ao trabalho ou efetuar
recolhimentos antes da concessão daquele benefício.
Todavia, o art. 36, §7 º do Decreto 3.048/99 extrapolando
seu poder regulamentador passou a estabelecer critério inconstitucional de
distinção dos que podem e dos que não podem recolher ou retornar ao trabalho
antes de ter concedida a aposentadoria por invalidez. Com isso, a afronta ao
ordenamento jurídico foi ainda mais grave, ao passo em que um decreto extrapola
seu direito regulamentar, posto que em contradição gritante com o art. 29, §5º,
da Lei de Benefícios, acarretando total insegurança jurídica ao sistema.
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o Decreto
Regulamentar:
(...) contempla a lei ou, nos termos do
art. 84, IV, da Constituição, contém normas “para fiel execução da lei”; ele não pode estabelecer normas contra
legem ou ultra legem. Ele não pode
inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações ou proibições,
medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei, conforme artigo 5º, II, da Constituição;
ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre como a lei vai ser cumprida
pela Administração.<!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]-->
(grifei)
Sendo assim, permitir a “validade da ilegalidade” do
decreto regulamentador em comento está a acarretar enorme insegurança jurídica
ao ordenamento. Portanto, como insistentemente referido, tornar válida a
aplicação do art. 36, parágrafo 7º, do Dec. 3048/99 é transparecer para o cidadão a insegurança jurídica no ordenamento
jurídico como sistema funcional e unitário na concretização de direitos, pelo fato de se estabelecer
critérios distintos de tratamento não justificáveis e inexistentes em lei
ordinária a tratar da matéria.
Outra alegação infundada do INSS para a não aplicação do art.. 29, § 5º,
da Lei 8.213/91, é o da impossibilidade de majoração ou criação de benefício
sem a prévia fonte de costeio, nos termos do art. 195, § 5º., da CF/88. Ora,
mais uma vez, padece de embasamento jurídico tal posicionamento. Isto, porque
não se está a criar ou majorar nada e, sim, aplicar o conteúdo normativo de lei
já existente, que previu situações distintas de cálculo para os que de imediato
foram aposentados por invalidez a partir da DER (Art. 29, II, da Lei 8.213/91),
e àqueles que receberam auxílio-doença e foram aposentados posteriormente (art.
29, §5 º, da Lei 8.213/91). Além do mais, já existiram recolhimentos
necessários para a concessão do auxílio-doença, benefício cuja regra matriz se
estende as contingências sociais da incapacidade. Não se pode esquecer, também,
a não admissão do recolhimento de contribuições na vigência do benefício, sendo
necessário aplicar de forma igualitária o cálculo no momento da conversão do
benefício, sob pena de os mais incapazes serem penalizados duas vezes pela sua
incapacidade, como já insistentemente referido.
4. Considerações
Finais
A adoção da sistemática de cálculo do art. 29, §5 º, da Lei
8.213/91 da aposentadoria por invalidez, sem a exigência de intercalar o
auxílio-doença que a precedeu com atividade ou recolhimentos é a interpretação
mais adequada para o cálculo da renda mensal inicial daquele benefício. Como
visto há a previsão da aplicação do dispositivo para duas hipóteses, quais
sejam a de o segurado ter concedida de forma imediata sua aposentadoria por
invalidez, e a de ter recebido auxílio-doença previdenciário e depois ter
concedido o mesmo benefício. Defender a aplicação do art. 36, §7 º do Decreto
3.048/99 e a interpretação por analogia do art. 55, II, da Lei 8.213/91 para
considerar o salário-de-benefício do auxílio-doença pretérito foge do bom
senso, sendo totalmente desproporcional, penalizando àqueles que não puderam
mais retornar ao trabalho ou recolher à previdência social antes da concessão
do benefício por incapacidade. Além do mais, o art. 60, IX, do Dec. 3.048/99
traz o reconhecimento do período em que o segurado esteve recebendo benefício
por incapacidade decorrente de acidente de trabalho, “independente se
intercalado ou não”. Verifica-se uma afronta direta ao Princípio da Isonomia. Aliado
a isso, o art. 36, §7 º do referido decreto afronta o ordenamento jurídico, ao
passo em que extrapola seu direito regulamentar, em vista da contradição
gritante com o art. 29, §5º, da Lei de Benefícios, acarretando total
insegurança jurídica ao sistema. De outra banda, restringir a interpretação a
não existência de contribuição no período base de cálculo do benefício de
aposentadoria por invalidez a ser concedido, é meio totalmente desproporcional
a tratar os desiguais na medida de sua desigualdade (a impossibilidade de
verter contribuições).
5. Referências
ALEXY,
Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 2007.
ÁVILA,
Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MELLO, Celso Antônio
Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo.
Malheiros: 2009.
CARRION, Valentim.
Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35 ª ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
PIETRO, Maria Sylvia
Zanella Di. Direito Administrativo. 20º Ed. São Paulo. Atlas: 2007.
RIBEIRO, Juliana de
Oliveira Xavier. Auxílio-Doença Acidentário. Curitiba: Juruá, 2008.
VIANNA, Cláudia Salles
Vilela. A Relação de Emprego e os Impactos Decorrentes dos Benefícios
Previdenciários. 2 ª ed. São Paulo: LTr, 2010.
<!--[if !supportFootnotes]-->
<!--[endif]-->
<!--[endif]-->
<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> RIBEIRO,
Juliana de Oliveira Xavier. Auxílio-Doença Acidentário. Curitiba: Juruá, 2008,
p. 63.
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->
VIANNA, Cláudia Salles Vilela. A Relação de Emprego e os Impactos Decorrentes
dos Benefícios Previdenciários. 2 ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 29.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> CARRION,
Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35 ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 400.
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> Discute-se na doutrina e jurisprudência se a
suspensão contratual deve prevalecer indeterminadamente ou se é possível a
resilição contratual após cinco anos de vigência da aposentadoria por
invalidez. A discussão pauta-se no conflito existente entre o art. 475, da CLT
e a Súmula n º 217, do STF. A referida súmula confere caráter definitivo ao
benefício caso o mesmo perdurar por mais de 5 anos. Ou seja, por esse
entendimento após os 5 anos da vigência do benefício poderia ocorrer a rescisão
contratual. Todavia, na esteira dos ensinamentos de Carrion, “inexiste no
direito positivo atual a aposentadoria definitiva por invalidez; a qualquer
tempo, mesmo após 5 anos (prazo do direito anterior), pode ser cancelada, caso
readquirida a capacidade laborativa” (In: CARRION, op, cit., p. 398). Desta
forma, caracteriza-se a suspensão do contrato, mesmo após o 5 anos da
aposentadoria, não existindo a possibilidade de rescisão unilateral do contrato
de trabalho do obreiro aposentado por invalidez. No mesmo sentido, entende a
jurisprudência: EMENTA: APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PLANO DE SAÚDE. A aposentadoria por
invalidez acarreta a suspensão do contrato de trabalho, conforme art. 475 da CLT,
o que importa em sustação temporária dos seus principais efeitos em relação às
partes (prestação de serviços e pagamento de salários), restando preservado,
porém, o vínculo de emprego e remanescendo o dever de cumprimento daquelas
obrigações não vinculadas diretamente à prestação de serviços, tal como a
manutenção do plano de saúde, observadas as mesmas regras e critérios vigentes
antes da supressão, inclusive quanto a quota de participação da empregada”.
(TRT 4ª. Região – Processo n º 0000214-45.2010.5.04.0861 – Relator: Des.
Alexandre Correia da Cruz – Data: 10.03.2011)
<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]-->
Importa referir a existência também da DIB (Data de início de vigência do
benefício) a ser fixada em alguns casos em data anterior a DER. Exemplo disso é
o caso em que o segurado, contribuinte individual, ingressa com o
auxílio-doença em 01/06/2011. Contudo, o mesmo esteve internado para tratamento
de sua doença em 10/05/2011. Portanto, sua incapacidade tem início nesta data.
Assim, o médico perito pode fixar a DIB como sendo em 10/05/2011, sendo este o
início do benefício, e não somente a partir da DER.
<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]-->
Oportuno destacar que a legislação anterior já adotava este entendimento, a
exemplo do art. 46, I, §4º, do Dec. 72.771/73, art. 37, I, §4º, do Dec.
83.080/79.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> As
atualizações são definidas por índices de correção determinados pelo Ministério
da Previdência.
<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> Para que o segurado tenha direito a benefícios
previdenciários, é necessário que tenha pago um determinado período de
contribuições mensais, Essa quantidade de contribuições, imprescindível à
obtenção do benefício, denomina-se período de carência. Carência é, então, o
número de contribuições mensais necessárias para a efetivação do direito a um
benefício. Percebe-se que o conceito de carência não se confunde com o de tempo
de contribuição. O objetivo da
carência é evitar que os segurados comecem a contribuir para o sistema de
proteção social com o objetivo imediato de concessão de um benefício.
<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> ÁVILA,
Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 22.
<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--> Impende frisar que pessoa portadora de deficiência é
aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em razão de anomalias ou lesões
irreversíveis, de natureza hereditária, congênita ou adquirida. A teor da
Súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados
Especiais Federais, para os efeitos do art. 20, § 2º., da Lei n. 8.742/93,
incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades
mais elementares da pessoa, mas também, a impossibilidade de prover o próprio
sustento. Assim, a jurisprudência tem entendido que a falta de condições para o
trabalho é suficiente para caracterizar a deficiência para fins de concessão do
benefício assistencial. A própria Advocacia Geral da União – AGU editou a
Súmula 30, de 09/06/2008, dispondo que “a incapacidade para prover a própria
subsistência por meio do trabalho é meio suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203, V, da
Constituição Federal e art. 20, II, da Lei n. 8.742/93”. Assim, desprezou por
completo a necessidade adicional de comprovação da incapacidade para a vida
independente. Assim, por analogia, a incapacidade ao trabalho é uma
deficiência, podendo ser assim estendida esta condição para os que se aposentam
por invalidez.
<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]-->
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 2007, p. 372.
<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]-->
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3.
ed. São Paulo. Malheiros: 2009,
p. 39.
<!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]-->
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 20º Ed. São Paulo.
Atlas: 2007, p. 78-79.
____________________________
Sócio da Accadrolli Advocacia Previdenciária. Possui graduação em Direito pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI Campus de
Erechim (2002). Pós-graduação em Direito Processual Civil pela Faculdade de
Direito da IMED/RS (2007). Pós-Graduação em Direito Previdenciário pela
Universidade de Passo Fundo - UPF/RS (2010). Cursou a disciplina de Jurisdição
Constitucional do Mestrado em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, como
aluno especial (2009). Advogado.
...