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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A DEPRESSÃO ORIGINADA OU DESENCADEADA NO AMBIENTE LABORAL E SEU RECONHECIMENTO COMO DOENÇA DO TRABALHO EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO

 RESUMO

A presente pesquisa aborda a problemática sobre a possibilidade ou impossibilidade de reconhecer a depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho, a fim de que o empregado possa obter as vantagens oriundas desta consideração. Para a resolução da questão, realiza-se uma análise do histórico, dos sintomas, das causas e dos tratamentos da depressão, a influência das condições de trabalho para a saúde psíquica do trabalhador, desde a Idade Antiga até a época contemporânea, faz-se uma exposição sobre o histórico de proteção à saúde do trabalhador e do meio ambiente laboral, bem como a importância desta proteção como direito fundamental do obreiro a partir da Constituição Federal de 1988, levando em conta os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à saúde. Além disso, descrevem-se os principais agentes prejudiciais à saúde mental do empregado no trabalho. Finalmente, analisa-se a possibilidade de a depressão se originar no ambiente laboral, com uma abordagem sobre o nexo de causalidade entre a enfermidade e o labor, os benefícios previdenciários e trabalhistas que seriam concedidos ao obreiro caso haja possibilidade de considerar a depressão como doença do trabalho e, enfim, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a questão, seguido da demonstração sobre a possibilidade do reconhecimento da depressão como doença do trabalho com base em todo o estudo apresentado.



Palavras-chave: Depressão. Direitos Fundamentais. Doença do Trabalho. Nexo de Causalidade. Saúde do Trabalhador.



Lista de abreviaturas

cat:
Comunicação de Acidente do Trabalho
cid:
Classificação Internacional de Doenças
clt:
Consolidação das Leis do Trabalho
cnae:
Classificação Nacional de Atividades Econômicas
EPI’s
Equipamentos de Proteção Individual
inss:
Instituto Nacional do Seguro Social
oit:
Organização Internacional do Trabalho
oms:
Organização Mundial de Saúde
TST:
Tribunal Superior do Trabalho
uti:
Unidade de Terapia Intensiva


SUMÁRIO






















 
Primeiramente, deve-se dizer que o problema que buscaremos resolver é a possibilidade ou impossibilidade de a depressão originada ou desencadeada no ambiente laboral ser considerada doença do trabalho, equiparada ao acidente do trabalho, fazendo com que o empregado possa usufruir dos direitos inerentes a esta equiparação, levando-se em conta, para isso, entre outros motivos, o respeito aos direitos fundamentais.

Para isso, pesquisar-se-á, inicialmente, o conceito, as classificações e os dados históricos relativos à depressão. Neste contexto, propor-se-á um estudo de suas primeiras incidências, bem como a sua definição, para estabelecer se a mesma trata-se de doença ou apenas de sintoma, ou ainda de uma síndrome. Além disso, serão mostrados os graus em que a depressão pode ocorrer e as suas fases, assim como as principais causas que podem originá-la ou desencadeá-la. Sendo assim, expor-se-á, conforme entendimento de diversos autores, a possibilidade de ela ter uma origem químico-biológica, genética, social ou uma união de diversos fatores.

Posteriormente, passar-se-á para um estudo sobre as razões de o diagnóstico da depressão não ser realizado de maneira mais correta. Ademais, a fim de complementar a análise da enfermidade, far-se-á uma exposição sobre as formas de tratamento que existem para o quadro.

Mais adiante, analisar-se-á a influência do trabalho sobre a saúde psíquica do trabalhador. Para tanto, será feita, em primeiro lugar, uma exposição sobre o histórico das más condições laborais que o empregado teve de enfrentar, marcadas inicialmente pelo período de escravidão na Idade Antiga. Depois deste período, destacaremos o trabalho realizado nos feudos e fora deles, por meio das corporações de ofício. Após uma breve explanação sobre o Absolutismo, chegar-se-á à Revolução Industrial, talvez o período mais marcante no que se refere à exploração do trabalho, tanto pelas péssimas condições laborativas quanto pelo desrespeito ao trabalhador na sua dignidade como pessoa humana.

Depois da abordagem referente ao contexto histórico de exploração do trabalhador, passar-se-á à época atual, marcada pela globalização e pelo neoliberalismo regulando a economia. As características inerentes a estas alterações acabaram gerando modificações, também, nas relações de trabalho, as quais serão analisadas nesta pesquisa, como a flexibilização dos direitos trabalhistas, assim como o desemprego, por exemplo. Neste contexto, surgirá outra figura atual no ambiente laboral: o assédio moral. Essas explicações serão necessárias, tendo em vista que esses fatores influenciarão na saúde do trabalhador devido às pressões e desgastes que provocam, conforme será exposto durante o estudo.

Inclusive, será feita uma exposição sobre a evolução da proteção à saúde dos trabalhadores, desde as primeiras leis criadas no âmbito mundial e, posteriormente, das leis surgidas no Brasil, especialmente nas previsões das Constituições Federais anteriores à Carta Magna de 1988. Ademais, demonstrar-se-á que esta foi a Constituição Brasileira que estabeleceu o marco de modificações positivas à saúde do obreiro e ao ambiente laboral, trazendo a previsão da saúde como um direito fundamental do trabalhador e prevendo que ela engloba o completo bem-estar físico, mental e social, sendo que, em momento anterior, só se cogitava a higidez física. Essa nova definição é de extrema importância para a resolução do problema analisado neste estudo, visto que a depressão atinge, especialmente, a saúde mental.

Sendo assim, esta pesquisa apresentará o conceito de meio ambiente de trabalho, os artigos constitucionais que prevêem a defesa dos direitos à proteção da saúde e deste ambiente frente ao Estado e, também, em face dos particulares, bem como a consideração deles como direitos fundamentais do empregado. Ademais, quando se falar em saúde, não será possível desligar-se dos princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, pois sem o seu respeito, possivelmente, não se poderá falar na presença de saúde. Por isso, realizar-se-á um estudo sobre este princípio, levando em conta a sua relação com a saúde.

Também, em razão de expormos o direito à saúde como direito fundamental, far-se-á necessário tratar do princípio da proteção à saúde, com base nas previsões constitucionais, especialmente o artigo 7º, XXII da Constituição Federal. Isso porque, na relação empregatícia, o trabalhador é a parte mais frágil, merecendo uma maior proteção na tentativa de estabelecer um equilíbrio.

Delineando os direitos e princípios constitucionais que oferecem garantias ao empregado, será preciso demonstrar, também, quais são os principais fatores capazes de prejudicar a saúde mental do trabalhador. Nesse sentido, centralizar-se-á nos fatores prejudiciais à saúde mental, porque a pesquisa tem por escopo saber se a depressão, enfermidade mental, poderá se originar a partir do labor, configurando-se em doença do trabalho.

Depois de todas as concepções gerais sobre o tema, chegar-se-á ao ponto crucial da pesquisa: será possível falar em depressão como consequência do trabalho e reconhecê-la como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho?

Além dos delineamentos constitucionais, será imprescindível verificar se o conceito de acidente do trabalho previsto pela Lei n. 8.213/1991, permitirá essa equiparação. Portanto, o primeiro ponto que se estabelecerá será a definição de acidente do trabalho, englobando acidente típico, doenças profissionais e do trabalho e acidente in itinere, a fim de vislumbrar em qual classificação a depressão poderia se enquadrar. Posteriormente, realizar-se-á um estudo sobre o nexo de causalidade para verificar a possibilidade do estabelecimento de uma ligação entre a depressão e o trabalho, abrangendo explicações não somente em relação ao nexo causal específico, mas ao aspecto da concausalidade.

Mais adiante, arrolar-se-ão quais são os benefícios previdenciários e trabalhistas decorrentes da consideração de uma doença ou acidente oriundo do trabalho. Entre os benefícios previdenciários, estará o auxílio-doença acidentário, a aposentadoria por invalidez, o auxílio-acidente, a reabilitação profissional e a pensão por morte. Além disso, mostrar-se-á o diferencial do reconhecimento da ocorrência de acidente do trabalho: o recebimento de estabilidade provisória e, em determinados casos que serão demonstrados, a responsabilidade civil do empregador por danos morais e materiais causados ao trabalhador.

Por fim, chegar-se-á à discussão central da pesquisa, em que descreveremos os entendimentos que são contrários e aqueles que são favoráveis ao reconhecimento da depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho. Nesse sentido, serão expostas as posições jurisprudenciais, as dificuldades de estabelecimento do nexo causal entre depressão e trabalho, os problemas da perícia médica na constatação da origem do quadro mórbido do empregado, assim como a influência dos direitos fundamentais na resolução da problemática e, em especial, levar-se-ão em conta os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção. 

No entanto, é importante esclarecer que esta pesquisa não tem por escopo esgotar o tema ora tratado, até porque esta tentativa seria frustrada, pois a matéria engloba imensa quantidade de assuntos. Deve-se dizer, ainda, que o estudo desenvolver-se-á com base em diversas doutrinas, as quais possuem entendimentos que se mostraram de alto relevo para a resolução do conflito.

1 A depressão e o trabalho como fonte de agressões à saúde mental do trabalhador

O trabalhador permanece boa parte do seu dia no ambiente de trabalho, conforme é possível observar no contexto social atual. Sendo assim, o empregador deve proporcionar-lhe, com base nos preceitos advindos da Constituição Federal de 1988, especialmente o inciso XXII do artigo 7º, condições saudáveis, a fim de que possa executar suas funções com qualidade e rendimento. Um profissional que não encontra circunstâncias mínimas de proteção no ambiente de trabalho, certamente, adquirirá moléstias, bem como não conseguirá desempenhar seus serviços com o mesmo potencial que poderia exercer caso lhe fossem oferecidas condições necessárias.             

Dessa forma, a desconsideração do ambiente saudável, em sentido amplo, poderá ensejar o desencadeamento de várias espécies de doenças e acidentes, nas quais se incluem as enfermidades psíquicas. Partindo desse ponto, torna-se cabível um estudo aprofundado da depressão como meio de verificar a probabilidade de a mesma ser gerada ou desencadeada a partir do trabalho desempenhado pelo empregado ou das condições a que o mesmo esteja submetido no ambiente laboral.


Inicialmente, cabe mencionar que, para fazer um estudo completo sobre depressão e sua relação com os mais variados aspectos da vida, deve-se desprender de quaisquer pré-conceitos com relação à doença e tudo o que ela representa. A depressão talvez seja uma das moléstias a que as pessoas menos dêem crédito, ignorando, muitas vezes, o fato de sua existência. Porém, verifica-se que a presença desta enfermidade se torna cada vez mais notória.

Desde os tempos mais antigos, a depressão está presente entre os seres humanos, ainda que examinada de modos diversificados durante sua evolução. Um exemplo clássico mencionado por Fernanda Moreira de Abreu está na Mitologia: Homero foi desgraçado no Olimpo na tentativa de aproximar-se do trono de Zeus. A partir de tal momento, passou a viver solitário e lúgubre.  Deve-se lembrar que, nessa época, qualquer fato ou doença era atribuído às reações dos Deuses diante de atitudes falhas do ser humano. (ABREU, 2007, p. 21)

Na Antiguidade, igualmente, descreviam-se características da depressão: desde 400 anos antes de Cristo, Hipócrates chamava de “melancolia” e “mania” os sintomas das pessoas deprimidas, de acordo com o que refere Cláudia Mara Bosetto Censi. (CENSI, 2004, p. 19)

Fabiano Coelho Horimoto, Danusa Céspedes Guizzo Ayache e Juberty Antônio Souza explicam, ainda, que Hipócrates, considerado por muitos o pai da Medicina, entendia o cérebro como o cerne do controle mental, enquanto Aristóteles acreditava que o responsável pelas emoções era o coração. Os escritores narram que, neste momento, a saúde era compreendida sob os seguintes fluidos: bile, fleuma, sangue e bile negra.[1] (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 13).

Abreu expõe que esses componentes eram considerados, naquela época, “os quatro fluidos corporais dos quais se acreditava derivar o temperamento do ser humano.”. (ABREU, 2007, p. 21-22)

Inclusive Aulus Cornelius, médico, no ano 30 a.C., afirmou que a depressão seria causada pela bile negra, termo que se manteve conhecido no século VI. (CENSI, 2004, p. 20)

Por outro lado, Abreu explica que Aristóteles – século IV a.C. – não via na depressão uma doença completamente ruim e afirmava ser ela a propulsora dos grandes gênios. A própria Bíblia contém menções sobre a depressão patológica, embora ligada a questões espirituais. (ABREU, 2007, p. 22)

Na Idade Média, os conceitos ficaram mais confusos, como afirmam Horimoto, Ayache e Souza, pois o estado depressivo era relacionado com bruxaria, pecado, castigo, entre outros conceitos que prevaleciam na época. Contudo, os autores também dizem que nesse período, havia relações entre a depressão e “desequilíbrio hormonal, dieta inadequada, alterações climáticas, trabalho físico excessivo, luto e abuso de álcool”. Cabe comentar, nesse âmbito que, mesmo na Idade Média, já se considerava o trabalho em excesso como causa daquilo que se acreditava ser a depressão. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 14)

Neste período, a expansão do Cristianismo acabou sendo danosa aos deprimidos, pois como a depressão não era considerada doença, mas uma pena às almas impuras, o indivíduo acometido era excluído de tudo que fosse julgado como sagrado.[2] (ABREU, 2007, p. 22)

Os renascentistas, ao inverso dos estudiosos medievais, idealizavam a moléstia. Fernanda Moreira de Abreu, neste sentido, afirma que a visão Renascentista acabava “romantizando a depressão e trazendo a idéia do gênio melancólico a quem a patologia fornecia a visão artística e a complexidade da alma”. (ABREU, 2007, p. 23)

Porém, o grande destaque dentre os estudiosos que defendiam a existência da depressão revela-se em Robert Burton. No Século XVII, ele elaborou a obra “A anatomia da melancolia” fazendo melhorias a partir de teorias, classificações e tratamentos, numa época em que os deprimidos eram postos à margem da sociedade. (ABREU, 2007, p. 24)

No entanto, Burton não tinha uma visão apenas médica sobre a doença. Segundo Horimoto, Ayache e Souza, ele arrolou as causas da melancolia como sendo: “idade avançada, temperamento, hereditariedade e até a possibilidade de ser causada secundariamente por afecções de outras partes do corpo, agindo no cérebro.”. Apesar das causas médicas, Burton acrescentava influências sobrenaturais à origem da doença, como Deus, diabo, bruxas e astrologia. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 14)

No que diz respeito ao século XVII, ainda, Horimoto, Ayache e Souza mencionam que o psiquiatra William Cullen usava o termo melancolia para descrever os sintomas depressivos, situação em que “ocorria uma alteração da função nervosa, isto é, excitação e colapso em diferentes partes do cérebro”. Os autores explicam que Cullen acreditava, em razão dessas alterações, que a pessoa passava a ter dificuldade de compatibilizar idéias e perceber a realidade de modo apropriado. Decorrentes disso, apareciam sintomas como perda de sono e apetite. Os tratamentos indicados pelo psiquiatra, na época, eram “dietas, banhos-surpresa, sangrias e vomitórios”. (HORIMOTO, AYACHE e SOUZA, 2005, p. 15)

Abreu esclarece, também, que apenas no Século XIX as pessoas acometidas pela depressão voltaram a ser tratadas como seres humanos devido às pesquisas do médico Philippe Pinel. Anteriormente, ainda no século XVIII, elas eram separadas do restante da sociedade em instituições para loucos, segundo a autora, “lugares que levariam qualquer normal à insanidade”. (ABREU, 2007, p. 24)

Inclusive Sueli Teixeira afirma que, embora tenham existido avanços nos séculos XVII, XVIII e XIX, a Psicologia restringia-se mais à “descrição e classificação das doenças mentais e no seu tratamento por meio da internação compulsória de seus portadores nos casos de desvios considerados atentados à ordem moral e social.” (TEIXEIRA, 2007, p. 28)

Nesse sentido, impossível não mencionar a obra de Michel Foucaul “História da Loucura”, que traz uma visão clara com relação às instituições de Internamento na Era Clássica. Na Idade Média, trancafiavam-se os leprosos, excluindo-os da sociedade. Por outro lado, a partir do Século XII, com o esvaziamento desses locais, em virtude da erradicação da lepra, torna-se uma constante a existência desses “hospitais para loucos”. Contudo, Foucoult trata em seu livro que esses estabelecimentos não eram utilizados com fins médicos, ou seja, não eram colocados ali apenas loucos, mas misturavam no local o quanto fosse possível da população ociosa (desempregados) e miserável. O Hospital não tinha, assim, uma função de tratamento, mas funções que abarcavam questões sociais e até mesmo “de polícia”. De acordo com Foucault, esses hospitais acabavam sendo uma solução: “é a primeira vez que se substituem as medidas de exclusão puramente negativas por uma medida de detenção; o desempregado não é mais escorraçado ou punido; toma-se conta dele, às custas da nação, mas também de sua liberdade individual”. (FOCAULT, 1978, p. 65)

Dessa forma, percebe-se o prejuízo às pessoas que realmente se encontravam doentes, visto que eram jogadas em instituições nas quais se reuniam pessoas sem problemas mentais para fins de controle social. O resultado para essas pessoas, obviamente, era mais prejudicial do que benéfico.

Adentrando no Século XX, importa salientar as idéias de Sigmund Freud, a quem Abreu atribui até hoje significativa participação quando se fala em depressão. De acordo com a autora, ele trouxe a ideia de que a moléstia poderia ter uma origem genética (exógena) além dos fatores externos (endógena). Ela ainda expressa que a descoberta dos antidepressivos na década de 1950 ajudou grandemente os detentores da doença. (ABREU, 2007, p. 24-25)

Gustavo Filipe Barbosa Garcia afirma que, desde o final do século XX, a depressão vem se tornando uma “doença de época”.  Expõe que vários fatores podem originá-la, inclusive fatores químicos, biológicos e genéticos. Nesse contexto, o autor identifica que as relações sociais, como o trabalho e as condições a que o empregado é submetido, podem influenciar no desencadeamento da doença. (GARCIA, 2008, p. 96-97)

Outros autores compartilham dessa ideia. Segundo Abreu, a evolução social e tecnológica do Século XXI trouxe consigo o crescimento da depressão, visto que aumentou a solidão, a quebra da unidade familiar, moral e religiosa, crescendo o individualismo.[3] (ABREU, 2007, p. 25-26)

A pesquisadora explica que, mesmo depois de passados tantos anos desde o início das pesquisas acerca da depressão, ela ainda é vista como algo banal e não lhe é creditada a seriedade devida. Ela menciona que a depressão é considerada por muitas pessoas como “frescura” ou “fraqueza de caráter”. Esse preconceito causa acanhamento nos indivíduos para solicitar auxílio, receber tratamento apropriado e obter cura, o que faz crescer ainda mais os danos que a moléstia é capaz de acarretar. (ABREU, 2007, p. 26)

Além disso, mesmo que possua a conceituação como doença, muitos autores dão à depressão identificações diversificadas. José Adalberto Del Porto refere que a palavra “depressão” é utilizada, hoje, para descrever um estado, um sintoma, uma síndrome e, também, uma doença:





Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais variados quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas.

Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite).

Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc. (DEL PORTO, 1999, p. 21)    





Essas descrições expõem, portanto, as várias faces e visões da depressão. Embora sejam dadas diferentes interpretações, a conceituação como doença encontra-se incontestável, tanto que, além da definição fornecida pelos médicos, a depressão está arrolada na Classificação Internacional de Doenças (CID – 10).[4]

Porém, não se pode ignorar o fato de que a palavra depressão descreve mais os sintomas do que o conceito propriamente dito. As principais reações de quem se encontra deprimido, como arrola Abreu, são: tristeza, difícil concentração, baixa autoestima, ideias pessimistas e suicidas. (ABREU, 2007, p. 28)

Sobre as divergências existentes em relação ao conceito da depressão, Abreu ainda explicita ser unânime que, apesar das controvérsias em relação ao significado da depressão, ela é “semelhante à tristeza, um dos sentimentos humanos mais dolorosos, distinta da comum por sua intensidade, duração, irracionalidade e por seus efeitos na vida dos indivíduos acometidos por ela”. (ABREU, 2007, p. 28)

Dessa forma, fica clara a estreita ligação entre o que é depressão e o que, na verdade, seriam os seus sintomas, pois indubitavelmente uma definição acaba por englobar a outra. Isso porque, os sentimentos de angústia, melancolia, enfim, estados de humor triste e lastimoso, geralmente são ressaltados nos quadros depressivos.

Nesse sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia diz que a depressão se trata de um “estado de desencorajamento, de perda de interesse, que sobrevém, por exemplo, após perdas, decepções, fracassos, estresse físico e/ou psíquico, no momento em que o indivíduo toma consciência do sofrimento ou da solidão em que se encontra”.[5] (GARCIA, 2008, p. 96)

Com relação à classificação da doença quanto à intensidade, em princípio existem três graus, conforme ensinam Horimoto, Ayache e Souza: leve, moderada e grave. Na depressão leve, esclarecem os autores que os sintomas ainda não chegam a perturbar a pessoa nas atividades diárias, apenas ocorre perda do estado de contentamento e prazer na sua realização. A depressão moderada faz com que se torne embaraçosa a prática das atividades, pois a pessoa tem dificuldade em permanecer bem e não lhe agradam mais atividades que antes lhe eram prazerosas. Os sintomas aumentam na depressão grave, visto que, conforme descrição dos psiquiatras, a pessoa tem muito mais restrições e, em torno de 15 a 20% delas têm intenções de se suicidar. É nesse momento que a doença pode incapacitar, até mesmo permanentemente. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 4).

Abreu também cita uma lista de classificações mais minuciosa da depressão: endógena, reativa, neurótica, psicótica, bipolar, unipolar, agitada, retardada, mascarada, orgânica, breve recorrente, distimia e o transtorno afetivo sazonal.[6] As classificações mais pertinentes seriam a reativa e a endógena, pois como bem exprime a autora “a endógena é aquela que surge sem motivo específico em pessoas com pré-disposição orgânica e a depressão reativa é aquela que ocorre após situações traumáticas ou estressantes”. (ABREU, 2007, p. 29)

Dessa forma, percebe-se o quão amplo é o significado da depressão. Desde os tempos mais antigos, mesmo que de maneiras diferentes, a presença da doença e/ou sintomas depressivos são observados na sociedade. Os fatores capazes de originar a enfermidade são temas de discussão pela classe médica, assim como as formas de tratamento, situação que será analisada posteriormente. O mais importante de toda essa análise é perceber que, seja pelo caráter sintomático ou de doença reconhecida, a depressão não é mera tristeza que aparece de forma repentina e rapidamente se extingue, como ocorre nas pessoas em estado normal de saúde, mas trata-se de um estado doloroso, e em geral contínuo, que modifica a condição de saúde, causando prejuízos de modos diversos em cada indivíduo acometido. Essa é uma das razões pela qual a depressão causa polêmica na sua caracterização como doença do trabalho: ela não é gerada de forma uniforme em todas as pessoas, sendo que seus fatores causadores podem ter origens diversas (em razão da multiplicidade dos agentes capazes de produzi-la) e, consequentemente, seus efeitos também o são.


A depressão, como referido antes, tem um conceito amplo, sendo classificada de diferentes formas e pode estar presente na vida das pessoas em níveis variados. Também são distintas as formas pelas quais ela pode ser gerada e tratada, sendo que hoje se verificam cada vez mais novas e modernas técnicas de obtenção da cura. Além disso, existe a sintomatologia da enfermidade que é de difícil diagnóstico em razão do caráter extremamente subjetivo que possui. Todas essas informações serão estudadas e analisadas, visando asseverar a importância e a gravidade da moléstia e o descaso no seu tratamento.

Em relação às causas da depressão, em que pese o grande número de estudos, a maior parte dos autores, como Sueli Teixeira, ainda estabelece a sua natureza “multifatorial”, ou seja, a atribuição de vários fatores para o seu surgimento. (TEIXEIRA, 2007, p. 29)

Nesse sentido, Horimoto, Ayache e Souza explicitam tal entendimento:

Na verdade, ao longo da evolução histórica a depressão apresenta uma etiologia multifatorial: fatores genéticos, neuroquímicos e ambientais, que devem ser considerados em sua gênese. A vulnerabilidade para a doença está associada com fatores genéticos, fatores ambientais, suporte social, trauma, adaptações no desenvolvimento e variações hormonais. Ainda há muito a ser estudado e pesquisado, entretanto, há evidências significativas de que as pessoas acometidas por depressão beneficiam-se de uma abordagem global. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 27)

           

A partir da explicação dos psiquiatras, verifica-se que não se comprova ser apenas um fator causador da doença, visto que, em geral, um fator se associa a outro contribuindo para a formação do quadro.

Garcia explica, especificamente quanto ao “aspecto químico-biológico, que a depressão caracteriza-se pelo reduzido nível de serotonina[7] nas sinapses[8] para a comunicação entre as células do sistema nervoso no cérebro.” (GARCIA, 2008, p. 96)

Esta explicação (química) de que a depressão no organismo foi baseada na diminuição dos níveis de serotonina em certas partes do cérebro, embora tenha servido como base para a criação de muitos antidepressivos, é contestada em alguns pontos, conforme explica o Doutor Drauzio Varella. Isso porque, a diminuição da substância foi verificada em pessoas quase à beira do suicídio, não ficando demonstrada sua relação concreta com o deprimido. (VARELLA, 2003)

Com relação aos estudos sobre outras hipóteses geradoras da depressão, destaca-se como uma das causas aceita e relacionada à química do organismo, o estresse. Consoante descreve o médico acima mencionado, os “hormônios[9] do estresse (CRF, cortisol e outros) prejudicam a saúde dos neurônios, porque modificam a composição química do meio em que essas células exercem suas funções”. Essa explicação ganhou ênfase depois de algumas publicações de revistas demonstrando que neurônios começavam a nascer após duas ou três semanas de uso do antidepressivo, o que explica também os motivos pelos quais, mesmo que o uso dos medicamentos eleve imediatamente os níveis de serotonina, os efeitos deles somente sejam verificados semanas depois.[10] (VARELLA, 2004)

Além do estresse, destacam-se outros estudos no que se refere às causas da doença. Vários testes têm sido realizados para explicar a origem genética da depressão. Horimoto, Ayache e Souza descrevem a existência de dois modos de investigar geneticamente a patologia. Primeiramente, dizem ser necessário um estudo dos casos de depressão já ocorridos na família da pessoa. O segundo modo é o estudo de irmãos gêmeos a fim de constatar a concordância monozigótica (representada por MZ) e dizigótica (representada por DZ)[11]. De acordo com o que expressam os autores, nas “enfermidades determinadas pelo ambiente, a concordância entre MZ e DZ seria próxima, e nas enfermidades genéticas, a concordância MZ é maior e próxima de 100% em relação à DZ, que é menor.”. Os autores explicam, ainda, ser estimado que, na depressão unipolar,[12] a chance de adquirir a doença por consanguinidade chega em média a 40% e na depressão bipolar[13], a percentagem em geral é de 70%. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 16)

Outro método para pesquisar a depressão no contexto genético é a observância da doença nos adotados, cujos estudos demonstram que a enfermidade seria advinda de determinado componente (genético), conforme os autores descrevem também. Porém, afirmam que muitas fontes podem influenciar no desencadeamento da doença, o que impede afirmar com certeza um “locus gênico”[14] para a depressão no cromossomo[15]. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 17)

Entretanto, a depressão não consegue ser sustentada unicamente por explicações biológicas ou químicas, tendo em vista que outros estudos demonstram a influência dos fatores externos e da inteiração do indivíduo em sociedade para o seu desencadeamento. Conforme esclarece Cláudia Mara Bosetto Censi, “a depressão é explicitada universalmente do ponto de vista biológico, mas é vivida pelos diferentes indivíduos e suas sociedades na perspectiva cultural”. (CENSI, 2004, p. 22)

A autora cita as ideias de Barreto, o qual refere que a depressão pode variar de uma tristeza demasiada até uma grande ira e, neste contexto, demonstrar uma ausência de adequação social ou um pedido de socorro. (BARRETO apud BOSETTO CENSI, 2004, p. 22)

Essa ideia da influência de fatores diversos fica demonstrada pelos próprios sintomas da doença, que se revelam por sentimentos, evidenciada inúmeras vezes pelo caráter fisiológico, mas especialmente pelo caráter psicológico.

O médico Drauzio Varella menciona critérios para a identificação da doença, quais sejam:



· Estado deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do tempo;

· Anedônia: interesse diminuído ou perda de prazer para realizar as atividades de rotina;

· Sensação de inutilidade ou culpa excessiva;

· Dificuldade de concentração: habilidade freqüentemente diminuída para pensar e concentrar-se;

· Fadiga ou perda de energia;

· Distúrbios do sono: insônia[16] ou hipersônia[17] praticamente diárias;

· Problemas psicomotores: agitação ou retardo psicomotor;

· Perda ou ganho significativo de peso, na ausência de regime alimentar;

· Idéias recorrentes de morte ou suicídio. (VARELLA, 2003)





Varella cita, ainda, os casos mais expressivos quanto aos riscos de ocorrência da depressão: a maior incidência se dá em mulheres; o aumento da idade influencia; ocorrências anteriores da doença acabam por estimular nova incidência; parto ocorrido há pouco tempo; fatos estressantes e sujeição às drogas. (VARELLA, 2003).

Horimoto, Ayache e Souza expressam que, na depressão, a pessoa sempre acaba fazendo comparações nas quais se sente pior em relação ao momento passado e com relação a outras pessoas. Ademais, os autores referem que o apetite do depressivo muda: ou ele se alimenta demais ou come muito pouco, passando a não sentir o gosto da comida.[18] (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 7)

Esses pensamentos, como se pode observar, acabam afetando as próprias atitudes da pessoa deprimida, que perde a vontade de realizar atos que antes executava de forma normal. René Mendes, inclusive, descreve uma característica habitual na depressão que é a “autoculpabilização por acidentes e insucessos”. Ele explica que “as dificuldades em relação à tomada de iniciativa e do desempenho laboral constituem, em geral, uma característica bem evidente nestes casos.” (MENDES, 2007, p. 1166)

Assim, o efeito social da enfermidade começa a efetivar-se, pois o deprimido não consegue se relacionar com as atividades e as pessoas de modo satisfatório. Segundo Cláudia Mara Bosetto Censi:

As pessoas com depressão apresentam perda de energia e de interesse, sentimentos de culpa, dificuldade para concentrar-se, perda do apetite e pensamentos sobre morte e suicídio. Outros sinais e sintomas relacionados à depressão são alterações do nível das atividades, na cognição, na linguagem e nas funções vegetativas. Essas mudanças, segundo esses autores, na sua maioria, comprometem o funcionamento interpessoal, social e ocupacional das pessoas deprimidas. (CENSI, 2004, p. 21-22)



O comprometimento da convivência e do trabalho é constatado por outros autores. René Mendes indica ser comum que “a depressão oculta transpareça, assumindo outras formas: expressões somáticas de mal-estar ou doenças, acidentes do trabalho, alcoolismo e/ou absenteísmo.” – situações em que a doença aparece, além dos sintomas subjetivos em sensações, por sintomas fisiológicos. (MENDES, 2007, p. 1166)

Além disso, Horimoto, Ayache e Souza destacam que os médicos geralmente não dão tanta importância aos indícios psíquicos quando da procura pelo paciente, tendo em vista a sua própria formação no que diz respeito aos transtornos mentais e ao pouco tempo das consultas. Afirmam que “mesmo no meio médico ainda há quem questione a depressão como patologia”. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 31).

Conforme explicam Horimoto, Ayache e Souza, diagnosticar é verificar a existência da moléstia por meio dos sinais e sintomas que apresentam ou, quando não for possível através desses meios, por exames complementares. Referem que “um diagnóstico correto é imprescindível para o estabelecimento de uma boa conduta terapêutica”. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 31)

Os autores dizem que um obstáculo verificado na depressão é, justamente, essa presença de outros sintomas somados às características depressivas, como problemas cardiovasculares, gastrointestinais e dores generalizadas, as quais fazem com que a pessoa procure tratamento não de psiquiatra ou psicólogo, mas de profissionais de outras áreas da medicina, dificultando o tratamento correto.[19] (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 2)

Ademais, a resistência por parte dos médicos prejudica o diagnóstico. A sua formação não os leva a um estudo mais aprofundado das doenças mentais e ficam muito atrelados às doenças ligadas diretamente ao funcionamento físico do organismo. Conforme afirmam Duncan, Schmidt e Giugliani, o “subdiagnóstico” pode ocorrer em razão do paciente, mas também em razão dos médicos. Enquanto os pacientes podem ter preconceito em relação à moléstia e incredulidade quanto à cura, os médicos podem não possuir treinamento adequado para o reconhecimento da doença ou tempo para este diagnóstico, bem como podem descrer no tratamento, podem identificar apenas os indícios físicos da moléstia e/ou entender os sintomas da depressão como sendo uma manifestação “compreensível”. (DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004, p. 875)

Nesse âmbito, existe outro problema referido pelos autores acima mencionados, quanto ao julgamento dos médicos nos exames clínicos: eles consideram que, se o problema é compreendido pela pessoa acometida, é porque pode ser solucionado. Ou seja, eles acreditam que, se a doença é compreendida, é possível curá-la por vontade do próprio paciente. Porém, como demonstram os autores, existem várias situações na vida que são compreendidas e, no entanto, não podem ser solucionadas. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 9)

Também, embora seja notória a existência de fraudes previdenciárias por parte de peritos na concessão de benefícios[20], existe a outra face da moeda. Alguns médicos – peritos –, com medo de que a pessoa esteja mentindo sobre a doença, tornam o exame médico mais severo em comprovação. De acordo com Horimoto, Ayache e Souza, outra questão complicada ocorre quando o indivíduo deve se apresentar a uma junta médica pericial, a qual, normalmente, não possui um médico psiquiatra. Como os médicos ficam com medo de serem logrados, acabam sendo mais severos na perícia, requerendo exames complementares, ainda que não sejam imprescindíveis, por se considerarem defensores das instituições. Assim, em geral, ao analisar o quadro, diagnosticar ou medicar, acabam perguntando a razão pela qual o paciente não trouxe exames, o motivo de não se esforçarem para diminuir a doença e, assim, muitas vezes o benefício não é deferido.[21] (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 9)

Além disso, em certos casos, em decorrência do pensamento da própria pessoa deprimida, o diagnóstico fica dificultado, conforme citado acima. Horimoto, Ayache e Souza descrevem a circunstância de a pessoa não se reputar doente e buscar outras causas para seus sintomas. Mais um fator descrito por eles é o de que o doente considera a depressão como uma “fraqueza de caráter” e não como um indício de patologia. Ademais, os psiquiatras afirmam que muitas pessoas caracterizam o sofrimento próprio da depressão como um castigo divino, como ocorria nos tempos mais antigos, consoante explicitado anteriormente. Os indivíduos sentem que, ao pecar, mereceram a dor que sentem e, por isso, mais uma vez, não consideram o aspecto clínico da enfermidade. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 5)

Nesses termos, percebe-se exatamente a existência de muito preconceito e desconfiança com relação à depressão. Muitas pessoas ainda ignoram o seu aspecto de doença reconhecida e a tratam como um simples sentimento de desânimo ou como uma fragilidade. Mesmo o meio médico encontra certa resistência quando se fala em depressão. Apesar disso, nota-se, também, que os sintomas existem e que as causas podem ser variadas, bem como que a moléstia é plenamente reconhecida na Classificação Internacional de Doenças – CID. Assim, reconhecida a sua existência, chega-se ao ponto do seu tratamento.

De acordo com Horimoto, Ayache e Souza, os tratamentos disponíveis para a depressão são o uso de medicamentos farmacológicos, como antidepressivos; dependendo da gravidade da doença, pode ser aconselhada a eletroconvulsoterapia; psicoterapia e/ou a utilização de mais de uma das formas de tratamento cominadas. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 10)

Duncan, Schmidt e Giugliani afirmam que o tratamento da depressão abarca três fases: a fase aguda, a de continuação e a de manutenção. Ele diz que a fase aguda acontece nos dois a três primeiros meses, visando obter uma resposta ao tratamento, ou o retorno ao estado anterior à doença, o que, nessa fase, não é apenas uma idealização; no episódio de continuação, que se dá nos quatro meses após a fase aguda, a intenção é impedir o reaparecimento dos sintomas no mesmo episódio depressivo; e, na fase de manutenção, o objetivo é não deixar que novos episódios ocorram. (DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004, p. 877)

Os autores explicam que, hoje, o tipo de tratamento é oferecido em razão da intensidade dos sintomas depressivos. Nesse contexto, como dizem Horimoto, Ayache e Souza, se a depressão estiver num quadro grave, inicialmente o procedimento terá interferência medicamentosa. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 10)

Conforme narrado anteriormente, os antidepressivos foram um modo encontrado para aumentar os neurotransmissores entre os neurônios. Varella esclarece que hoje se acredita na ideia de que são os hormônios do estresse que prejudicam a saúde dos neurônios. (VARELLA, 2004).

Ainda que seja essa a teoria mais pertinente, os antidepressivos auxiliariam na melhora da depressão, visto que, de qualquer forma, os neurônios estariam prejudicados. Os antidepressivos dão resultado especialmente nos casos de depressão moderada a grave, apresentando melhorias ou pondo fim à doença. Mas, como mencionam Duncan, Schmidt e Giugliani, nas depressões leves, não são de grande ajuda. Por outro lado, a psicoterapia é mais indicada nos casos de depressão leve a moderada. Nessas circunstâncias, o autor menciona que a psicoterapia cognitiva, psicoterapia interpessoal e psicoterapia de solução de problemas são muito eficientes. Nos casos de depressão grave, a psicoterapia pode ajudar mais quando for utilizada junto ao tratamento com antidepressivos. (DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004, p. 878-879)

Importante mencionar também que a compatibilização entre o tratamento com antidepressivos e o tratamento psicoterápico pode ajudar mais aqueles pacientes que buscam o auxílio psiquiátrico. (DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004, p. 880)

A eletroconvulsoterapia, segundo Duncan, Schmidt e Giugliani, é utilizada especialmente nas situações de depressão grave, mais ainda nos casos em que não haja reação ao tratamento e/ou possibilidade de suicídio, visto que é o modo mais eficaz e rápido no combate a esse tipo de depressão. (DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004, p. 879)

Horimoto, Ayache e Souza explicam que, na cultura Ocidental, as mulheres têm mais facilidade de expressar seus sentimentos do que os homens e, por isso, são tratadas antes e em grau menos grave da doença se comparadas aos homens. Estes, quando recebem o tratamento, geralmente estão numa fase mais avançada.[22] (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 8)

Dessa forma, fica claro que as causas da depressão podem ser muitas. Embora existam tendências genéticas, químicas e biológicas que caracterizam pessoas propensas a adquirir a doença, não se pode ignorar a presença de tendências sociais influenciando sua existência, conforme referido acima. Considerando que há muitos autores afirmando sua natureza multifatorial, é necessário analisar se o trabalho, examinado como fator externo, pode ser considerado uma causa da doença, dependendo das circunstâncias a que submete o trabalhador. Apesar de ser uma doença, em tese, tratável, cumpre esclarecer, de acordo com o que anteriormente se mencionou também, dependendo do grau em que se encontra, a depressão pode ser uma moléstia permanente. Essa explicação básica, portanto, é imprescindível para a continuidade desta pesquisa, de modo a aproximar-se da possibilidade de existir um nexo causal entre a depressão e o trabalho. 

1.3 A influência das condições de trabalho na saúde psíquica do trabalhador.

Em virtude da característica multifatorial, consoante clareado em momento anterior, deduz-se a possibilidade de o trabalho ou o ambiente de trabalho a que uma pessoa esteja submetida acabarem gerando ou desencadeando um transtorno depressivo. Importante esclarecer que, por isso, muitas vezes, o indivíduo pode apresentar problemas causados por fatores diversos e o trabalho venha a influenciar como uma causa somada na formação da enfermidade.

A maneira como o trabalho influenciaria no quadro depressivo é o que será analisado a partir de agora. Para este estudo se tornar possível, imprescindível expor um histórico das condições laborais e do modo como o empregado foi sendo tratado até os dias atuais, a fim de fazer uma ligação entre a doença mental e o desempenho das atividades profissionais.

É necessário um olhar crítico sobre as relações de emprego, visto que existe um histórico de desvalorização do trabalho, com práticas abusivas do empregador em face do empregado. Importante mencionar, ainda, que esses abusos, muitas vezes, não se referem apenas ao desrespeito de direitos especificamente do trabalhador na relação de emprego, mas ao desrespeito de direitos inerentes à sua própria condição como ser humano, os “direitos constitucionais inespecíficos”, que serão tratados adiante. Assim, pode ocorrer que não seja violado um direito exclusivamente trabalhista (como os direitos fundamentais sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988) na relação de emprego, mas um direito fundamental à igualdade ou à intimidade, por exemplo, o que também causará danos ao empregado.


Duas diretrizes traçam essa pesquisa: a saúde, vista pelo seu caráter mais subjetivo enquanto saúde mental, e o trabalho. A boa relação entre ambas faria o trabalho cumprir com muitas de suas funções, inclusive sociais, econômicas, financeiras e satisfatórias do próprio indivíduo que executa a atividade laborativa.

No entanto, essa simultaneidade entre saúde e trabalho não condiz com a história das relações empregatícias. O que se verificou, e será demonstrado, foi a prevalência do lucro em desfavor do trabalhador. Geralmente, as formas mais rentáveis de desenvolvimento eram (e ainda são) aquelas que detinham a mão-de-obra mais barata, pois a noção de empregado saudável não era uma preocupação latente.

Conforme descrevem os autores Irany Ferrari, Amauri Mascaro Nascimento e Ives Gandra da Silva Martins Filho, o trabalho é considerado historicamente como uma forma de castigo. Os autores explicam que “escravos e servos, historicamente sucedidos, eram os que podiam dedicar-se ao trabalho que, nas origens, foram sempre pesados”. (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 1998, p. 13-14)

Os escravos eram obtidos de diversas formas. Inicialmente (levando-se em conta aqui a escravidão no contexto mundial, pois no Brasil a escravidão ocorreu em momento posterior e de um modo bem distinto da escravidão ora estudada), os vencedores devoravam seus adversários nas guerras como forma de subjugá-los. Posteriormente, os vencedores perceberam ser mais produtivo tomá-los para si como objetos apoderados em razão da vitória podendo colocá-los, dessa forma, para trabalhar sem maiores despesas. Além disso, a escravidão era transmitida de pai para filho, o que acarretava ainda mais benefícios, tendo em vista que os escravos geravam descendentes. (CAMINO, 2003, p. 27)

Nesse sentido, Ipojucan Demetrius Vecchi explica que a escravidão resultou das guerras entre povos, sendo que os vencidos se tornavam escravos. Assim, a escravidão utilizada pelos grandes Impérios teria sido a primeira forma de opressão visível na relação laboral, visto que o trabalhador era objeto de direito e não sujeito. Até existiam algumas leis, como o Código de Hamurabi, segundo o autor, porém eram exceções. A escravidão perdurou por muitos séculos na Antiguidade. (VECCHI, 2007a, p. 18)

É importante referir que a escravidão, ainda no âmbito mundial, abarcava tanto serviços em que se exigia o uso da força como também funções intelectuais, artísticas ou científicas, conforme ilustra Carmen Camino.[23] Inclusive a autora menciona que existiam escravos, especialmente na Grécia, que possuíam apreço de seus amos e reconhecimento. Ela ainda refere a existência de trabalhadores livres na Antiguidade, como camponeses, artesãos e operários, mas que, pelas condições miseráveis em que viviam, muitas vezes, acabavam vendendo os próprios filhos como escravos. (CAMINO, 2003, p. 28)

Desse período, também, é importante mencionar o fato de que os escravos não obtinham contraprestações pelo serviço que executavam. Camino explica que “ao trabalhador escravizado, não se permitia o desfrute de qualquer resultado do seu labor, todo ele destinado ao dono”. O labor não possuía a característica de ser voluntário, pois a escravidão tornava o homem como simples “objeto de direito, supostamente sem vontade”.[24] (CAMINO, 2003, p. 28)

No período Medieval, iniciado no século V, ocorreram alterações nas relações de trabalho significativas, de acordo com o que explica a autora, pois se manifestaram fortemente a Igreja, o feudalismo e as corporações de ofício. Ela salienta que os feudos eram propriedades privadas, originadas pelo pacto entre “os reis dos povos bárbaros e a nobreza romana, dando origem à vassalagem”. Assim, os senhores feudais possuíam a terra e todos os privilégios advindos dela. (CAMINO, 2003, p. 29)

Camino esclarece que os trabalhadores dos feudos – os servos – diferiam dos escravos por não serem considerados “coisas”, ainda que não fossem livres. Ademais, acrescenta que, mesmo pobres e subjugados a muitas limitações, possuíam algumas parcas prerrogativas, como “uso dos pastos, herança de objetos pessoais e animais, geralmente absorvidos pelos impostos abusivos que pagavam aos seus senhores”. Eles tinham algumas características semelhantes aos escravos; por serem objetos de transferências, especialmente nas guerras, eram alterados de localidade.  (CAMINO, 2003, p. 29)

As corporações de ofício, por outro lado, representavam o trabalho fora dos feudos, ou seja, eram organizações urbanas as quais originaram, posteriormente, a burguesia. Elas eram organizadas de forma muito rígida, sendo formadas pelos seguintes membros: mestres, companheiros e aprendizes. Os mestres detinham todo o controle e autoridade sobre os demais, que somente tinham esperança, sempre defraudada, de atingir a hierarquia superior. Ela também afirma que se deu nas corporações de ofícios o surgimento das primeiras expressões sobre o conflito entre classes, na busca por melhorias na relação de trabalho.[25] (CAMINO, 2003, p. 30)

Após essa época feudal, que não conseguia mais atender às exigências da sociedade, precisando de um centro de poder, especialmente militar, formou-se o Estado Absolutista. Vecchi refere, também, que o Estado Absolutista facilitou a concentração de capitais, inclusive de grupos produtivos, que enriqueceram nessa fase. Porém, o Absolutismo impedia a ampliação desses grupos, especialmente da burguesia. Foi assim que aumentou o desejo por um Estado Liberal, originado com a Revolução Francesa.[26] (VECCHI, 2007a, p. 24-25)

Depois disso, ocorreu que as idéias liberais vindas com a Revolução Francesa e propiciadas pela Revolução Industrial, período em que foi criada a máquina a vapor (1812) e aperfeiçoada por James Watt (1948), acarretaram modificações, mais uma vez, na relação laboral, consoante explica Carmen Camino, pois “surgiram as grandes concentrações de operários, nasceram os primeiros centros industriais, formando terreno propício à expansão do capitalismo emergente à época dos grandes descobrimentos, favorecido pelas ideias liberais da Revolução Francesa de 1789”. (CAMINO, 2003, p. 31)

Em virtude do liberalismo, o Estado não intervinha nas relações econômicas e de trabalho. Conforme expressa Sérgio Pinto Martins, a partir dos novos meios de produção, foi necessário utilizar menos pessoas, gerando desemprego no campo. Sendo assim, o trabalho manual foi sendo deslocado para as máquinas. Nesse âmbito, segundo o autor, apareceu o trabalho assalariado, pois era preciso gente para operar essas máquinas – têxteis e a vapor. Nesse momento, surgiram motivos para os trabalhadores se associarem, reclamando condições mais dignas de trabalho, salários, jornadas de labor, visto que o executavam por 12, 14 ou 16 horas por dia, e também em face do abuso de mulheres e crianças, os quais trabalhavam mais, por menores contraprestações. (MARTINS, 2005, p. 40)

Como se percebe, o empregador desta época, visando ao lucro até as últimas consequências, obtinha o máximo do trabalhador, pagando-lhe valores ínfimos e sem preocupação com os efeitos que as parcas condições de trabalho aliadas aos baixos salários poderiam gerar para a saúde e, evidentemente, para a qualidade do serviço.

Martins ainda expõe que, com a criação da máquina a vapor, aumentaram o número de indústrias que utilizavam o carvão. Nesse tipo de trabalho, o empregado estava submetido a todo tipo de inclemência do tempo sem a devida proteção, como por exemplo: incêndios, alagamentos, contaminações com gases, desabamentos, exercendo atividades por longos períodos (bem acima de oito horas) por baixíssimos pagamentos. O local de trabalho, por isso, era fonte geradora de diversas doenças, como tuberculose e pneumonia em virtude da umidade, bem como fartos acidentes de trabalho. Os contratos de trabalho geralmente eram feitos de forma que o trabalhador ficava atrelado até o final da vida (vitaliciedade) e, muitas vezes, eram negociados juntamente aos filhos. (MARTINS, 2005, p. 40)

De acordo com o que menciona René Mendes, dentre os choques sociais ocorridos, ficam salientados aqueles que se referem à saúde dos empregados. O autor explica que as condições penosas, os demasiados horários a que eram submetidos, bem como ambientes sem proteção ou comodidade acabaram gerando sérios prejuízos à saúde desses trabalhadores. Segundo Mendes, “toda sorte de acidentes graves, mutilantes e fatais, como intoxicações agudas e outros agravos à saúde, impactaram os trabalhadores, incluindo crianças de cinco, seis ou sete anos, e mulheres”, sendo que crianças e mulheres eram os prediletos – como fora referido antes, pois a eles era possível o pagamento de menores remunerações. (MENDES, 2007, p. 13)

Nesse momento histórico de choque à saúde do trabalhador, Orlando Gomes e Elson Gottschalk, referem que o grupo de trabalhadores, identificando sua situação de vida semelhante, sendo expostos a degradantes condições de trabalho, começaram a se unir numa “consciência de classe”. A união dos trabalhadores firmava-se na ideia de que a força do grupo era maior na luta contra a parte antagônica. Os autores afirmam que pessoas com condições de vida parecidas “tendem sempre ao associacionismo, e com tanto mais força atrativa quanto mais precária sejam suas condições de existência”. (GOMES; GOTTSCHALK, 2008, p. 2)

Carmen Camino refere, neste contexto, que:

No falso pressuposto da igualdade entre os homens e conseqüente liberdade para contratar, os trabalhadores foram explorados à exaustão e submetidos a condição aviltante. A desigualdade econômica, ignorada pelo Estado absenteísta, inspirada nos princípios do laisser faire, laisser passer, do “que é contratual e justo”, gerou situação de miséria sem precedentes para a classe operária que, explorada e faminta, iniciou movimento ascendente de grandes proporções, impulsionadas pelo sentimento de solidariedade que é próprio dos oprimidos. (CAMINO, 2003, p. 31)



Orlando Gomes e Elson Gottschalk explicam, também seguindo o contexto assinalado por Carmen Camino, que a “consciência de classe”, a qual se unira para lutar por seus direitos, era tamanha, que “contra ela não puderam prevalecer nem a coação da lei penal, nem a ganância do capitalismo desenfreado, nem os famosos princípios do individualismo jurídico”. (GOMES; GOTTSCHALK, 2008, p. 2)

A evolução do trabalho até a Revolução Industrial, evidenciada aqui de maneira sucinta, demonstra extremo abuso por parte daqueles que retiravam a força de trabalho das pessoas que dependiam desse labor para se manterem vivas. Pode-se concluir que inexistia preocupação com a saúde, visto que tanto no período de escravidão quanto na Revolução Industrial – períodos em que a exploração do trabalhador parece ser mais visível – os trabalhadores eram expostos a um tempo de serviço exaustivo e condições precárias, devendo, mesmo assim, completar a demanda de trabalho intentada pelo “empregador”. Obviamente, os prejuízos acabaram aparecendo, doenças específicas de cada trabalho, mas também doenças inerentes ao próprio descuido daquele que retirava o serviço. De qualquer modo, é possível estabelecer um liame entre este passado de exploração e o aparecimento de doenças.


A evolução dos meios de trabalho, com o surgimento de novas tecnologias, assim como o surgimento de leis protetivas ao trabalhador, não foi suficiente para elidir os problemas graves que ainda ocorrem nas relações empregatícias. Alguns desses problemas não diferem muito daqueles que existiam no início de tudo, podendo se afirmar que persistem verdadeiras relações de escravidão, além de outros problemas surgidos – ou pelo menos justificados – pelo próprio progresso.

 Sob o aspecto político, deve-se esclarecer que, conforme explica Vecchi, estamos vivendo uma época de globalização neoliberal. Sendo assim, a intromissão do Estado nas questões econômicas diminuiu, a fim de dar espaço ao mercado para regular a economia. Esse sistema tem gerado consequências, segundo esclarece o autor, como a globalização e a “financeirização” da macroeconomia, a globalização dos meios de comunicação e mão-de-obra, o desaparecimento da soberania dos Estados e a reorganização do sistema de produção. (VECCHI, 2007a, p. 42-50)

Essas alterações decorrentes da globalização acabam por trazer modificações diretas nas relações de trabalho. Isso porque, conforme Amauri Mascaro Nascimento, com o sistema neoliberal se produz mais, participando um menor número de pessoas. Nesse sentido, a tecnologia acaba demonstrando sua face prejudicial. Entre os prejuízos advindos da evolução tecnológica, o autor arrola a troca do trabalho exercido pelas pessoas por programas de computadores, a dispensabilidade da utilização de grandes contingentes de trabalhadores, pois é possível exercer essas atividades com a redução de 25% a 30% da energia laboral usada, a informatização e robotização dos meios de produção, o crescimento do desemprego, o aumento do trabalho na forma de serviços em maior escala do que a industrial e os novos cargos e ocupações.[27] (NASCIMENTO, 2001, p. 43)

Como se percebe, é explicável o aumento das doenças de caráter psicológico, tendo em vista as próprias alterações quanto às formas de execução de trabalho. Antes, massas de trabalhadores, utilizando força física, eram necessárias para cobrir o volume de trabalho. Atualmente, menos empregados, embora sobrecarregados, concretizam o serviço, contudo, utilizando meios diferentes. Isso se deve, também, à alteração do sistema produtivo do tipo taylorista/fordista para o modelo toyotista[28], conforme esclarece Vecchi. O autor menciona, ainda, que a modificação para esse sistema, aliada à revolução tecnológica e diminuição de proteções aos trabalhadores têm gerado desemprego, decréscimo na qualidade de vida de enorme quantidade de pessoas. Vecchi refere que não há somente violação do trabalhador considerado em seu contexto social, mas também é ferida a dignidade enquanto ser humano e que “a conseqüência de tudo isso é o surgimento de “flexibilização”, com nítido caráter neoliberal.” (VECCHI, 2007a, p. 50-51)

Outras alterações para o mundo do trabalho ocorreram a partir desses novos sistemas. Como destaca Ricardo Antunes, ocorreu uma “desproletarização do trabalho industrial fabril” nos países mais capitalistas e em menor escala nos países de Terceiro Mundo. Ademais, salienta que houve uma minoração do trabalho operário comum, mas aumentou o trabalho assalariado de serviços, havendo também aumento do sexo feminino no trabalho operário e uma “subproletarização” intensa, com aumento do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado e terceirizado. (ANTUNES, 1999, p. 41)

Nessas circunstâncias, percebe-se que, em alguns setores, em virtude de determinadas mudanças tecnológicas e sociais, o desgaste físico do trabalhador acabou sendo deslocado para o cérebro, conforme sugere Sebastião Geraldo de Oliveira. (OLIVEIRA, 2002, p. 190)

No entanto, conforme salientado acima, especialmente nos países subdesenvolvidos e atingindo a população mais pobre, o trabalho é exercido de forma precária, com grande porcentagem de trabalhadores informais, inclusive com altos índices de trabalho forçado, e no Brasil, com a forte presença de trabalho escravo, conforme menciona Vecchi, citando dados, respectivamente, da Organização Internacional do Trabalho, do ano de 2005, e da Comissão Pastoral da Terra, do ano de 2006. (VECCHI, 2007a, p. 54-55)

Sobre a flexibilização merece ser feita uma maior análise, visto que ela também exerce efeitos sobre o trabalhador. Conforme explica Nascimento, o direito do trabalho hoje sofre uma divergência com relação à ideia protecionista aos trabalhadores, tida como demasiada e prejudicial ao crescimento da economia, e a reformista, a favor da flexibilização da legislação defensora do empregado. (NASCIMENTO, 2005, p. 60)

Uma das causas para essa divergência é o crescimento do desemprego. Mascaro Nascimento afirma que o desemprego vem sendo elevado em virtude do aumento do número de máquinas que substituem o trabalho humano. De acordo com o autor, “o trabalho está sendo sistematicamente eliminado do processo de produção para ceder lugar a máquinas inteligentes em incontáveis tarefas e nos mais diferentes setores, inclusive agricultura, indústria e comércio”.[29] (NASCIMENTO, 2005, p. 44)

Em virtude do desemprego, de acordo com Mascaro Nascimento, existem pensadores que defendem a diminuição dos níveis de proteção ao trabalhador, visto que os empregadores contratariam muito mais, se não estivessem vinculados a grandes obrigações trabalhistas. (NASCIMENTO, 2005, p. 48)

Embora exista a corrente defensiva da flexibilização, Vecchi explica que ela acaba por precarizar as relações laborais, mas sua aplicabilidade é sustentada sob o pretexto da “modernização” e “competição”, fundamentos que não têm outra intenção senão a de esconder os reais objetivos de flexibilizar: obter mais lucro. (VECCHI, 2007a, p. 61)

Outro aspecto abordado por Vecchi diz respeito à desconsideração dos direitos fundamentais do trabalhador, a partir do momento em que entra no ambiente laboral. É como se ele retirasse sua condição de ser humano para virar tão-somente (e de forma apartada) trabalhador. (VECCHI, 2007a, p. 63)

Hoje, mais um fator em expansão, que será melhor analisado em momento posterior, é capaz de ensejar disfunções de ordem psíquica no empregado: o assédio moral. Conforme explica Cristiane Ribeiro da Silva: “A vítima de assédio moral no trabalho pode passar a sofrer de doenças psicossomáticas, como distúrbios alimentares e do sono, aumento da pressão arterial, depressão, insegurança, podendo chegar à morte, inclusive por suicídio”.[30] (SILVA, C., 2007, p. 83)

Relacionado a isso, é válido proceder alguns esclarecimentos. O empregador exerce um poder de direção sobre o empregado, que está atrelado a um elemento essencial da relação empregatícia: a subordinação. (NASCIMENTO, 2001, p. 203)

Entretanto, deve-se ter em mente que este poder diretivo não é ilimitado. De acordo com Márcia Novaes Guedes, “o trabalho – porque comporta relações de poder e submissão – torna a empresa o teatro perfeito para o psicoterror”. Ou seja, um ambiente que permita essas práticas acaba envolvendo os demais indivíduos no trabalho, que embora não sejam perversos, acabam se acostumando com a situação, a ponto de não se revoltar mais contra elas. A autora também menciona que “o estresse coletivo que ataca o grupo, cuja empresa adota a chamada administração por estresse, torna-o intolerante para com certas limitações humanas, possibilitando alianças repugnantes entre o agressor e outros membros do grupo”. Acaba ocorrendo uma “banalização da maldade” no ambiente de trabalho. (GUEDES, 2005, p. 58)

Ademais, acaba sendo integrante da concepção econômico-produtiva acreditar que o desemprego e a exclusão social são circunstâncias contra as quais não se pode lutar.  Sendo assim, as pessoas creem que o mundo pertence aos que conseguem suportar – aos mais fortes, e tornam-se pacíficas à humilhação, sem apresentar reação. Guedes ressalta, assim, que “populações inteiras consentem no mal e na banalização da injustiça social, inclusive realizando o trabalho “sujo” sem se indignar”. (GUEDES, 2005, p. 82)

Como se percebe, acaba havendo uma aceitação da humilhação e da perversidade no ambiente laboral. Essas situações também são bem expressas pela jornalista Barbara Ehrenreic, no livro Miséria à Americana, no qual ela passa a realizar atividades laborais exercidas pela população mais pobre nos Estados Unidos, como faxineira, garçonete, entre outros. No livro, ela demonstra várias situações humilhantes, além das baixas remunerações. Em algumas passagens, ela demonstra bem o espírito de aceitação das humilhações: os administradores das empresas deixavam moedas à vista dos empregados, a fim de que alguma câmera pudesse “flagrar” um eventual furto; eram proibidas conversas no ambiente de trabalho, a fim de evitar a propagação de fofocas e bolsas dos empregados e daqueles indivíduos que queriam ser admitidos eram revistadas sob pretexto de evitar incidentes com drogas; a autora refere, inclusive, que numa ocasião, em que exercia atividade de garçonete, acabava limpando mesas, pois havia repreensões a empregados “ociosos”. (EHRENREIC, 2004, p. 34-118)

Por certo que essas situações propiciadas no ambiente laboral violam a qualidade de vida dos trabalhadores, os quais acabam diretamente submetidos ao sistema. A saúde é restringida e, especialmente, quanto à saúde mental, Barbosa Garcia refere:

Efetivamente, quando a saúde psíquica, mental e psicológica da pessoa é afetada, essencialmente em razão de sua involuntária exposição a perniciosas formas de organização do trabalho, causando-lhe intensa dor, ansiedade, agonia e aflição, eclodindo em sério quadro depressivo,6 na verdade, está-se diante de evidente doença de ordem psíquico-social, mas que, ao mesmo tempo é doença ocupacional. (GARCIA, 2008, p. 97)

           

Portanto, não é possível dizer que inexiste ligação entre determinados trabalhos ou o modo como são realizados com doenças psíquicas. O próprio histórico das relações de trabalho demonstra o sofrimento físico, mas também o desgaste psíquico emanado das mudanças advindas da tecnologia e das próprias “relações de poder”. Atualmente, é muito mais fácil falar sobre doenças psíquicas, o que não quer dizer que elas não tenham aparecido em outros momentos. O fato é que, com a modernização, sua presença fica muito mais escancarada, embora a escravidão de grandes contingentes de pessoas ainda fique disfarçada sobre a denominação de trabalho. São as contradições que têm designado o tempo presente e a busca deve ser inclinada para eliminá-las.































2 A evolução da proteção à saúde dos trabalhadores e a sua importância como direito fundamental

A proteção à saúde do trabalhador e ao seu meio ambiente de trabalho passou por muitas fases. Em alguns locais e ocasiões da história, essa proteção nem ao menos existiu. Neste momento de nossa pesquisa, torna-se necessário verificar a evolução dos direitos relativos à saúde do obreiro, tanto no âmbito internacional, demonstrando como as pesquisas sobre saúde se iniciaram, quanto à evolução existente no Brasil, pois, é no contexto nacional que visamos verificar se o trabalho poderá ser considerado causa da depressão, a fim de que seja possível seu reconhecimento como doença laboral.

Além do aspecto histórico, importantíssimo para análise da questão na atualidade, é imprescindível uma análise aprofundada da nossa Constituição Federal de 1988, pois nacionalmente, ela é o marco do conceito integral de saúde (físico, social e mental), inserindo-a como um direito fundamental do ser humano e, por isso, do trabalhador. Adentrando nesse conceito de saúde, percebe-se que ele decorre de outros preceitos constitucionais, como o princípio da dignidade da pessoa humana e, no contexto das normas infraconstitucionais, relaciona-se com princípios do Direito do Trabalho, como o princípio da proteção.

Porém, após tantos progressos, ainda é de se notar o descaso quando se fala em saúde, especialmente a saúde mental, na prática, pois vê-se uma grande quantidade de atividades laborativas que ignoram o mínimo de dignidade ao ser humano e desprezam a legislação que muito custou para ser conquistada. A luta, portanto, é pela efetividade das normas, com base especialmente na nossa Carta Magna e nos princípios norteadores de todo o ordenamento jurídico. Em razão disso, será efetuada, também, uma análise sobre os principais agentes nocivos à saúde psíquica do trabalhador.


Para verificar a possibilidade de considerar a depressão como doença do trabalho, é preciso conhecer a evolução dos direitos relativos à saúde do trabalhador. Isso porque, analisando o quanto a legislação de proteção ao obreiro e seu ambiente laboral progrediram, além do nível em que se encontra contemporaneamente, é que se encontrarão as bases para reconhecer que as condições de trabalho podem ocasionar uma doença psíquica.

Somente a análise da evolução histórica demonstra que o conceito de saúde já foi considerado apenas sob o aspecto físico, havendo muito estudo para demonstrar que a saúde também engloba o contexto social e o aspecto da saúde mental. Não foi em vão, por isso, que o direito à saúde veio a ser considerado um direito fundamental por nossa Constituição Federal de 1988. Porém, não se pode desprezar o conjunto de transformações que foram ocorrendo ao longo do tempo, bem como a atuação do próprio trabalhador, através das suas reivindicações, no que diz respeito à saúde e meio ambiente de trabalho saudável.

Pois bem, inicialmente, deve-se dizer que, na Idade Antiga, praticamente inexistia a preocupação com a saúde do obreiro. Conforme explica René Mendes, “é compreensível o desinteresse reinante pelo tema saúde-trabalho nos Impérios dominantes, uma vez que os trabalhos mais pesados ou de mais elevado risco eram destinados a escravos, comumente oriundos das nações subjugadas (...)”. (MENDES, 2007, p. 5)

Mesmo existindo alguns estudos no Período Clássico[31], é perceptível a inexistência de interesse em pesquisas aprofundadas sobre a ligação entre doença e trabalho. O médico seguia o rumo do contexto social, o qual, nessa época, era o escravagista. Passando deste período, pode-se dizer que a Idade Média foi uma época de grandes alterações de tecnologia, mas com a permanência de muitas das funções perigosas, sem haver melhoramento quanto à defesa da saúde do obreiro. (MENDES, 2007, p. 6)

Contudo, Mendes afirma que o final do século XVII pode ser reconhecido como um grande marco em relação aos estudos das doenças ligadas ao trabalho. Isso porque o italiano Bernardino Ramazzini (1633-1714), médico e também professor de Medicina, no ano de 1700, publicou o “De Morbis Artificum Diatriba” (Tratados sobre as Doenças dos Trabalhadores). Este livro é considerado o primeiro tratado concluído sobre enfermidades ligadas ao labor, sendo referencial até a Revolução Industrial. Esta é reputada como a mais importante de suas obras e lhe conferiu o título de “Pai da Medicina do Trabalho”. Ainda que boas obras tenham sido feitas até este tratado, elas faziam alusões ocasionais aos problemas, que eram analisados isoladamente. Como explica Mendes, “Ramazzini estudou os riscos ocupacionais e as doenças associadas a mais de 50 profissões”. (MENDES, 2007, p. 9)

Sobre as contribuições trazidas por Ramazzini, pode-se destacar a sua preocupação com uma classe posta à parte da medicina: a dos operários. O autor também tinha uma concepção relacionada à “determinação social da doença”. Ele referia a importância de se fazer um estudo sobre a saúde de determinado grupo de indivíduos, levando em conta suas condições de vida, caracterizadas pela sua situação social.[32] (MENDES, 2007, p. 11)

A Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVIII na Inglaterra, então, trouxe novos problemas quanto ao tema saúde-trabalho. Conforme mencionado no capítulo anterior, houve aumento dos lucros e consolidação do capitalismo e, de outro lado, da pobreza, das doenças e mutilações no ambiente laboral. Nesse período, a utilização da máquina a vapor passou a ser considerada de relevância, especialmente para os ingleses. (OLIVEIRA, 2002, p. 62-63)

A partir dessas mudanças, o empregador também acabou fazendo alterações no que concerne à prestação dos serviços pelos trabalhadores. Karl Marx, em sua obra “O Capital”, expõe que, com a vinda das máquinas, já não se exigia a exclusiva força braçal para as funções executadas na fábrica. Por isso, era normal a contratação de mulheres e crianças, cuja mão-de-obra acabava sendo mais lucrativa. Ao invés de a máquina substituir trabalho e empregados, sua chegada acabou virando uma forma de estender o número de trabalhadores nas fábricas e, segundo Marx, “colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e idade, sob o domínio direto do capital”. O trabalho das crianças nas indústrias, para servir ao capital, substituiu o trabalho descomprometido que elas realizavam anteriormente, na própria residência, junto aos pais. (MARX, 2004, p. 451)

Dessa forma, o valor dado ao trabalho durante o período da Revolução Industrial não era mais medido individualmente, por empregado adulto, mas sim, pela quantia que se precisava para manter a família. Para esclarecer melhor, ocorria que o valor da força de trabalho para cada um diminuiu, na medida em que, embora todos os membros da família tivessem que contribuir com sua força laboral, independente de serem mulheres, crianças ou homens adultos, a contraprestação pelo serviço passou a levar em conta a família e não a pessoa individualizada. Ainda que a contratação da família toda custasse mais do que um homem adulto sozinho custaria o valor do pagamento pelo empregador decaiu, pois, a partir de então, a família toda, além do trabalho normal, tinha que desempenhar trabalho excedente para manter o grupo. Ao invés do trabalho excedente de uma pessoa, havia o trabalho excedente de todo o grupo familiar. (MARX, 2004, p. 452)

Marx refere, também, entre outras delineações, sobre as jornadas exaustivas de trabalho a que os assalariados eram submetidos. Nesse contexto, em razão das fortes pressões dos trabalhadores que conviviam com estas degradantes condições, acabaram ocorrendo ações do Estado. Deve-se salientar que, mesmo quando houve a diminuição da jornada, o empregador capitalista continuou a retirar o máximo do trabalhador, intensificando o horário de trabalho, exigindo o aumento de produtividade. (MARX, 2004, p. 467)

Entre as ações do Estado, perante as exigências de melhoras nesta questão, deve-se dizer que foi aprovada pelo Parlamento Britânico, em 1802, dirigido por Robert Peel, a Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes. Esta lei limitou o trabalho diário para 12 horas, obstou o trabalho noturno, impôs a lavagem das paredes dos locais de trabalho duas vezes por ano, assim como a sua ventilação. (NOGUEIRA apud OLIVEIRA, 2002, p. 63)

No ano de 1830, nesta sequência, o médico Robert Becker foi contratado por Robert Dernham, dono de uma fábrica têxtil, a fim de auxiliá-lo com a péssima situação de saúde de seus empregados. Becker sugeriu que Dernham colocasse um médico dentro da indústria com a função de analisar as consequências do trabalho sobre os empregados, verificar formas de prevenção e aplicá-las. Assim, caso um dia o dono da fábrica fosse contestado sobre a saúde de seus trabalhadores, poderia alegar a autoridade que deu ao médico para tratar desta questão na sua empresa. Dernham contratou Becker para ser o médico na sua indústria, sendo este considerado o primeiro serviço de medicina do trabalho. (MENDES; DIAS, 1991, p. 341-342)

Em 1833, foi expedido o “Factory Act, 1833”, na Inglaterra, onde o capitalismo havia se consolidado, com normas que estipulavam limites diários e semanais de trabalho, idade mínima para início da atividade laboral (nove anos), entre outras medidas. (OLIVEIRA, 2002, p. 64)

A Encíclica[33] do Papa Leão XIII, “De Rerum Novarum”, de 1891, contribuiu para que os legisladores se inclinassem na realização de melhorias no amparo à saúde do trabalhador. Nela, fica clara a oposição em relação a abusos do empregador, como a determinação de trabalhos indignos ou desonrosos do ser humano e o trabalho além dos limites suportáveis pela idade e sexo da pessoa. (OLIVEIRA, 2002, p. 64-65)

Em 1917, no México, foi promulgada a Constituição pioneira nas disposições sobre direito do trabalho. Ela regulou a jornada de trabalho para oito horas diárias, jornada noturna de, no máximo, sete horas, vedação de trabalho para pessoas com idade inferior a 12 anos, previu o máximo de seis horas para trabalhadores com menos de 16 anos, salário mínimo, proteção à maternidade, proteção em face de acidentes laborais, entre outras previsões. Em 1919, então, foi promulgada a segunda Constituição a dispor sobre direito do trabalho, a Constituição de Weimar (Constituição Alemã), tida como um dos pilares das democracias sociais. Entre outras prerrogativas, Nascimento explica que esta Constituição previu direito a um sistema de seguros sociais e cooperação entre empregados e empregadores na estipulação de salários e condições laborais. (NASCIMENTO, 2001, p. 40)

Ainda, em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, A Sociedade das Nações, na Conferência da Paz, criou a Organização Internacional do Trabalho – OIT – através do Tratado de Versalhes[34], baseado na Justiça social, com a intenção de padronizar temas trabalhistas.[35] (OLIVEIRA, 2002, p. 65)

Importante esclarecer que foi justamente na Alemanha que se iniciaram as primeiras leis sobre acidentes do trabalho, ainda em 1884. (OLIVEIRA, 2002, p. 65)

Oliveira menciona que a evolução da proteção à saúde do trabalhador pode ser dividida em quatro etapas: etapa da medicina do trabalho (iniciada por volta de 1830); etapa da saúde ocupacional (iniciada mais ou menos em 1950); etapa da saúde do trabalhador (que começou aproximadamente em 1970) e etapa da qualidade de vida do trabalhador (com início por volta de 1985). (OLIVEIRA, 2002, p. 67)

A primeira etapa retrata a época em que existiam meros “atendimentos” aos trabalhadores enfermos e não análises de elementos geradores da doença. Nessa etapa, portanto, ocorria a centralização mais no médico do que no trabalhador, visto que a proteção significava mais a ida do médico ao local de trabalho do que a preocupação efetiva com relação entre trabalho e saúde. Inclusive, conforme referido anteriormente, quando Robert Dernham contratou o médico Robert Becker, a maior preocupação era impor ao médico a responsabilização por quaisquer prejuízos provocados sobre o trabalhador, livrando o empregador de tais consequências. (OLIVEIRA, 2002, p. 67)

A etapa da saúde ocupacional teve suas bases formadas após a Segunda Guerra Mundial. A Organização das Nações Unidas – ONU foi criada em 1945 e, no ano seguinte, em 1946, foi criada a Organização Mundial da Saúde – OMS – assentando um novo conceito de saúde, não apenas referida como ausência de alguma enfermidade, mas como sendo “o completo bem-estar físico, mental e social”. Em 1948, também, é aprovada a Declaração dos Direitos Humanos, enaltecendo o direito à vida, à liberdade e à dignidade humana. A partir dessas novas ideias, verificou-se ser indispensável agir nas causas das doenças e acidentes, não só com a colaboração do médico, mas de profissionais peritos em outros campos, gerando multidisciplinaridade de atuações.[36] (OLIVEIRA, 2002, p. 67-70)

Esta fase acabou não conseguindo atingir a todos os seus objetivos, persistindo grande quantidade de acidentes no trabalho. Contudo, na década de 1970, para mudar essa situação, o trabalhador passa a reivindicar melhores condições de trabalho, iniciando a etapa da saúde do trabalhador. Nas etapas anteriores, ele observava passivamente os atos, no entanto, sem agir e, nesse momento, surge atuante. (OLIVEIRA, 2002, p. 72-73)

Esclareça-se que a fase da saúde do trabalhador, no Brasil, somente veio com a Constituição Federal de 1988.[37] Porém, atualmente, pensa-se numa nova etapa: a da qualidade de vida do trabalhador. Nesse estágio, entende-se que não pode haver saúde no trabalho se o trabalhador não tiver uma qualidade de vida dentro e fora do trabalho. Consoante explica Oliveira: “não se pode isolar o homem-trabalhador do homem-social, como se o trabalhador pudesse deixar no portão de entrada da empresa toda sua história pessoal, ou se na saída retirasse do corpo físico e mental toda a carga de significado imposta pelo dia de trabalho”.[38] Quanto a este aspecto, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 dá amparo para esta evolução. (OLIVEIRA, 2002, p. 78)

Especificamente quanto ao Brasil, passamos a mencionar como aconteceu a evolução dos direitos referentes à proteção à saúde dos obreiros. A Constituição Imperial de 1824 e a Constituição Republicana de 1831 seguiam os conceitos políticos e econômicos daquele momento histórico, em que o Estado não deveria intervir no âmbito dos particulares, ou até impor normas sobre proteção aos obreiros. Utilizava-se, na época, a expressão “laissez faire, laissez aller”, sendo que o legislador não atentava para o trabalhador, considerado mero objeto laboral. Assim, a defesa ao trabalhador não constava nas duas primeiras Constituições do Brasil. (MORAES, 2002, p. 45)

Só depois da Primeira Guerra Mundial é que os assuntos sociais começaram a fazer parte das matérias de Direito Constitucional, passando a constar no Direito Nacional, nas “Declarações das Cartas Políticas”, publicadas após 1918. (MORAES, 2002, p. 46)

Em 1923, por exemplo, foi promulgada a Lei Elói Chaves, prevendo aposentadorias e pensões para ferroviários e, neste ano também, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, e com a reforma constitucional de 1926, a competência para fazer leis sobre direito do trabalho passou ao Congresso Nacional. (VECCHI, 2007, p. 40)

A Constituição Republicana de 1934 passou a prever direitos dos trabalhadores, no Capítulo chamado “Da Ordem Econômica e Social”. Sendo assim, além da democracia política, a Carta Magna passou a conter também o aspecto de democracia econômica e social. (MORAES, 2002, p. 46)

Porém, pela curta duração, a Constituição de 1934 teve parco uso. A Constituição de 1937 (Estado Novo) obstou o direito de greve e sujeitou os sindicatos ao Estado. Nessa época, estabeleceu-se o salário mínimo e foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho, o Decreto-Lei n. 5.452 de maio de 1943. (VECCHI, 2007, p. 40)

A Constituição de 1946 acabou por conferir mais vantagens aos trabalhadores do que as anteriores. Nesta Constituição, observa-se organização constitucional com relação à defesa da saúde do trabalhador, com a proteção de direitos à higiene e segurança no meio ambiente do trabalho, direitos que constaram na Lei Maior de 1967, redefinidos na de 1969, de acordo com o artigo 165, inciso IX. (MORAES, 2002, p. 47)

Embora permanecendo certos direitos, a partir do Golpe Militar de 1964 e com a vinda da Constituição de 1967 e Emenda n. 1 de 1969, houve muitas restrições aos direitos laborais e um desígnio de impedir o progresso do direito coletivo, conservando sindicatos presos ao Estado. Um exemplo citado pelo autor é o “desmanche da estabilidade” extinta pela Lei do FGTS de 1966, com a facilitação da substituição de empregados, com menos gastos para o empregador. (VECCHI, 2007a, p. 40-41)

Na verdade, a grande modificação quanto à saúde do trabalhador brasileiro, como dissemos, foi inserida através da Constituição Federal de 1988, pois a partir daí a saúde passou a ser considerada um direito fundamental, não só do trabalhador como de todos os cidadãos. Por isso, Monica Maria Lauzid de Moraes esclarece que com a Carta Magna de 1988 há a “consagração máxima dos direitos sociais, através da garantia de dignidade da pessoa humana e da proteção da saúde e segurança no meio ambiente do trabalho”. (MORAES, 2002, p. 47)

Mas é importante salientar que o Brasil possui grandes disparidades em relação a esse tema. Embora exista legislação protegendo a saúde do trabalhador, ela fica mais numa promessa de proteção do que gera alguma efetividade. Em muitas regiões, constata-se, ainda, apenas citando como exemplo, a existência de trabalho escravo.[39] (OLIVEIRA, 2002, p. 84)

Fica claro, em face dessas afirmações que, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 mudou a definição de saúde no trabalho, garantindo-a como um direito fundamental, de forma expressamente salientada. No entanto, a batalha atual é para que esse direito fundamental seja realmente seguido e respeitado. A proteção cresceu, os direitos aumentaram, basta agora a efetivação das normas, para que, posteriormente, sejam possíveis ainda maiores progressos.



2.2 A saúde do trabalhador e o meio ambiente laboral saudável como direitos fundamentais do trabalhador

A partir de uma exposição histórica sobre saúde no trabalho, chegamos a um ponto crucial de nosso estudo: o direito à saúde como um direito fundamental do empregado. Importante esclarecer que nos deteremos mais aos preceitos constitucionais brasileiros por possuírem maior relevância para a pesquisa.

Como dito anteriormente, a Carta Magna de 1988 foi o marco de muitas alterações positivas na questão saúde-trabalho. Embora a legislação infraconstitucional muito tenha a se adequar ainda para efetivar os direitos previstos em nossa Lei Maior, com certeza, ela demonstra um progresso e preocupação com a proteção da integridade do trabalhador, baseada na definição ampla de saúde, defendendo um ambiente laboral saudável e respeito à dignidade do trabalhador.

Inicialmente, deve-se dizer que a saúde do trabalhador engloba o meio ambiente de trabalho saudável, o que é, de certo modo, evidente. Se o local onde ocorre o desempenho das funções laborativas não propiciar condições mínimas de saúde para um desenvolvimento de qualidade do trabalhador, a consequência será, possivelmente, a difusão de diversas enfermidades, conforme expresso em momento anterior.

Monica Maria Lauzid de Moraes explica a definição de meio ambiente do trabalho:

Meio ambiente do trabalho é o local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividade profissional em favor de uma atividade econômica. O trabalhador participa da atividade econômica em interação com os meios de produção e toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da prestação laboral. Ao conjunto do espaço físico (local da prestação de trabalho ou onde quer que se encontre o empregado, em função da atividade e à disposição do empregador) e às condições existentes no local de trabalho (ferramentas de trabalho, máquinas, equipamentos de proteção individual, temperatura, elementos químicos, etc. – meios de produção) nas quais se desenvolve a prestação laboral denominamos meio ambiente do trabalho. (MORAES, 2002, p. 25)



Pelo conceito acima, percebe-se que não é apenas o local onde ocorrem as atividades que se considera meio ambiente laboral, mas o conjunto de condições que é oferecido ao empregado. Como complementa Moraes, é o ambiente físico e todo conjunto de relações entre as pessoas no trabalho, o modo de se organizar, horários, turnos, critérios de remuneração, a probabilidade de evoluir no emprego, etc. (MORAES, 2002, p. 26)

O meio ambiente do trabalho contextualiza-se dentro do meio ambiente geral, conforme preceitua o artigo 200, VII, da Constituição Federal. De acordo com o referido artigo, compete ao sistema único de saúde, além de outras atribuições, colaborar na proteção do meio ambiente, compreendido nele o do trabalho. (OLIVEIRA, 2002, p. 129)

Nesta mesma linha segue o artigo 170, da nossa Carta Magna, o qual prevê que a ordem econômica, que se fundará na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por objetivo garantir a todos uma existência digna, observando uma série de princípios, constando no inciso VI a defesa do meio ambiente. No Título VIII da Constituição “Da Ordem Social”, no Capítulo VI “Do Meio Ambiente”, destaca-se o artigo 225, o qual refere que todos possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, obrigando o Poder Público e a coletividade a defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações. (BRASIL, Constituição Federal de 5 de outubro de 1988)

De acordo com o que bem expõe Moraes:

Dos princípios de valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana surge o direito ao meio ambiente do trabalho saudável que, por sua vez, decorre do próprio direito à proteção do meio ambiente geral (art. 225, caput, CF/88). Meio ambiente protegido é direito de todos, dentro de um sistema biológico equilibrado e sustentável, bem jurídico protegido pela Lei Maior. A qualidade de vida quer do homem no seu habitat natural, quer do empregado no seu meio ambiente do trabalho, começa pela proteção da própria saúde. Portanto, respeitar o meio ambiente geral (gênero) é elemento imprescindível para a proteção e segurança do meio ambiente do trabalho (espécie). (MORAES, 2002, p. 26-27)



Verifica-se, portanto, que o direito à proteção do meio ambiente laboral nasce a partir de princípios norteadores de nossa Constituição, sendo que este direito está englobado na definição do meio ambiente geral. Um direito decorre de outro, visando à integral defesa do obreiro. Nesse ponto, Moraes destaca que, quanto mais cresce a vontade de defender o meio ambiente geral, onde se inclui o meio ambiente do trabalho, nos termos do artigo 200, VII da Lei Maior, surge outra preocupação quanto ao que realmente ocorre nas relações de emprego, qual seja, “a efetividade das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador e sua relação com a qualidade de vida atual do trabalhador brasileiro”. (MORAES, 2002, p. 27)

Conforme afirma Oliveira, na presente época, “duas novas tendências estão ganhando espaço destacado: a preocupação com o meio ambiente vital e a busca de qualidade no sentido amplo”. Como já referido antes, é a busca, mesmo que ainda exígua, da etapa da qualidade de vida do trabalhador. É o que nos conduz o artigo 225 da Constituição Federal. (OLIVEIRA, 2002, p. 127-128)

Como esclarece Beatriz de Felippe Reis, a defesa do meio ambiente laboral saudável “é um direito constitucional fundamental, tendo como objeto jurídico a saúde e segurança do homem trabalhador, a fim de que este possa desfrutar de uma vida com qualidade, salvaguardando-o das formas de degradação e poluição da vida”. (REIS, 2009, p. 54)

Ricardo Luiz Lorenzetti explica que “os direitos fundamentais nasceram no mundo jurídico com a conotação de universalidade”, expressando sua característica de neutralidade. Isso quer dizer que não importam ideologias, fé religiosas, nacionalidade, porque para adquiri-los é suficiente ser sujeito de Direito. (LORENZETTI, 1998, p. 151)

Sobre o tema, Oliveira bem esclarece que:

Aquele que não considerar os princípios constitucionais estará lidando apenas na periferia do Direito, ignorando as íntimas conexões do ramo específico com seu tronco de sustentação, sua causa primeira. Avistando o continente sem captar o conteúdo, atento ao detalhe mais distraído do conjunto, não perceberá a irradiação da seiva tonificante, transitando do núcleo constitucional para abastecer e vitalizar toda a extensão que a ciência jurídica abarca. (OLIVEIRA, 2002, p. 126)



Verifica-se que, desconsiderando os preceitos constitucionais, não se realizará efetivamente a justiça, pois estar-se-á desprestigiando a própria base sustentadora dos demais direitos. Inclusive a Constituição de 1988, como já mencionado, foi aquela que previu mais garantias aos obreiros. (MORAES, 2002, p. 48)

O artigo 6º da Carta Magna, por exemplo, prevê uma série de direitos sociais[40], estando inclusos, entre eles, a saúde. De acordo com Oliveira:

A interpretação sistemática da Constituição da República deixa evidente a caracterização do direito subjetivo público à saúde, exigível do Estado. O art. 6º relaciona diversos direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Destes, foram destacadas apenas a educação e a saúde, estabelecendo a Carta Magna um degrau a mais, pois além de dever do Estado é direito de todos (arts. 196 e 205). Logo, nessas duas hipóteses estão perfeitamente caracterizados o sujeito ativo, o objeto e o sujeito passivo da obrigação, com todos os elementos para a formação do vínculo juridicamente exigível. Finalmente, não se pode perder de vista o preceito insculpido no art. 75 do Código Civil: “A todo direito corresponde uma ação que o assegura”. (OLIVEIRA, 2002, p. 124)



Assim, a nossa Lei Maior colocou a saúde num elevado patamar de relevância, demonstrando que deve haver ações do Estado para efetivá-la e, sendo um direito de todos, pode e deve ser exigida. Não é outro o propósito do artigo 194, o qual ressalta que a seguridade social abrange um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, objetivando garantir os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Também, cite-se o artigo 196 da Constituição Federal, o qual menciona que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Por este artigo, também, fica clara a conotação preventiva, mantenedora e reabilitadora que deve ser dada à saúde. (BRASIL, Constituição Federal de 5 de outubro de 1988)

Do mesmo modo, o artigo 197 da Constituição demonstra o caráter ativo do Estado na realização da efetivação da saúde, pois refere que as ações e serviços são de importância pública, competindo ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, sendo que sua execução pode ser realizada de modo direto ou por terceiros, assim como por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988)

No entanto, se a Constituição prevê que não só os Poderes Públicos, mas toda a sociedade terá iniciativa a fim de promover a saúde, bem como a sua consideração como direito fundamental, tem-se que ela não será exigida apenas do Estado, mas também perante particulares. Conforme refere Vecchi, já que os direitos fundamentais formam a “espinha dorsal do ordenamento jurídico vigente”, deveria ser-lhes conferido o máximo de proteção possível. Isso porque, especificamente nas questões que envolvem trabalho, apresentam-se relações de poder, onde existe a subordinação do empregado ao empregador e, portanto, há uma relação assimétrica e não igualitária. A concepção de respeito aos direitos fundamentais em face do Estado originou-se para limitar o poder deste, porém é apenas a ideia originária, visto que existem relações particulares de poder, cuja proteção da parte mais fraca necessita ser assegurada. (VECCHI, 2007a, p. 162-164)

Contudo, não são apenas os direitos fundamentais que correspondem ao trabalhador que precisam ser assegurados, tanto pelo Estado quanto em face dos particulares. Como refere Vecchi, os direitos “inespecíficos”, os quais o trabalhador possui “não como trabalhador, mas como pessoa, como cidadão que faz parte de uma determinada sociedade (liberdade de expressão, intimidade, própria imagem, devido processo legal, como exemplos)” devem ser englobados por este entendimento. Além disso, existem teorias que questionam se a eficácia destes direitos fundamentais frente ao empregador deveria ser mediata ou imediata. A aplicação mediata, embora se dê em face dos particulares, deveria ter a intermediação dos órgãos estatais, enquanto que a eficácia imediata é aquela em que poderia ocorrer invocação das normas constitucionais diretamente nas relações particulares. (VECCHI, 2007a, p. 167-189)

Sobre esses questionamentos, Vecchi conclui no seguinte sentido:

Portanto, parece-nos razoável afirmar que grande parte dos direitos fundamentais que denominamos de “inespecíficos”, como o devido processo legal, englobando a ampla defesa e o contraditório, a igualdade, a liberdade de pensamento e outros decorrentes da dignidade da pessoa humana, deve ter aplicação imediata, embora ponderada, nas relações privadas laborais, visto que, como direitos fundamentais, devem-se atribuir-lhes a maior eficácia e a interpretação mais favorável. (VECCHI, 2007a, p. 202-203)



Essa noção é de suma relevância, tendo em vista que o direito à saúde, considerado como um direito fundamental é, primeiramente, de todas as pessoas, independente de ser obreiro ou não. Assim, tendo em vista a sua concepção, tem-se que a saúde pode ser exigida do Estado, mas também frente ao empregador, devido à assimetria da relação, de acordo com a fundamentação acima exposta sobre a eficácia dos direitos fundamentais frente aos particulares. (OLIVEIRA, 2002, p. 125)

Ademais, deve-se dizer que os direitos referentes aos obreiros têm conotação diferente à proteção do ambiente laboral, visto que a saúde do meio ambiente, seja ele qual for, considera-se um direito difuso[41].  São os chamados direitos de Terceira Geração, em que se valoriza a qualidade de vida e, como esclarece Lorenzetti, “interessam à comunidade como tal, sem que exista uma titularidade individual determinada”.[42] (LORENZETTI, 1998, p. 154)

Consoante bem apanha Celso Antonio Pacheco Fiorillo:

O direito a uma situação de trabalho (art. 6º da CF – direito social), não possui o mesmo objeto de tutela que o meio ambiente do trabalho. Neste, o objeto jurídico tutelado é a saúde e segurança do trabalhador, qual seja, da sua vida, à medida que ele, integrante do povo, titular do direito ao meio ambiente, possui direito à sadia qualidade de vida. O que se procura salvaguardar é, pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas da degradação e poluição do meio ambiente onde exerce o seu labuto, que é essencial à sua qualidade de vida. Trata-se, pois, de um direito difuso. (FIORILLO, apud DIACOV, 2008, p. 144)



Percebe-se, então, que a proteção ao ambiente laboral, inserido no ambiente geral, tem caráter indivisível e para um número indeterminado de pessoas, porque mesmo buscando a proteção do trabalhador, faz isso em razão da condição de ser vivo, tendo por escopo evitar que sua integridade seja ofendida por um meio ambiente prejudicial.

A Constituição Federal de 1988, em diversos preceitos, especialmente nos seus artigos 5º e 7º, ressalta a defesa do meio ambiente, no qual se inclui o ambiente laboral. Um desses inúmeros preceitos constitucionais está previsto no inciso XXII, do artigo 7º da Constituição Federal, preceito citado no capítulo anterior, e que dispõe serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. (DIACOV, 2008, p. 146)

Outra questão de suma relevância para o nosso estudo, o qual visa verificar a possibilidade de nexo causal entre depressão e trabalho, a fim de configurar-se uma doença laboral, é a amplitude do conceito de saúde. Conforme mencionado anteriormente, a OMS, quando de sua criação, trouxe um conceito novo de saúde, que não é apenas a inexistência de doenças ou enfermidades, mas “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. (DIACOV, 2008, p. 142)

Repetindo a conceituação da OMS, foi promulgada no Brasil a Lei n. 3.214/1978. A NR – 17, aprovada por esta Lei, no tópico 17.6.1. esclarece que a “organização do trabalho deve ser adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado”. Verifica-se a inclusão, portanto, que o conceito global de saúde integra a esfera psíquica.

Depois, a Lei Orgânica da Saúde, n. 8.080/1990, foi criada para regulamentar a Carta Magna, dispondo sobre “as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”. (DIACOV, 2008, p. 142)

O parágrafo único do artigo 3º desta Lei inclui, entre as ações que dizem respeito à saúde, de acordo com o disposto no caput, aquelas que têm por objetivo “garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”. (Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990)

Mencionando também preceitos sobre saúde no conceito integral, vieram as Convenções n. 161 e n. 155, ambas da OIT. A proteção integral da saúde na Convenção n. 161 da OIT, autorizada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 86/1989 e passando a vigorar a partir de maio de 1991, fica plenamente visível, desde seu artigo 1º, o qual refere, na alínea “a”, que “serviços de saúde” significam uns serviços investidos de funções especialmente preventivas para assessorar o empregador, os trabalhadores e seus representantes na empresa sobre: “i) os requisitos necessários para estabelecer e conservar um meio ambiente de trabalho seguro e sadio que favoreça uma saúde física e mental ótima em relação com o trabalho” e “ii) a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, tendo em conta seu estado de saúde física e mental”. (OLIVEIRA, 2002, p. 98)

De acordo com o art. 5º da Convenção n. 155 da OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 2/1992, passando a vigorar em maio de 1993, deverão ser considerados os agentes químicos, biológicos, físicos, as operações e processos, a organização do trabalho, equipamentos, ferramentas, capacidades físicas e mentais dos trabalhadores, dentre outros fatores que possam afetar a saúde.[43] O conceito amplo de saúde foi adotado pelo art. 3º da referida Convenção, “abrangendo os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”. O art. 3º da Convenção n. 155 da OIT mencionando a saúde no aspecto mental, ainda não foi delineado para ser aplicado. De acordo com Oliveira, “o estresse profissional demonstra a urgência dessa regulamentação, em razão das cargas psíquicas do ambiente laboral”.[44] (OLIVEIRA, 2002, p. 130-131)

Nesse sentido, também, são as palavras de Moraes:

As condições de salubridade são aquelas que se relacionam com a saúde do trabalhador, pela observância de seu bem-estar físico, mental e social. Quando prejudicadas essas condições, diz-se a existência de meio ambiente do trabalho insalubre. Insalubridade, para a legislação obreira, significa dizer: “a exposição dos empregados acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos” (art. 189, CLT). Esses agentes podem ser físicos (temperatura excessiva, umidade, pressão, etc.); químicos (fumaças, vapores, atmosfera contaminada etc.); biológicos (vírus, bactérias etc.) e psicológicos (discriminação, baixos salários, coação etc.), sendo que, quanto a estes, ainda não há em nossa legislação previsão entre os agentes caracterizadores de insalubridade. (MORAES, 2002, p. 59)



A autora bem explica que a legislação ainda é limitada, porém os suportes básicos para a formação do direito à saúde mental já estão delineados, sendo possível de pronto sua utilização. De acordo com Oliveira, com a previsão da nossa Lei Maior quanto à defesa do trabalhador sobre os riscos inerentes ao trabalho, através de normas de saúde, higiene e segurança, cumulada com o que prevê o artigo 196, “pode-se concluir que a saúde mental é direito do trabalhador e dever do empregador.” (OLIVEIRA, 2002, p. 203-204)

Mais uma vez salientamos que um dos atuais e graves fatores prejudiciais referente à saúde, no Brasil, é a tendência de flexibilização dos direitos trabalhistas, assim como o crescimento do mercado informal. Nesse sentido, Oliveira refere que, em nosso país, as regras de defesa da saúde no labor nem foram aplicadas ainda e já passam a ser discutidas ou chamadas de excessivas, fora da realidade ou severas. Porém, o autor enfatiza que “o direito à saúde é o complemento imediato do direito à vida e não pode ser objeto de qualquer negociação, já que se trata de direito humano fundamental, indisponível, garantido pela Constituição da República e pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil”.[45] (OLIVEIRA, 2002, p. 152)

A saúde, portanto, é um direito fundamental, ressaltado por nossa Constituição de 1988, exigível do Estado e, também, em face de particulares, conforme exposto anteriormente. Sendo um direito de todo ser humano, inclui-se a proteção à saúde do homem na relação empregatícia e também ao seu meio ambiente de trabalho, o que está previsto em diversos preceitos constitucionais, sendo um dever do empregador, portanto, promovê-la. A saúde abrange, ainda, um conceito integral, ressaltado na legislação internacional e interna como sendo não só a ausência de doença, mas um completo bem-estar físico, social e mental.

Sendo assim, constata-se que, não sendo respeitada a saúde psíquica do empregado no meio ambiente laboral, estar-se-á violando um direito fundamental, além dos inúmeros prejuízos e doenças que podem ser geradas a partir desse desrespeito. No presente estudo, trata-se da possibilidade de ser causada a enfermidade da depressão, não retirando, contudo, a possibilidade de advirem inúmeras outras doenças psíquicas geradas pelo descaso ao conceito global de saúde.


Conforme ressaltado no tópico anterior, a saúde e o meio ambiente saudável são direitos fundamentais do ser humano e, em razão disso, são direitos fundamentais do trabalhador. Todavia não é possível pensar na existência real de saúde sem respeito à dignidade da pessoa humana, princípio previsto no artigo 1º, III da Constituição Federal. Como seria possível falar em ambiente saudável, por exemplo, se o trabalhador é submetido a atividades degradantes ou sofre assédio moral? Além disso, como se verá adiante, a dignidade é um princípio norteador de todo o sistema jurídico, sendo que todas as relações, sejam elas com o Estado ou entre particulares, devem preservá-lo.

Os princípios são de vasta importância para o ordenamento jurídico. Nascimento refere que os princípios de direito e do direito do trabalho possuem, embora não previsto explicitamente no artigo 8º da CLT, “função integrativa, unificadora”.[46] Em razão disso, a legislação infraconstitucional não pode opor-se aos princípios constitucionais, senão haveria lesão à uniformidade do sistema jurídico. (NASCIMENTO, 2001, p. 115)

Os princípios constitucionais fundamentais são princípios gerais, mas que são aplicados ao Direito do Trabalho. O princípio da dignidade da pessoa humana configura-se um dos pilares para aclarar toda a ordem jurídica em vigor. (VECCHI, 2007a, p. 241)

Vecchi explica que o princípio da dignidade da pessoa humana “é a fonte de grande parte dos direitos fundamentais, estabelecendo também o limite absoluto às restrições a esses direitos, pois é indisponível”. (VECCHI, 2007a, p. 241)

De acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade, comentando a Constituição Federal de 1988:

Dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. (STF, HC 85988-PA (MC), rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 7.06.2005, DJU 10.06.2005).” (NERY JUNIOR; NERY, 2009, p. 152)



Percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo uma fonte para grande parte dos demais direitos fundamentais, irradia para todo o ordenamento jurídico. Qualquer relação, tanto entre particulares quanto entre o indivíduo e o Estado, deverá observar a dignidade da pessoa. Para a relação empregatícia, portanto, também irradiar-se-á este princípio constitucional.

Importante se torna ressaltar, mais uma vez, que este princípio não regula somente as relações entre Estado e pessoas individualizadas, mas também regula relações entre os particulares, como já referimos anteriormente, ao tratar da saúde como direito fundamental do obreiro. Este princípio acaba obrigando a observação de mínimas condições de subsistência, para que o homem possa viver efetivamente e não apenas sobreviver. (VECCHI, 2007a, p. 244)

Assim, Vecchi refere que “existe uma tendência de construção de um piso mínimo de direitos básicos, fundamentais, e esses direitos subjetivos são oponíveis aos sujeitos passivos, que tanto é o Estado como os demais cidadãos”. Esse mínimo caracteriza-se como sendo aqueles bens fundamentais que a pessoa precisa para progredir minimamente em sociedade. São bens inerentes à própria natureza do ser humano e por isso o Direito, assim como a organização social e econômica, deve defendê-los para que, efetivamente, se possa falar em pessoa. (VECCHI, 2007a, p. 244-245)

No entanto, esses direitos básicos não devem corresponder à pessoa no sentido individualizado, tendo em vista que as pessoas convivem com outras pessoas. Dessa forma, o indivíduo pode ter autonomia propiciada pelos direitos mínimos, mas não está apartada das outras pessoas que compõem a sociedade. (VECCHI, 2007a, p. 245)

Corresponde a este entendimento, o trecho dos autores Mendes, Coelho e Branco:

Numa palavra, se bem entendemos, a dignidade da pessoa humana, porque sobreposta a todos os outros bens, valores ou princípios constitucionais, em nenhuma hipótese é suscetível de confrontar-se com eles, mas tão-somente consigo mesma, naqueles casos-limite em que dois ou mais indivíduos – ontologicamente dotados de igual dignidade – entrem em conflitos capazes de causar lesões mútuas a esse valor supremo. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 174)



Isso quer dizer que, embora a dignidade seja um valor supremo, devendo ser respeitada em qualquer relação, será limitada quando ela mesma for o valor disputado, isto é, quando houver colisão entre a dignidade de um ser humano com relação à dignidade de outro.

No que diz respeito especificamente à relação estreita entre a saúde do trabalhador e o princípio da dignidade da pessoa humana, Reis refere que, tendo todo ser humano direito a uma vida digna, para realizar esse direito fundamental é preciso observar uma série de normas, entre as quais se englobam aquelas referentes à proteção da saúde do obreiro. (REIS, 2009, p. 48-49)

De acordo com o entendimento de Reis:

A Constituição Federal de 88 elevou à categoria de direito fundamental, e, portanto, de cláusula pétrea, a proteção à saúde do trabalhador bem como de todo e qualquer destinatário das normas constitucionais. A regulamentação é feita em dois patamares: a proteção imediata ou específica (art. 200, VIII) e a mediata ou geral (art. 225, caput, IV, VI e § 3°). Os arts. 5° e 7°, em diversas passagens, asseguram a proteção ao meio ambiente. Esse direito também encontra respaldo nos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme preceitua o art. 1°, III, da CF, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. (REIS, 2009, p. 48)



O texto exposto demonstra claramente o que já foi ressaltado algumas vezes durante a pesquisa: a proteção à saúde no trabalho engloba não só a proteção direta do trabalhador como também o seu ambiente laboral, o que se encontra previsto expressamente em vários artigos da Constituição tendo, inclusive, respaldo nos princípios fundamentais, como é o caso da dignidade da pessoa humana.

Nessa mesma perspectiva, Reis afirma que a “proteção ao meio ambiente do trabalho é essencial para a dignidade da pessoa humana do trabalhador, nos aspectos da melhoria de sua qualidade de vida, bem como na preservação de sua incolumidade física e moral”. Nesse sentido, menciona que o inciso 7°, XXII, da Constituição Federal, a fim de respeitar essa regra de direito fundamental, não pode ficar apenas como um plano, mas o empregado ou o tomador de serviço deve, sim, providenciar, na prática, meios de conservar um ambiente laboral apropriado e impedir perigo de ocorrerem acidentes de trabalho. (REIS, 2009, p. 52)

Sobre esse assunto, Delgado afirma que:

“(...) para exercer o trabalho, o homem não pode perder a saúde, sem a qual o direito à vida não se sustenta. Por essa razão, cada vez mais as normas legais no mundo inteiro estão associando o trabalho humano à honra, à proteção jurídica, à dignidade, à realização pessoal, ao valor e ao dever. Sendo o trabalho atividade dignificante, não pode servir de instrumento de subjugação ou de desrespeito à pessoa humana.”. (DELGADO, 2005, p. 198)



Inclusive, no âmbito infraconstitucional nacional, temos a Lei 6.938/1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e preceitua, em seu artigo 2°, que um de seus objetivos é a preservação da dignidade da pessoa humana. Em conformidade com o texto de Delgado, pode-se citar o caput do artigo 170 da nossa Carta Magna, o qual refere que a ordem econômica estará fundada na valorização do trabalho. Sem seguir os preceitos de valorização e dignificação do trabalho, em razão do exposto, também não se poderá falar em saúde.

Dessa forma, percebe-se o quanto o tema em discussão envolve questões muito mais amplas do que a discussão central. Esclareça-se: a busca de nossa pesquisa é verificar a possibilidade de a depressão se tratar de uma doença do trabalho. Explicamos anteriormente que a saúde é um direito fundamental que engloba a parte psíquica e que, sem o respeito à dignidade, não se poderá falar em saúde no contexto integral. Portanto, desrespeitando os preceitos sobre a dignidade da pessoa no âmbito do trabalho, estar-se-á bem próximo à geração de uma doença laboral ligada à mente, conforme será explicado adiante.  


A partir do estudo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ficou demonstrada sua estreita relação com a saúde do trabalhador. De modo semelhante ao direito fundamental anteriormente analisado, posiciona-se o princípio da proteção, sendo uma das bases norteadoras do Direito do Trabalho.

O princípio da proteção está relacionado à fragilidade do trabalhador na relação de emprego. Por estar exercendo uma atividade sob a direção do empregador, seguindo as suas ordens, ele acaba ficando numa posição mais enfraquecida. Esse preceito, então, surge como um amparo ao trabalhador para equiparar essa diferenciação de forças.

Maurício Godinho Delgado bem refere esta função do princípio da proteção:

Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma tela de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. (DELGADO, 2005, p. 197-198)



Como se percebe, o princípio da proteção não vem a ser um “plus” ao trabalhador, mas vem apenar minorar os efeitos da sua posição mais frágil na relação de emprego, em face do empregador. Segundo Delgado, sem o princípio da proteção, o Direito Individual do Trabalho não poderia ser justificado no seu contexto histórico, nem como ciência. (DELGADO, 2005, p. 198)

Nesse sentido, Vecchi afirma que o princípio da proteção é a razão de ser do direito do trabalho. Assim, explica que esse princípio é “o reconhecimento de que a igualdade formal entre contratantes desiguais faz gerar injustiças e impor ao contratante vulnerável ou hipossuficiente condições contratuais prejudiciais”. Por essa razão, o princípio da proteção tem como escopo minimizar a desigualdade real entre empregados e empregadores, através de uma desigualdade posta pela lei, a fim de realizar igualdade substancial. (VECCHI, 2007a, p. 274)

O princípio da proteção, assim como a maior parte dos princípios do Direito, não atua sozinho, mas ligado a outros, a fim de efetivar o fim que intentam. Delgado menciona a explicação do jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, o qual entende o princípio da proteção dividido em três dimensões: o princípio in dubio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica. (DELGADO, 2005, p. 198)

Contudo, essa ideia restringiria o princípio da proteção. Como dissemos, os princípios acabam se interligando para que o direito seja, de fato, realizado, mas não somente na amplitude das três dimensões mencionadas. Esse é o entendimento de Delgado, o qual esclarece que o princípio da proteção engloba praticamente todos os princípios do Direito Individual do Trabalho, senão todos.

Nesse sentido, por exemplo, não se discute a estreita ligação do princípio da norma mais favorável com o princípio da proteção. O primeiro princípio indica que, no caso de existirem múltiplas normas, a mais favorável ao empregado deve ser aplicada, assim como as regras a serem criadas não podem agravar as condições dos trabalhadores.  Porém, o princípio da norma favorável se encontra intimamente ligado ao princípio de proibição do retrocesso social, o que demonstra uma relação extensiva entre diversos princípios do direito do trabalho com o princípio da proteção. (VECCHI, 2007a, p. 275)

Esta conexão se torna importante para o estudo ora proposto, tendo em vista que todos esses princípios atuam para que, sendo comprovado o nexo de causalidade entre a depressão e o trabalho, a depressão possa ser considerada doença do trabalho, ou seja, que surtam os efeitos como se acidente do trabalho fosse, em razão de o trabalhador, por ser a parte mais frágil da relação empregatícia, não ficar desfavorecido em virtude de uma omissão da legislação, sofrendo prejuízos.

O princípio da proteção, assim como outros princípios, também tem sofrido choque frente à globalização e à flexibilização das relações de trabalho. Não existe somente o ataque ao princípio da proteção então, mas às outras conquistas obtidas não somente por trabalhadores, mas por todo o povo, por meio de lutas sociais. Contudo, Vecchi enfatiza que, ao contrário do pretendido, a flexibilização não tem atingido os objetivos intentados, causando “precarização das relações de trabalho” em prejuízo aos direitos dos obreiros. (VECCHI, 2007a, p. 274-275)

Segundo Vecchi:





Entendemos que a flexibilização de direitos constitucionalmente assegurados é possível diante de circunstâncias especiais, de acordo os casos previstos na Constituição Federal (art. 7º, incisos VI, XIII, XIV, da CF de 1988) e, ainda, observados sempre o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a razoabilidade e a proporcionalidade das medidas flexibilizadoras.

Diante das normas infraconstitucionais, entendemos que naquelas que se apresentam como garantia de um patamar mínimo de dignidade da pessoa humana do trabalhador, de civilização, de valorização do trabalho, não é cabível a “flexibilização”; em relação às demais normas, pode haver a possibilidade de flexibilização, desde que haja verdadeira transação, tendo em vista o princípio da norma mais favorável e da proibição de retrocesso social por meio de regras coletivas. (VECCHI, 2007a, p. 275)







Desse modo, percebe-se que a flexibilização de normas constitucionais apenas podem ocorrer em raros casos especificamente previstos. Com relação às normas infraconstitucionais que contenham a menor porção que seja de referência à dignidade da pessoa humana, não se entende por cabível a flexibilização, mas tão-somente para outras normas que não ensejem essa aplicação e observando sempre que não sejam feridos princípios como o da norma mais favorável, da proibição de retrocesso social e, por consequência, do princípio da proteção.

Especificamente quanto à saúde relacionada ao princípio da proteção, pode ser citado um exemplo. Assinalou-se, anteriormente, que o ideal é eliminar o risco e só neutralizá-lo quando não for possível a eliminação. No entanto, no Brasil, a regra é a neutralização, por ser uma atitude mais fácil e mais barata ao empregador e, também, mais prejudicial ao trabalhador. Essa neutralização faz-se por meio do fornecimento de equipamentos de proteção individual, os EPI’s. (OLIVEIRA, 2002, p. 150)

Ora, se o Direito do Trabalho tem como básico o princípio da proteção, ao seguir como regra a neutralização do risco através de EPI’s, estar-se-á mantendo um maior desequilíbrio em prejuízo do empregado. Estaria de acordo com as regras a eliminação do risco, de forma a proteger o trabalhador, parte mais fraca, e somente quando isso for impossível, neutralizar. Como se vê, por um simples exemplo, é possível ligar também a saúde do trabalhador ao princípio da proteção.

Questiona-se, então, se a depressão, sendo originada em razão do meio ambiente laboral ou do trabalho executado pelo empregado, não poderia deixar de ser reconhecida como doença laboral, também em razão do princípio da proteção.


A saúde mental está abarcada no conceito integral de saúde, sendo considerada como direito fundamental do trabalhador, assim como o meio ambiente saudável de acordo com o que fora exposto. Verificou-se, ainda, que não se pode falar em saúde sem falar em respeito à dignidade da pessoa humana, bem como foram suscitadas as bases para a consideração de uma doença psíquica como doença laboral. Diante dessas explanações, agora faz-se necessário aprofundar o estudo sobre os principais agentes capazes de prejudicar a saúde psíquica do empregado em seu ambiente de trabalho.

Inicialmente, é válido explicar que o oferecimento de um meio ambiente de trabalho benéfico e dignificante ao empregado não reflete apenas no âmbito interno, pois o trabalhador carrega toda uma vida fora do contexto da empresa. Convivendo num ambiente sem qualidade, ele irá irradiar para fora do local de trabalho as condições a que foi submetido dentro dele. De acordo com o que bem salienta Silva: “(...) a proteção da segurança do ambiente do trabalho significa proteção do ambiente e da saúde das populações externas aos estabelecimentos industriais, já que um ambiente interno poluído e inseguro expele poluição e insegurança externa”.  (SILVA, J., 2003, p. 24)

Explicando melhor essa questão, é necessário dizer que para fazer funcionar sua empresa o empresário precisa de mão-de-obra e, por isso, estabelece contratos para a prestação de serviços. O trabalhador, por sua vez, a fim de manter sua sobrevivência, utiliza sua força laboral em favor do empregador, obtendo remuneração. Porém, da prestação da mão-de-obra até o recebimento do salário pelo empregado, haverá a interposição da pessoa física do obreiro. Isso porque, conforme refere Oliveira, não é possível “separar a força de trabalho da pessoa do trabalhador, tanto que um dos pressupostos para a caracterização da relação de emprego é exatamente a pessoalidade”. Assim, o empregador possui a obrigação de garantir a integridade do obreiro, no aspecto mais completo, isto é, o integral “bem-estar físico, mental e social”. (OLIVEIRA, 2002, p. 157)

Embora o empregador tenha o dever de garantir a saúde do empregado, o Brasil possui uma realidade muito diferente daquela a que conduz a legislação, tendo-se como base que, no início da década de setenta, o país recebeu o rótulo de ter o maior índice de acidentes do trabalho e, atualmente, também possui grande incidência de doenças ocupacionais e acidentes. (OLIVEIRA, 2002, p. 157-158)

Oliveira cita uma série de agentes agressivos que podem existir no meio ambiente laboral:

No local de trabalho determinado pelo empresário, o empregado pode sofrer diversas agressões enquanto desenvolve a sua atividade. São exemplos de agentes agressivos o ruído, o calor, os agentes químicos e biológicos, o risco de acidentes, o trabalho noturno e em turnos, as horas extras habituais, a organização rígida do trabalho, o ambiente psicológico e social, as posturas incorretas do ponto de vista da ergonomia, as tarefas repetitivas e monótonas, o trabalho penoso, o receio de desemprego, etc. A presença isolada e cumulativa de tais agentes acarreta para o trabalhador efeitos variados, de acordo com a sua vulnerabilidade individual: desconforto, insatisfação, estresse, fadiga, estafa, doenças ocupacionais, acidentes do trabalho e até a morte prematura. (OLIVEIRA, 2002, p. 158)



Da leitura do texto, de pronto retira-se a assertiva de que o “ambiente psicológico e social” no trabalho é um dos fatores que, acaso desfavoráveis ao obreiro, poderá ensejar agressões à saúde, de modo a gerar cansaço, doenças e acidentes.

A grande competição no âmbito empresarial tem feito com que os empresários busquem progressos tecnológicos, que haja maior rigidez pelo empregador e maiores exigências na obtenção de efeitos positivos na empresa. De acordo com Oliveira, “esse quadro de mudanças quase permanentes refletiu em cheio na saúde mental do trabalhador, acarretando ansiedade, euforia, irritação, angústia, frustração, depressão e outras tantas anomalias que podem evoluir para um quadro vasto de doenças psicossomáticas”. (OLIVEIRA, 2002, p. 189)

Abreu menciona, então, os dois principais agentes prejudiciais à saúde psíquica do trabalhador, como sendo o estresse[47] e o assédio moral. Esses dois agentes foram mencionados no capítulo anterior e, conforme percebido naquele momento, eles estão intimamente ligados. Segundo a autora, “a má condição ou organização do trabalho pode gerar estresse profissional e no que tange ao tipo de gestão e à qualidade das relações humanas pode-se encontrar a figura do assédio moral que são dois fatores importantes no desencadeamento ou agravamento da depressão.” (ABREU, 2007, p. 46)

Partimos, então, para a análise dos agentes prejudiciais. A palavra “estresse” baseou-se na física, tendo em vista que nessa conotação quer dizer “força que deforma os corpos”, isto é, desde que momento o corpo se parte em virtude de uma força. Na fisiologia, recebeu conceituações diversificadas, tornando-se comum para explicar todo estado de tensão. (OLIVEIRA, 2002, p. 193)

O autor esclarece que são muitas as causas do estresse e qualquer listagem pode servir apenas como exemplo, devido à gama de modificações em cada ambiente laboral. Segundo Oliveira:

Os agentes serão identificados de acordo com o ambiente de trabalho, as condições de segurança e higiene em que o serviço é prestado, a política administrativa implementada, o ramo de atividade, o maior ou menor grau de flexibilização das relações trabalhistas, a estrutura organizacional, a rotatividade de pessoal e até mesmo o momento histórico da empresa, que pode estar em fase de crescimento, criando oportunidades, ou de retração, reduzindo custos. (OLIVEIRA, 2002, p. 196)



Ou seja, ainda que exista uma série de fatores que se consideram “gerais” na origem da depressão, somente em cada ambiente laboral específico é que se poderá delinear outra enorme quantidade de causas, pois em cada local haverá um tipo de organização, condição financeira e nível de aplicação da legislação, como maior ou menor emprego de normas flexibilizantes.

Embora Oliveira refira que o surgimento do estresse possa ter muitas causas, ele menciona a possibilidade de distinguir duas circunstâncias: o estresse de sobrecarga e o estresse de subutilização ou monotonia. Na sobrecarga, o trabalhador é exigido além de suas possibilidades físicas ou mentais; na subutilização, ao contrário, o indivíduo preparado para solucionar circunstâncias variadas, é pouco exigido (como, por exemplo, uma pessoa habituada a atividades intelectualizadas que tem de executar funções muito simples). (OLIVEIRA, 2002, p. 196-197)

Sobre esse tema, Abreu cita trecho de Marie-France Higoyen, no qual a autora refere que o estresse laboral causado por pressão ou demasia de atividades variadas e repetitivas pode deixar o indivíduo exausto, gerando um burnout – depressão por esgotamento.  (HIGOYEN apud ABREU, 2007, p. 48)

O trabalho repetitivo exercido de forma excessiva, portanto, implica num desgaste maior do empregado, podendo causar uma extenuação. Em algumas profissões, pelas características próprias da função, os níveis de estresse acabam sendo mais altos, em razão do grau elevado de responsabilidades, pressões, atividades monótonas, entre outros. Oliveira cita algumas dessas atividades: “telefonistas, bancários, controladores de vôo, anestesistas ou médicos e enfermeiras que atuam em pronto-socorro e UTI, professores em geral, magistrados, agentes da polícia, digitadores e operadores de computação.”. (OLIVEIRA, 2002, p. 199)

É compreensível a listagem apontada. Por exemplo, o medo constante dos agentes de polícia, assim como a pressão dos bancários e a tensão dos controladores de vôo, demonstra ser possível a origem do estresse. Além disso, a partir de estudos já realizados, Oliveira destaca os principais causadores do estresse:





• tarefas repetitivas, trabalho monótono ou parcelado;

• sobrecarga quantitativa ou qualitativa de trabalho;

• trabalho por turno de revezamento;

• trabalho com exposição a riscos físicos, químicos ou biológicos;

• falta de perspectivas de promoção ou de crescimento profissional;

• esperanças frustradas sobre salários ou gratificações;

• chefes intermediários sem experiência;

• falta de apoio da chefia;

• falta de consideração, de informação ou de equidade da chefia;

• limitação da responsabilidade e da autonomia;

• ambigüidade das funções ou má delegação de responsabilidade;

• má qualidade das relações humanas no trabalho;

• assédio sexual;

• assédio moral;

• receio de desemprego. (OLIVEIRA, 2002, p. 199-200)







Em relação à lista acima, acreditamos ser possível destacar algumas questões. A maior parte das causas do estresse se reveste de características subjetivas, como a falta de apoio, consideração, informação e equidade dos chefes, limitação de responsabilidade e de autonomia, má qualidade das relações humanas, assédios, como o sexual e o moral, isto é, relacionam-se com o tratamento interpessoal no meio ambiente de trabalho. Em razão do subjetivismo, de todos esses agentes provocadores do estresse, iremos destacar o assédio moral, o qual terá melhor análise a partir de agora, tendo em vista suas consequências que, por muitas vezes, superam os limites do estresse, facilitando a introdução efetiva de uma doença psíquica.

Conforme refere José Fernando Lousada Arochena, ainda há algum tempo atrás (no contexto mundial, e não nacional), a saúde levava em conta apenas a parte física do organismo.[48] Parecia haver inobservância de que a saúde do indivíduo engloba a constituição física e psíquica. Entretanto, o autor também menciona que, estatisticamente falando, verifica-se a influência dos agentes psicossociais, causando doenças e acidentes laborais. (AROCHENA, 2008, p. 55)

Conforme explica o autor:

Progressivamente, os estudiosos têm identificado os diferentes riscos psicossociais e aquilo que, antigamente, se denominava genericamente como stress laboral agora já se conhece como uma variada gama de patologias: o burnout ou a síndrome de estar queimado; a work-addiction, a gripe do yuppie, ou a adição ao trabalho; o tecnostress ou a dificuldade de adaptação a novas tecnologias. Mas os avanços mais significativos nessa tarefa de identificação de novas patologias estão relacionados à violência psíquica no trabalho, sendo exemplo prototípico o assédio moral. (AROCHENA, 2008, p. 55)



O autor esclarece, então, que atualmente são consideradas uma série de enfermidades psíquicas que antes não eram pensadas, mas que as de maior relevância se referem à opressão no ambiente laboral, sendo o assédio moral o exemplo mais comum dessa ocorrência.

A expressão “assédio moral”, em sua etimologia, adveio do verbo inglês to mob que, de acordo com Góis, significa “atacar em massa, assediar”, bem como da palavra mob (substantivo), a qual designa, segundo o autor, “multidão, tumulto, quantidade de pessoas desordenadas”. O termo mobbing, sendo assim, reflete a “agressão conjunta (de pessoas), estabelecida pelo modo de ordenação laboral”.[49] (GÓIS, 2007, p. 46-47)

Uma das primeiras pessoas a reconhecer o mobbing foi Heinz Leymann, o qual realizou o conceito por meio de vários elementos objetivos: são ações num sistema, recorrentes e repetidas no tempo, relacionadas a indivíduos com assimetria de poder. A intenção é acabar com as relações sociais da pessoa prejudicada, terminando com seu renome e causando a desistência do trabalho.  O autor refere que a vitimóloga francesa Marie-France Hirigoyen realiza de modo um pouco diverso o conceito do assédio moral, relacionando-o à maldade ou perversidade do ser humano. Ou seja, Leymann utiliza elementos objetivos na conceituação do assédio moral, enquanto Hirigoyen usa mais elementos subjetivos. (AROCHENA, 2008, p. 56)

Segundo Abreu, assédio moral significa “uma agressão sistemática em um processo sutil de destruição do trabalhador, preponderando-se a figura da humilhação na existência de uma intencionalidade maldosa”. A autora, ao que parece, une elementos objetivos e subjetivos na caracterização do assédio moral. (ABREU, 2007, p.48)

Primeiramente, cumpre frisar que, para existir assédio moral, a conduta tem que ser antagônica ao direito. Como refere Góis, ela deve ser um “ato ilícito, abusivo, exagerado”. (GÓIS, 2007, p. 47)

O autor explica melhor sua idéia:

A ilicitude pode dizer respeito ao conteúdo da conduta praticada, ou à sua forma. Com efeito, não comete assédio moral o superior que exige, por exemplo, que o trabalhador chegue no serviço no horário avençado, já que o conteúdo da exigência não é contrário ao direito. Sem embargo, caso este mesmo superior exija diariamente que o empregado não se atrase, fazendo-o aos berros diante de outros colegas de trabalho, neste caso pode estar configurado o assédio moral. Não quanto ao conteúdo da exigência, mas quanto a forma pela qual ela é manifestada. O mesmo ocorre quando o chefe impõe castigos vexatórios ao trabalhador que não atinge determinada produtividade. (GÓIS, 2007, p. 47)



Góis quer dizer com isso que, mesmo sendo exigida determinada conduta do empregado, existem limites no modo como isso deve ser feito. Ainda que o empregador tenha direito de reclamar, a forma como faz isso pode ser ilícita. Quando se fala em ilicitude quanto ao conteúdo, então, é quando nem ao menos o empregador poderia exigir, seja qual fosse a forma, determinada atitude do empregado.

Em geral, os atos ilícitos relativos à forma de manifestação são singulares, porque o prejuízo irá variar de acordo com as condições de trabalho. Por exemplo, nos locais onde o trabalho é braçal e os empregados sejam maioria do sexo masculino, o modo de o grupo se comportar será diferente de um local onde o trabalho seja intelectual e o grupo de empregados seja composto por pessoas de ambos os sexos, pois neste o tratamento tende a ser mais formal e a ofensa pode configurar-se com críticas ou piadas. Ademais, a ilicitude pode se revestir com atos ou omissões, ainda que a mais comum seja a comissiva. Poderá ser considerado assédio moral o ato de chefe que passa a não cumprimentar o empregado após este ter cometido um erro em serviço. (GÓIS, 2007, p. 47)

Importante ressaltar que apenas as ações reiteradas ou permanentes configuram assédio moral. Além disso, as ações devem ter a intenção de despender tratamento no sentido de rebaixar a uma pessoa definida ou definível. As práticas degradantes feitas a todo o conjunto não se configuram como assédio moral, o qual deve ser praticado em pessoas especificadas previamente. (GÓIS, 2007, p. 48)

Guedes menciona, ainda, que não é apenas o lado psíquico da pessoa que acaba sendo abalado na incidência do assédio moral, mas a parte física também fica afetada pelo ataque. O autor destaca, por isso, que estudos no âmbito internacional têm verificado relações diretas do assédio moral com a condição psicofísica da pessoa atingida, o que, em casos extremos, acaba gerando uma invalidez psíquica, aumentando as teses daqueles que acreditam na possibilidade de haver doenças laborais por essas razões.[50] (GUEDES, 2005, p. 113)

Conforme esclarece o autor Arochena, tanto a doutrina quanto a jurisprudência espanhola tem aceitado qualificar doenças físicas e, principalmente, doenças psíquicas originadas por assédio moral como acidente do trabalho. No entanto, o autor menciona que existem obstáculos nos pedidos feitos judicialmente, porque existem correntes limitadas quanto a esta questão. Para Arochena, o que importa verificar é a ligação da doença com o trabalho[51]. (AROCHENA, 2008, p. 57)

Nesse caso, o autor acredita também que o pensamento não deve ser no sentido de que a doença fora gerada “por consequência” do trabalho, numa visão estreita, mas pelo nexo causal mais alargado, no sentido de que a doença advenha “por ocasião” da atividade, o que, segundo ele, “nos permite qualificar como acidente do trabalho enfermidades que, ainda que o trabalhador as tivesse latentes com anterioridade – manifestaram-se por ocasião da relação de trabalho”. Arochena esclarece que agindo diferente, estar-se-ia colocando à parte pessoas que, em virtude de sua personalidade, possuem maior disposição de afetar-se pelas agressões no trabalho. (AROCHENA, 2008, p. 58)

Assim, o autor acredita que, comprovando a relação de causalidade da doença com o labor, originada por causa do assédio moral, devem ser consideradas como acidente do trabalho, incluindo, também, as pessoas que, por suas características próprias, estão pré-dispostas a adquirir estas moléstias. (AROCHENA, 2008, p. 58)

Na síndrome de burnout, ao contrário do que ocorre no assédio moral e demais modos de tirania no trabalho, inexiste a intenção de prejudicar. Para sanções penais, administrativas ou cíveis (responsabilidade civil) isso terá relevância, pois no assédio moral poderia haver responsabilização nas várias esferas. Contudo, esse elemento (intenção) não fará diferença na atribuição da doença advinda do burnout como acidente do trabalho.[52] (AROCHENA, 2008, p. 61)

Outra questão que salientamos aqui, e exposta em momento anterior, é a aceitação dessa perversidade no trabalho por parte do empregado. A perversidade é realizada de uma forma tão bem estruturada que a vítima se sente impotente e incapaz de tomar alguma atitude que reverta a situação. Sendo assim, ela acaba se perdendo cada vez mais nessa teia de forma passiva, sendo que seu sofrimento, a partir disso, pode acabar sendo suportado com o perecimento de sua própria saúde.

Devemos esclarecer, por fim, que destacamos apenas as principais causas geradoras de doenças psíquicas no trabalho. Nossa intenção, contudo, é constatar se a depressão, que é exemplo dessas doenças, pode ter origem laboral. Ora, como visto, o estresse laboral é capaz de conduzir a uma depressão, assim como o assédio moral. A depressão já é reconhecida pela legislação brasileira quando da existência de submissão do empregado a determinados agentes químicos propiciadores da enfermidade (Anexo II, do Decreto n. 3.048/1999). Porém, quanto aos agentes psicológicos referentes à organização no meio ambiente laboral, como seria o caso de uma doença originada pelo estresse e, como referido antes, pelo assédio moral, ainda não há posições expressamente delineadas pela lei. Por isso, recorremos aos preceitos constitucionais para dar à legislação vigente o verdadeiro sentido intentado ao oferecimento de uma justiça real.





3 A depressão como conseqUência do trabalho e a possibilidade do seu reconhecimento como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho

Analisadas as questões que antecedem o objeto principal de nossa pesquisa, isto é, a possibilidade de se considerar a depressão como doença do trabalho, neste momento faz-se necessário um maior exame sobre as circunstâncias práticas para essa consideração, especialmente leis, posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Até aqui, relatou-se a depressão envolvendo seu aspecto histórico, causas e consequências, analisou-se o conceito de saúde, no qual está abrangido o bem-estar mental, e como o contexto de exploração a que o trabalhador veio sendo submetido desde os tempos mais antigos até a atualidade pode acarretar doenças. Ainda, expusemos que a saúde é um direito fundamental, estando ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, entre outros princípios fundamentais.

Todas essas questões abrem caminho para a nossa discussão central que acaba sendo muito mais aprofundada. A partir de agora, veremos a abrangência da conceituação de acidente do trabalho, a fim de vislumbrarmos a possibilidade de reconhecer a depressão como doença que se equipara ao referido acidente, caso se reconheça sua origem ou desencadeamento no trabalho; investigaremos, então, os modos como poder-se-ia dar a íntima ligação entre a depressão e o trabalho, ou seja, o nexo de causalidade; verificaremos os benefícios advindos dessa caracterização e, finalmente, apresentaremos as posições jurisprudenciais mais atuais no que concerne à matéria.

Não podemos nos desligar, portanto, de todo o estudo antes apresentado, pois ele nos dá as bases para solucionar a grande questão: é possível considerar a depressão uma doença do trabalho, a qual se equipara a acidente do trabalho?

3.1 A abrangência do conceito de acidente do trabalho

Os leigos poderiam achar estranho se cogitar depressão como acidente, pois teoricamente essa palavra passa uma idéia bastante limitada quanto ao seu conceito. Primeiramente, considerar uma doença originada no trabalho como acidente, por si só, poderia causar um espanto. Porém, como esclareceremos adiante, essas são equiparações feitas pela legislação, especificamente pela Lei n. 8.213/1991 e garantidas ao empregado.

Traçando um breve apanhado histórico, importa dizer que o Decreto Legislativo n. 3.724/1919 foi a primeira regra jurídica brasileira a referir acidente do trabalho, porém tinha o conceito bem limitado. Embora o empregador tivesse responsabilidade de indenizações pelos acidentes, inexistia exigência de contratar seguro para garantir direito da pessoa acidentada. (OLIVEIRA, 2002, p. 212)

Depois, veio o Decreto n. 24.637/1934 alargando a definição de acidente, a fim de integrar as doenças profissionais atípicas e fixando a exigência de seguro privado ou depósito de moeda corrente no Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal para resguardar valores a serem pagos em caso de indenizações, variando a quantia posta em depósito de acordo com o número de trabalhadores. (OLIVEIRA, 2002, p. 213)

Mais adiante, criou-se o Decreto n. 7.036/44 que trouxe outras alterações na questão dos acidentes, adicionando as concausas e exigindo que o empregador oferecesse aos seus empregados segurança e higiene laboral, assim como a obrigação dos empregados de aderir às regras de proteção enunciadas pelo empregador. Também, ficou estabelecida a imposição ao empregador de formalizar seguro para lutar contra os riscos de acidentes diante da instituição previdenciária que o trabalhador seja filiado. (OLIVEIRA, 2002, p. 213)

A quarta lei sobre acidente do trabalho no Brasil foi o Decreto n. 293/1967 que durou tão-somente seis meses. No mesmo ano, contudo, foi expedida a Lei n. 5.316 trazendo de volta preceitos do Decreto n. 7.036. Através dessa Lei, o seguro de acidente do trabalho ficou integralmente a cargo do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS; foram reunidos na definição os acidentes in itinere[53] e formou-se plano específico de benefícios acidentários da previdência. (OLIVEIRA, 2002, p. 214)

Em 1976, foi expedida a Lei n. 6.367. Essa lei inseriu a enfermidade advinda da contaminação fortuita por aqueles que trabalham no campo da Medicina como fato equiparado a acidente do trabalho. Conforme salienta Oliveira, também se permitiu, quando da ocorrência de situações excepcionais, a equiparação de doenças não arroladas pela Previdência Social, quando a enfermidade tiver relação com as condições fora do comum em que o trabalho é realizado. (OLIVEIRA, 2002, p. 214)

Mais adiante, então, em 1988, veio a nossa Constituição Federal, incluindo a saúde como um direito fundamental e trazendo uma série de modificações positivas ao trabalhador. Após a chegada desta Carta Magna, foi promulgada a Lei n. 8.213, de 14 de julho de 1991, com as delineações que permanecem atualmente sobre acidente do trabalho. Os dispositivos desta lei que tratam da definição de acidente do trabalho e sua abrangência são os artigos 19, 20, inciso I e II, e 21. Nas hipóteses delineadas, não estão descritas tão-somente circunstâncias definidas diretamente como acidente do trabalho, mas outras circunstâncias que adquirem as consequências de acidente laboral mediante equiparação.

Primeiramente, o artigo 19 da Lei de Benefícios dispõe que acidente do trabalho é aquele que acontece “pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei[54], provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. Como se percebe, a conceituação dada pelo artigo, na verdade, deixa de definir diretamente do que se trata o acidente. A expressão “acidente do trabalho é o que” não esclarece seu significado. (ZOCCHIO, 2002, p. 57)

Mas deixando de lado as discussões quanto à correção literal do texto, deve-se dizer que a definição disposta no artigo supramencionado é classificada como acidente do trabalho típico. Conforme referem João Salvador Reis Menezes e Naray Jesimar Aparecida Paulino, os acidentes do trabalho podem ser classificados de três formas: o acidente típico; doença profissional ou do trabalho e acidente de trajeto. (MENEZES; PAULINO, 2003, p. 34)

Acidente típico, de acordo com Antonio Lopes Monteiro e Roberto Fleury de Souza Bertagni, “trata-se de um evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de consequências geralmente imediatas”. O que é preciso, nesse caso, é a comprovação da causalidade e da lesividade. (MONTEIRO, BERTAGNI, 1998, p. 10-11)

Nessa classificação de acidente, como se observa, há uma ocorrência inusitada ou repentina que se dá de forma momentânea, gerando resultados normalmente imediatos à sua ocorrência, provocando incapacidade para o trabalho.  Isso quer dizer que “num instante o trabalhador está apto para o trabalho, no seguinte está incapacitado” devido ao infortúnio. (GONÇALVES, 2002, p. 195)

Importante salientar que nos períodos reservados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local de trabalho ou durante este, o empregado considera-se em horário de trabalho, nos termos do § 1º, do artigo 21, da Lei n. 8.213/1991 e, por isso, os acidentes ocorridos durante estes espaços temporais são considerados como acidentes do trabalho. Por outro lado, não se considera agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, com fulcro no § 2º do artigo supramencionado, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha aos efeitos do anterior. Além disso, conforme Garcia, “a culpa do empregado não retira a caracterização do acidente do trabalho”. Ao contrário, o dolo do trabalhador, ou seja, o trabalhador que se “acidente” intencionalmente, acaba afastando as vantagens advindas do reconhecimento do acidente laboral, visto que, com tal atitude, nem ao menos seria possível falar em acidente. (GARCIA, 2008, p. 21)

Todavia, não se considera acidente apenas as situações típicas acima delineadas, pois a legislação englobou determinadas doenças que, por possuírem relação com o trabalho executado, obtêm os efeitos de acidente do trabalho. Conforme o artigo 20 da Lei n. 8.213/1991:





Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)







Garcia refere que os incisos expostos neste artigo de lei são “as chamadas doenças equiparadas a acidente do trabalho”. Como se percebe, o artigo refere dois tipos de enfermidades que se equiparam ao acidente do trabalho: a doença profissional e a doença do trabalho. A doença profissional sucede do próprio trabalho executado, enquanto a doença do trabalho sucede das condições especiais em que o labor é exercido. (GARCIA, 2008, p. 18)

As doenças profissionais também são chamadas de “ergopatias”, “tecnopatias” e “doenças profissionais típicas”. Elas são ocasionadas ou manifestadas em razão do tipo específico de funções que o empregado executa e são inerentes à própria atividade profissional para o qual fora contratado. Tendo em vista a sua tipicidade, é dispensada a comprovação do nexo causal entre a enfermidade e o trabalho. De acordo com Monteiro e Bertagni, existe uma presunção da lei para essa dispensa, pois essas doenças “decorrem de microtraumas que cotidianamente agridem e vulneram as defesas orgânicas, e que, por efeito cumulativo, terminam por vencê-las, deflagrando o processo mórbido”. (MONTEIRO, BERTAGNI, 1998, p. 11)

Um exemplo de doença profissional citado por Monteiro e Bertagni é o caso dos trabalhadores de minas. Como os trabalhadores desses locais sofrem contato com pó de sílica, existe uma tendência natural de adquirir silicose. Esta enfermidade, assim, é considerada uma doença profissional. Também, citando como exemplo, o caso das moléstias saturnismo e higragismo, a primeira produzida nas profissões que possuem contato com chumbo, e a segunda naquelas profissões em que existe exposição ao mercúrio. (MONTEIRO, BERTAGNI, 1998, p. 11)

Por outro lado, as doenças do trabalho, segundo Monteiro e Bertagni, “são aquelas desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacionem diretamente”. Em outros termos, as doenças do trabalho, também chamadas de “mesopatias” ou “moléstias profissionais atípicas”, embora não decorram do tipo de função específica executada pelo trabalhador, em razão das condições particulares em que essa função é exercida, acabam originando uma moléstia. (MONTEIRO, BERTAGNI, 1998, p. 11)

Essas doenças também sobrevêm de “microtraumatismos acumulados”. No entanto, por não serem moléstias típicas como as doenças profissionais, mas sim atípicas, dependem de comprovação do nexo causal com o labor desempenhado, o que é feito, em regra, por meio de vistoria ou perícia no local de trabalho. Por isso, Monteiro e Bertagni referem que, “enquanto as doenças profissionais resultam de risco específico direto (característica do ramo de atividade), as do trabalho têm como causa ou concausa o risco específico indireto”.[55] (MONTEIRO, BERTAGNI, 1998, p. 12)

Esses autores citam como exemplo a bronquite asmática. Em geral, ela pode ocorrer em qualquer indivíduo. Porém, dependendo das condições especiais em que a função seja desempenhada, a enfermidade poderá vir a manifestar-se no contexto laboral: o risco genérico será convertido em risco específico indireto. (MONTEIRO, BERTAGNI, 1998, p. 12)

As doenças profissionais, descritas no inciso I, do artigo 20 da Lei n. 8.213/1991, estão previamente delineadas no Anexo II do Regulamento da Previdência Social, o Decreto n. 3.048/1999. Segundo Abreu, este Anexo acarretou grandes alterações nas perícias da Medicina do Trabalho, especialmente aquelas feitas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, tendo em vista a listagem de duzentas novas doenças do trabalho, dentre as quais está arrolada a depressão. (ABREU, 2007, p. 54)

Embora a depressão esteja prevista na lista de doenças profissionais do Anexo II do Decreto acima mencionado, não se deve pensar que o seu reconhecimento acontece em qualquer circunstância. De acordo com o Anexo II, do Decreto n. 3.048/1999, apenas quando existe exposição a certas substâncias químicas, potencialmente geradoras de quadros depressivos é que ocorrerá o enquadramento como doença do trabalho. Também, a síndrome de burnout ou síndrome do esgotamento profissional, que guarda relações com a depressão, como fora mencionado em momento anterior, é localizada no Anexo II do Decreto n. 3.048/1999, entre as doenças do trabalho[56]. (ABREU, 2007, p. 55)

Além das situações previstas nos incisos I e II, do artigo 20, o § 2º  deste mesmo artigo prevê que, em caso excepcional, constatando-se que a doença não está incluída na relação prevista nos incisos mencionados, mas que ela resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la como acidente do trabalho. Embora não arroladas no Anexo II do Decreto n. 3.048/1999, nesses casos elas serão consideradas, também, como doenças do trabalho. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Por último, na classificação de acidente do trabalho, está o acidente in itinere, que é aquele que se dá no trajeto entre a residência do trabalhador até o local onde labora ou da volta deste local de trabalho até sua residência. Esta conceituação está prevista no artigo 21, d, da Lei n. 8.213/1991. O artigo 21 prevê casos de equiparação ao acidente do trabalho, estando entre eles algumas situações em que o acidente se dá fora do local e horário de trabalho, segundo previsões do inciso IV, sendo um exemplo deles o acidente in itinere. (GARCIA, 2008, p. 21)

Deve-se abrir um parênteses para dizer que haverá ciência do acidente, especialmente por parte do INSS, que concederá benefícios devidos após determinado tempo de incapacidade, por meio da Comunicação de Acidente do Trabalho, a chamada CAT. Esta comunicação é um formulário, sendo que o modelo é proporcionado pelo INSS e sua emissão ocorre em seis vias.[57] Em geral, a CAT será emitida pela empresa, mas se houver recusa por parte dela, poderão formalizá-la o acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer entidade pública, nos termos do artigo § 2º, do artigo 22 da Lei n. 8.213/1991. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

A Comunicação de Acidente do Trabalho deve ser feita à Previdência Social “até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao de sua ocorrência e, no caso de morte, de imediato à autoridade competente”, de acordo com o caput do artigo 22 da Lei de Benefícios. O descumprimento deste preceito acarretará, com fundamento nesse mesmo artigo, a aplicação de pena de multa aplicada e cobrada pela Previdência Social, a qual variará entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sendo sucessivamente aumentada nos caso de reincidência. Pode-se questionar como acontecerá a comunicação do acidente nos casos de doenças profissionais ou do trabalho, já que para elas não existe um marco delineado como nos acidentes típicos. Mas a própria Lei n. 8.213/1991 traz a solução para a questão, em seu artigo 23. De acordo com tal dispositivo, será considerada como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade que habitualmente exercia ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, sendo válido, para este fim, aquele que acontecer primeiro.[58] (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Em razão destes dispositivos, é preciso exprimir, de acordo com Abreu, que embora a depressão, por si só, não se encontre explicitamente prevista, quando advinda de problemas ligados ao emprego ou ao desemprego, condições laborais intrincadas, ritmo laborativo fatigante, efeito depois de acidente grave ou assalto no emprego, desavenças com empregador ou demais empregados, más condições e organização de horários no trabalho, em casos como estes existe uma ligação extensa com outras situações expressamente reconhecidas no Anexo II. Ademais, saliente-se o que já fora mencionado outrora: cada pessoa, por sua personalidade ou história de vida, reage às situações de modo diferente, havendo maior ou menor probabilidade de adquirir enfermidades como a depressão. (ABREU, 2007, p. 55)

Diante dessas exposições, Abreu menciona as seguintes conclusões: a depressão poderia ser reputada como doença do trabalho, na medida em que o trabalhador estivesse submetido àquelas substâncias tóxicas listadas no Grupo V da CID 10, do Decreto n. 3.048/1999, em conformidade com o artigo 20, II, da Lei n. 8.213/1991, ou quando tivesse uma relação muito grande entre a depressão e àquelas doenças previstas no Anexo, de modo que não pudesse haver desagregação e, neste caso, as situações referentes às condições laborais, organização no trabalho, entre outros, precisariam ser verificados. Porém, se não se pudesse enquadrar em quaisquer das situações acima descritas, “em caso excepcional”, a depressão poderia ser “considerada como doença do trabalho a partir do reconhecimento do nexo causal entre a doença e o trabalho, com base no previsto no artigo 20, § 2º da Lei n. 8.213/1991”. (ABREU, 2007, p. 56)

Além disso, o artigo 21-A da Lei de Benefícios prevê outra possibilidade: o estabelecimento da ligação entre doença e trabalho através do nexo técnico epidemiológico, do qual trataremos mais adiante. Segundo o mencionado artigo, a perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade, por meio da ocorrência do “nexo epidemiológico”, quando houver a relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento da Previdência Social. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Como se percebe, a lei não mantém as hipóteses de consideração de maneira fechada, ao contrário: abre espaço para situações que não estejam previamente delineadas quando houver concreta comprovação do nexo de causalidade. Este nexo, por sua vez, será tratado a seguir, devido à sua extrema importância para o desfecho da questão. Se a própria Lei concede lugar para considerações como esta e se a depressão é reconhecida conceitualmente como doença, por que há resistência na sua consideração como doença do trabalho, quando comprovada que sua origem ou desencadeamento decorrem do ambiente ou condições laborais? As respostas não são simples e, com uma maior análise pode-se chegar a uma plausibilidade dos argumentos, o que, contudo, não elide, a nosso ver, a superioridade do reconhecimento de um direito com base em princípios constitucionais que garantem ao trabalhador um mínimo que possa ampará-lo frente ao empregador na relação de emprego.


Durante esta pesquisa, a expressão “nexo de causalidade” (ou “nexo causal”) foi repetida por diversas vezes em virtude da sua importância para a problemática ora analisada. Esta relevância deve-se, especialmente, pela impossibilidade de reconhecimento da ocorrência de acidente do trabalho ou de doença ocupacional sem a comprovação de sua existência, ligando o labor ao acidente ou à enfermidade. Sendo assim, sem a constatação do referido nexo, nem ao menos se poderia cogitar a hipótese de a depressão vir a ser reconhecida como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho.

Pois bem, nexo de causalidade, como expressa Oliveira, é a ligação necessária entre ato e dano. Trazendo isso para o contexto laboral, é a ligação entre a moléstia resultante e o trabalho exercido, ou seja, é o vínculo demonstrativo de que a enfermidade se originou ou se desencadeou pelo trabalho. No acidente típico, o nexo de causalidade ocorre de modo manifesto, assim como nas doenças profissionais em que a ligação é bem visível. Por outro lado, quanto às doenças do trabalho, por exemplo, deve-se ter mais cautela, visto que não é na totalidade dos casos que se determina com precisão se a moléstia se deu em virtude do labor, exigindo exames complementares, a fim de obter respostas claras, por meio de “diagnósticos diferenciais”. (OLIVEIRA, 2002, p. 239)

Atualmente, tem se utilizado uma nova forma de ligação entre doença e trabalho, trazida com a Lei n. 11.340/2006, o chamado nexo técnico epidemiológico, previsto no artigo 21-A da Lei n. 8.213/1991. De acordo com Garcia, esse nexo teria trazido uma série de evoluções quanto a esta questão, considerando a dificuldade de reconhecimento do nexo de causalidade para se reconhecer doenças profissionais e do trabalho. Através do nexo técnico epidemiológico, produziu-se uma listagem de doenças que, até que exista prova contrária, consideram-se originadas pelo trabalho. O estudo destas doenças foi organizado através da porcentagem de incidência de determinadas doenças em ramos específicos de atividade arrolados pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. O nexo técnico epidemiológico estabelece, assim, uma presunção relativa quanto à natureza laboral da moléstia. Se a natureza é relativa, obviamente é possível que o empregador comprove a ausência de ligação entre enfermidade e trabalho, fato que pode ser discutido não somente no âmbito administrativo, mas também em ações judiciais.[59] (GARCIA, 2008, p. 81-84)

Então, de acordo com o artigo 337, § 3º do Decreto n. 6.042/2007, que disciplina a aplicação do nexo técnico epidemiológico, ficará demonstrada a relação entre o labor e o agravo: “quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na CID, em conformidade com o disposto na Lista B, do Anexo II deste Regulamento”. Importante esclarecer que o nexo técnico epidemiológico previdenciário é considerado pelo INSS, conforme artigo 1º da Instrução Normativa 16/2007, como uma das espécies de nexo causal. (GARCIA, 2008, p. 86)

Dessa forma, o nexo causal entre a doença e o trabalho, como gênero, poderia ocorrer em três espécies: através da demonstração do nexo técnico epidemológico entre o ramo da atividade econômica da empresa (constante na CNAE) e a doença geradora de incapacidade (arrolada na CID), conforme a Lista B, do Anexo II do Regulamento da Previdência Social – RPS, ou seja, esta é a situação em que existe presunção relativa da natureza laboral da moléstia; através da verificação de que a enfermidade origina-se de “agente etiológico ou fator de risco de natureza ocupacional” constante na Lista A, do Anexo II do RPS presentes nas atividades econômicas do empregador, mesmo que de forma parcial ou indireta; nesse caso, existe presunção absoluta da ligação da doença com o trabalho e, por fim, o caso excepcional previsto no § 2º, do artigo 20 da Lei n. 8.213/1991, quando a doença não se enquadra nos incisos I e II deste mesmo artigo. (GARCIA, 2008, p. 87)

No caso da depressão, a dificuldade de estabelecer o nexo de causalidade deriva de tudo o que foi mencionado até aqui sobre esta patologia, especialmente quanto a sua subjetividade e multifatoriedade, sendo que, tirando os casos de exposição a determinados agentes químicos nocivos à saúde, seria possível tentar reconhecê-la como patologia laboral apenas em caso excepcional, comprovando-se que a ela ocorreu diretamente pelas condições especiais em que o trabalho fora desenvolvido, conforme o § 2º, do artigo 20 da Lei n. 8.213/1991, o que se torna bem mais complicado e pouco admitido pelos nossos Tribunais, como veremos depois, porque a demontração é bastante obstaculizada.

Aplicando-se, porém, o nexo técnico epidemiológico, que relacionou uma série de doenças de acordo com o índice de incidência em determinados ramos de atividades econômicas, é possível dizer que a depressão é considerada como doença oriunda do trabalho numa série de atividades. Conforme a Lista B, com redação dada pelo Decreto n. 6.042/2007, para um rol de atividades passou a existir a presunção relativa de que a depressão, nesses casos, trate-se de doença laborativa. No intervalo que vai entre F30 a F39, código que, de acordo com a CID, corresponde aos transtornos mentais e do comportamento, consta um rol de atividades, com presunção de serem ocupacionais. Garcia traz, exemplificativamente, alguns ramos de atividades considerados como doenças profissionais por ocasião da depressão: transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal; atividades de Correio Nacional; serviços de telefonia fixa comutada; bancos múltiplos, com carteira comercial; caixas econômicas; bancos múltiplos, sem carteira comercial; planos de saúde; limpeza em prédios e em domicílios; atividades de limpeza não especificadas; Administração Pública em Geral; Justiça; Segurança e ordem pública e atividades de atendimento hospitalar. (GARCIA, 2008, p. 100-101)

Ainda assim, entende-se, por todos os esclarecimentos feitos até aqui, que a questão estaria limitada, pois se uma atividade não estiver arrolada na lista e, ainda assim, o empregado esteja submetido à forte pressão laboral, inclusive com evidências de assédio moral, por exemplo, possibilitando a origem ou desencadeamento de um quadro depressivo, ele ficaria desamparado, caso não se aceitasse considerar a depressão como doença laboral nos termos prefixados pelo § 2º, do artigo 20 da Lei n. 8.213/1991.

Ademais, em que pese as explicações realizadas a respeito do nexo técnico epidemiológico, importa referir que sua constitucionalidade está sendo debatida por meio da Ação Direta de Incontitucionalidade – ADI n. 3.931, a qual ainda aguarda o deferimento ou indeferimento da liminar e, consequentemente, aguarda o julgamento final.[60] Sem aprofundar muito esta discussão, que não é objeto deste trabalho, esclareça-se que Garcia entende por sua constitucionalidade, tendo em vista que ele se adequaria aos princípios previstos por nossa Carta Magna, garantindo os direitos do trabalhador e aprimorando as normas de reconhecimento da natureza laboral das enfermidades. (GARCIA, 2008, p. 91)

Para não ingressarmos em outra discussão, salientamos que o que é imprescindível entender sobre o nexo de causalidade é que não haverá doença do trabalho, sendo ou não aplicado o nexo técnico epidemiológico, se não existir uma relação entre essa enfermidade e o labor desempenhado. Tanto que a Lei de Benefícios Previdenciários retira da definição de doença do trabalho a doença degenerativa, bem como as moléstias ligadas ao grupo etário, visto que, normalmente, os empregados que tiverem tendência a contrair essas enfermidades, contrairão se estiverem ou não trabalhando. Segundo Oliveira, “nessas hipóteses as doenças nao ocorreram “pelo” trabalho, mas apenas “no” trabalho”. (OLIVEIRA, 2002, p. 241-242)

Além disso, os médicos que verificarão a presença ou ausência de enfermidade laboral deverão seguir os rigorosos requisitos delineados pela Resolução n. 1488/1998, do Conselho Federal de Medicina, o qual prevê, em seu artigo 2º que, para estabelecer o nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades executadas pelo trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e dos exames complementares, quando necessários, o médico deverá considerar:





I - a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

II - o estudo do local de trabalho;

III - o estudo da organização do trabalho;

IV - os dados epidemiológicos;

V - a literatura atualizada;

VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas;

VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores;

IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde. (Resolução n. 1488 de 11 de fevereiro de 1998)







Esses são delineamentos gerais, pertinentes para a análise de qualquer patologia que possa vir a ser reconhecida como doença do trabalho. Contudo, para a depressão, é preciso sempre salientar a discussão relacionada ao nexo de causalidade entre a doença mental e trabalho, em virtude, especialmente, das diversas percepções quanto à origem da moléstia. Foi o que referimos em momento anterior: alguns pesquisadores entendem que a doença decorre por questões orgânicas, outros acham que ela é gerada unicamente por razões psicogênitas e, finalmente, o entendimento que prevalece, isto é, a concepção de que a doença seja causada por vários fatores reunidos (origem multifatorial resultante de fatores biopisicossociais), ideia que favorece a ligação entre a enfermidade mental e trabalho. (TEIXEIRA, 2007, p. 38)

A concepção multifatorial, por sua vez, leva a outro raciocício: as enfermidades precisam estar unicamente ligadas ao trabalho para serem consideradas doenças do trabalho, ou podem estar aliadas a outros fatores, os quais originam ou desencadeiam o quadro? Essa análise traz, então, a proposição da associação de causas no reconhecimentos de doenças decorrentes da atividade laborativa, como será explanado a seguir.


No tópico anterior, afirmou-se que seria aceitável o reconhecimento da depressão como doença do trabalho, além dos casos previamente arrolados pela legislação, quando fosse possível o enquadramento na circunstância prevista no § 2º, do artigo 20 da Lei n. 8.213/1991. No entanto, a jurisprudência não tem reconhecido o nexo causal entre depressão e trabalho, nem mesmo nestes moldes, fato que demonstraremos em momento posterior. Uma das dificuldades assinaladas é a natureza multifatorial da depressão, o que significa que, possivelmente, não tenha sido apenas um agente causador do quadro. Assim, em tese, poder-se-ia pensar nisso como justificador da ausência de reconhecimento da moléstia como doença do trabalho, equiparando-a ao acidente do trabalho. Contudo, dentro do tema “nexo de causalidade”, devemos ter em mente a questão da união de fatores que podem ter gerado o quadro, ou seja, a concausalidade.

Segundo Monteiro e Bertagni, há outro preceito legal que traz circunstâncias descritas como acidente do trabalho. Trata-se do artigo 21, da Lei n. 8.213/1991, em que os acidentes relacionam-se somente de forma indireta com a função laborativa. Sendo assim, o mencionado dispositivo acolhe o princípio da concausalidade, ou da equivalência das condições ou, também, da equivalência dos antecedentes. (MONTEIRO; BERTAGNI, 1998, p. 12)

Dentre as previsões contidas no artigo 21 da Lei de Benefícios, o princípio da concausalidade fica ressaltado através do seu inciso I. De acordo com este inciso, equipara-se ao acidente de trabalho “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”. Ou seja, para se considerar acidente do trabalho, a doença não precisa ter se originado unicamente pelo trabalho. Aliás, a nossa legislação acidentária, desde o Decreto-Lei n. 7.036/1944 vem trazendo o princípio da concausalidade estampada neste dispositivo. (MONTEIRO; BERTAGNI, 1998, p. 13)

Sendo assim, segundo Monteiro e Bertagni, “nem sempre o acidente se apresenta como causa única e exclusiva da lesão ou doença”. Poderá haver, então, ajuntamento de elementos que concorram para um resultado, ou seja, as concausas. Essas concausas poderão ser antecedentes, posteriores ou concomitantes em relação ao acidente. (MONTEIRO; BERTAGNI, 1998, p. 13)

Um exemplo de causa antecedente ao acidente é o caso de uma pessoa diabética que sofra um corte ao executar suas funções laborais; para qualquer indivíduo sem a doença não traria maiores problemas, mas para aquele trabalhador, em virtude da diabetes, houve uma hemorragia e, como consequência, seu óbito. Como se percebe, para provocação do resultado, o acidente se uniu a diabete, que era um fator preexistente. Por outro lado, como causa posterior ou superveniente ao acidente ou doença ocupacional, pode se citar certas complicações incitadas por micróbios patogênicos, como estafilococos ou estreptococos[61], que provoquem a amputação de um dedo, ou até mesmo o óbito da pessoa. Por fim, um exemplo de causa concomitante ao acidente seria uma disacusia[62], doença possuída por um tecelão de cinquenta anos. No caso, se ocorresse a perda auditiva, esta se daria por duas formas de ruído: aquele relativo ao seu ambiente laboral, o qual suportou por anos de modo excessivo, e aquele oriundo de sua idade, que seria uma causa externa ao trabalho, mas que acaba incidindo simultaneamente. (MONTEIRO; BERTAGNI, 1998, p. 13)

Trazendo essa perspectiva para o caso da depressão, quando falamos da sua natureza multifatorial, acabamos entrando no assunto da concausalidade. Isso porque a análise pode englobar questões biológicas e genéticas, como a propensão de contrair a doença pode envolver a submissão a determinados agentes químicos e a própria relação social e cultural do indivíduo em sociedade. Assim, comparando com os exemplos citados pelos autores Monteiro e Bertagni, a pessoa pode ter a propensão à depressão e, ao ser vítima de um assédio moral, também exemplificativamente falando, desencadear ou piorar um quadro outrora existente. Se esta regra é aplicável nas situações acima assinaladas, não se vislumbra diferenciações práticas no reconhecimento da depressão também, ainda que se verifique um fator antecedente, superveniente ou concomitante no desenvolvimento da patologia, tendo em vista que a depressão é plenamente reconhecida como doença pela Classificação Internacional de Doenças.

Ademais, conforme já comentado, permanecendo dúvida quanto à procedência da doença vir do trabalho ou do ambiente laboral, mas que não se descarte a possibilidade de o trabalho ser uma “concausa” no desenvolvimento do quadro mórbido, deve prevalecer o que for mais benéfico ao empregado, tendo em vista o princípio da proteção aliado ao princípio da norma mais favorável, em consonância com a legislação em vigor e com os princípios fundamentais constantes na nossa Lei Maior, pois o trabalhador representa a parte mais frágil nesta relação. (ABREU, 2007, p. 58)

Sendo assim, o nexo de causalidade também não é fechado, devendo ser considerada como doença do trabalho não apenas aquelas enfermidades que decorrerem unicamente do exercício da atividade laborativa ou do meio ambiente de trabalho. Pode sim, ser considerada a doença que é originada do trabalho como uma concausa à outra causa anterior, concorrente ou posterior a esta, gerando incapacidade para o labor. Nesse sentido, a depressão, por ser doença considerada de natureza predominantemente multifatorial, não encontraria obstáculos quando acontecesse essa situação, pois plenamente prevista na Lei vigente. Portanto, o empregado não poderia encontrar obstáculos na percepção dos benefícios inerente ao reconhecimento da ocorrência de acidente do trabalho, se a depressão tivesse como base o trabalho na forma de concausa a um problema pessoal, familiar, social, genético, entre outros.








Acaso fosse aceita a possibilidade de a depressão ser reconhecida como doença laboral equiparada a acidente do trabalho, faz-se necessário saber quais as vantagens desta consideração para o trabalhador, tanto no âmbito previdenciário quanto no âmbito trabalhista. Como se demonstrará, existem diferenças específicas quando a incapacidade do trabalhador possui natureza acidentária com relação àquela ocasionada fora do contexto laboral.

Primeiramente, o empregado receberá benefícios previdenciários ainda que a depressão que o acometa não for considerada como advinda do trabalho. Até o décimo quinto dia de afastamento da atividade laboral, o INSS não terá conhecimento desse fato, sendo este pagamento de obrigação do empregador. A obrigação de pagar quaisquer prestações beneficiárias ocorre após o décimo sexto dia de afastamento, quando isso for necessário. Neste caso, sendo necessário que o trabalhador fique sem trabalhar por mais de quinze dias, o INSS realizará uma perícia, a fim de verificar o estado incapacitante do mesmo e concederá, se entender cabível, benefícios não ligados ao trabalho, como o auxílio-doença originado por acidente ou doença sem vinculação com o trabalho e a aposentadoria por invalidez causada por acidente ou doença não vinculada ao trabalho. (ABREU, 2007, p. 60)

Porém, sendo possível estabelecer o nexo de causalidade entre a depressão e o trabalho, as prestações previdenciárias a serem concedidas são: auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e reabilitação. Essencial referir que os benefícios derivados de acidentes do trabalho, aqui consideradas também as doenças do trabalho e profissionais, não necessitam cumprimento de carência[63], de acordo com o que dispõe o artigo 26 da Lei n. 8.213/1991[64]. (GARCIA, 2008, p. 56)

No auxílio-doença acidentário, assim como no auxílio-doença sem natureza acidentária, o pagamento pelo INSS inicia a partir do décimo sexto dia seguinte ao afastamento do empregado das atividades laborativas, em virtude do acidente, ficando a cargo do empregador o pagamento relativo ao afastamento nos quinze primeiros dias, de acordo com o artigo 60 da Lei de Benefícios. Ademais, o valor mensal do benefício corresponde a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício do segurado, ou seja, 91% (noventa e um por cento) da “média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário”, de acordo com o artigo 29 desta mesma Lei. (OLIVEIRA, 2002, p. 219)

Se o segurado já estivesse acometido de doença ou lesão antes de se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, ou seja, antes de se tornar segurado, o que é chamado de preexistência da enfermidade, o mesmo perde o direito à prestação previdenciária nos termos do artigo 59, parágrafo único da Lei n. 8.213/1991. O segurado não perde o benefício, quando houver preexistência da doença ou lesão, mas se a incapacidade acontecer somente depois da filiação, em razão de progressão desta doença ou lesão. (GARCIA, 2008, p. 58)

O auxílio-acidente, por sua vez, será concedido “como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”, segundo dispõe o artigo 86 da Lei n. 8.213/1991. Isso significa que, depois de se tornarem estáveis as lesões oriundas do acidente, de forma que tenha restado diminuída a capacidade do segurado para atividade que exercia antes do acidente, este benefício lhe será concedido como forma indenizatória por essa redução. Segundo esclarece Garcia, é “benefício previdenciário devido em caso de sequelas, acarretando redução da capacidade laboral”. (GARCIA, 2008, p. 59)

O auxílio-acidente, conforme estabelece o § 1º do artigo 86, será pago desde o dia seguinte ao da cessação do benefício de auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria (§ 2º, do artigo 86) até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado, na quantia mensal de 50% (cinquenta por cento) do salário-de-benefício. O retorno às atividades laborativas, assim como o recebimento de qualquer outro benefício previdenciário, excetuando-se, portanto, as aposentadorias, não impedem a continuidade do recebimento desta prestação. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

De acordo com Abreu, não existem motivos para confundir essa prestação com o benefício de auxílio-doença acidentário, tendo em vista que “este somente é devido enquanto o segurado encontra-se incapaz, temporariamente, para o trabalho e o auxílio-acidente, por seu turno, é devido após a consolidação das lesões ou perturbações de que foi vítima o acidentado”. (ABREU, 2007, p. 64)

Abreu explica, ainda, que se trata de um direito que depende da avaliação de perícia médica e, devido a esse fato, por sua conceituação explicitada pela Lei, bem como diante da dificuldade de precisar a “quantificação” da perda de capacidade do empregado, gerando uma série de dúvidas nos pesquisadores do tema e nos peritos, bem como inconformidade daquele que recebe a prestação, causando muitos conflitos na área pericial. Por isso, a grande dificuldade em concedê-lo ao trabalhador depressivo, visto que é complicado medir a quantia de perda da sua capacidade, ainda mais pelo fato de que, normalmente, essa incapacidade é temporária, havendo recuperação total depois de um tratamento adequado. (ABREU, 2007, p. 65)

Quanto à aposentadoria por invalidez, primeiramente, há sua previsão na Constituição Federal de 1988, assim como a previsão do auxílio-doença, que no inciso I, do artigo 201, dispõe que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada. A legislação infraconstitucional, em especial a Lei de Benefícios, em seu artigo 42, dispõe que ela será devida “ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição”. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Para ser possível conceder este benefício, também haverá de ser realizado exame médico-pericial, pela Previdência Social, a fim de constatar a presença de incapacidade, podendo o segurado ser acompanhado por perito de sua confiança, por sua conta (§ 1º do artigo 42). Ademais, a renda mensal deste benefício, diferentemente do auxílio-doença, que é de 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, corresponderá a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, de acordo com o artigo 44 da Lei de Benefícios. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Outro ponto a ser destacado é o de que a aposentadoria por invalidez será devida ao segurado a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença (artigo 43 da Lei n. 8.213/1991). No entanto, nem sempre será necessária a concessão do auxílio-doença para que ele receba a aposentadoria por invalidez: sendo constatada pela perícia médica inicial a existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho, será devida a aposentadoria por invalidez ao empregado, desde o décimo sexto dia[65] de afastamento da atividade, ou a partir da entrada do requerimento, se entre o afastamento e a entrada do requerimento decorrer mais de 30 dias[66], segundo o artigo 43, § 1º, da Lei n. 8.213/1991. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

A Lei de Benefícios também prevê o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) no valor da aposentadoria por invalidez, quando o segurado que receber o benefício precisar de assistência permanente de outra pessoa, nos termos do seu artigo 45. Além disso, deve-se dizer que o benefício de aposentadoria por invalidez é provisório, pois, segundo explica Abreu, “o segurado pode, em certos casos, recuperar-se”. O artigo 46 do Decreto n. 3.048/1999, inclusive prevê que o segurado deverá se submeter a exames médico-periciais, a cada dois anos, justamente para verificar se não ocorreu o retorno da capacidade laboral, sob pena de sustação do pagamento do benefício.[67] (ABREU, 2007, p. 66)

Considerando, ainda, que o acidente pode ocasionar o óbito do segurado, é possível falar-se no benefício previdenciário de pensão por morte. Ele será devido “ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; da decisão judicial, no caso de morte presumida”, consoante consta nos inciso I, II e III do artigo n. 74 da Lei n. 8.213/1991. A pensão por morte terá o valor mensal de 100% (cem por cento) da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data do seu falecimento, de acordo com o artigo 75 da Lei n. 8.213/1991. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Finalmente, a reabilitação profissional tem o escopo de oferecer ao beneficiário incapacitado para o trabalho de forma total ou parcial, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios que conduzam à “(re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive”, segundo artigo 89 da Lei de Benefícios. Ou seja, é um benefício que busca a reinserção do segurado incapacitado, concebendo suas limitações e sua condição social no âmbito laboral. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)

Depois de analisar-se cada uma das prestações previdenciárias que podem ser concedidas ao segurado que sofre quaisquer formas de acidente no trabalho, incluídas as doenças ocupacionais, cumpre agora esclarecer as consequências desse acidente na relação empregatícia, isto é, os efeitos trabalhistas do infortúnio.

Primeiramente, deve-se verificar o que ocorre com o contrato de trabalho no caso de haver acidente do trabalho, se será suspensão ou interrupção[68]. Conforme explica Garcia, os primeiros 15 dias de afastamento são remunerados pela empresa, portanto trata-se de caso de interrupção do contrato de trabalho, pois o trabalhador estará sendo pago como se estivesse laborando. Porém, existem divergências quanto ao período posterior, ou seja, a partir do 16º (décimo sexto) dia, pois mesmo que o trabalhador não esteja ganhando o salário, ele está gozando de benefício previdenciário concedido pelo INSS. (GARCIA, 2008, p. 67)

Todavia, de acordo com o artigo 4º, parágrafo único da CLT, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho por motivo de acidente do trabalho serão computados na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade. Isto é, todo período será reputado na contagem. Além disso, conforme o § 5º, do artigo 15, da Lei n. 8.036/1990, incluído pela Lei n. 9.711/1998, nesse período são devidos os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Segundo Garcia, embora a tendência majoritária considere que, até o 15º dia de afastamento se trate de interrupção do contrato de trabalho e a partir do 16º dia de afastamento exista um tipo de suspensão peculiar (sui generis) do mesmo, ele acredita que, na verdade, todo o período se trata de interrupção, com determinadas especificidades, mas que, mesmo durante a percepção de benefício previdenciário, há o cômputo do tempo de serviço. De acordo com as palavras do autor: “seguindo o entendimento de parte da doutrina, todo o período de afastamento pode ser visto como hipótese (diferenciada) de interrupção do contrato de trabalho, pois é computado no tempo de serviço”. (GARCIA, 2008, p. 68)

A segunda questão relacionada aos efeitos trabalhistas do acidente de trabalho é a estabilidade provisória. Como mencionamos em momento anterior, a nossa Constituição Federal contém uma série de preceitos que protegem a saúde laborativa, estando entre eles a previsão do inciso XXII do artigo 7º, o qual menciona que é direito do trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. De acordo com o que expressa Vecchi, “o estabelecimento de regras infraconstitucionais que visam proteger o empregado de tais riscos concretiza do mandamento constitucional”. O autor ainda esclarece que uma dessas medidas é o disposto no artigo 118, da Lei n. 8.213/1991. (VECCHI, 2007b, p. 186)

Segundo o artigo 118, “o segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”. Este artigo já passou pela análise de sua constitucionalidade, pela possível violação do artigo 7º, inciso I da Constituição Federal[69], porém, segundo refere Garcia, a Súmula 378, inciso I, do Tribunal Superior do Trabalho – TST – pacificou  o entendimento quanto à constitucionalidade do referido preceito legal. (GARCIA, 2008, p. 69)

Embora o texto do artigo acima exponha que, para obter estabilidade o empregado deve ter recebido auxílio-doença acidentário e, consequentemente, ele deve ter permanecido 15 dias afastado de suas atividades laborativas antes da percepção do benefício, tais condições não são consideradas pressupostos obrigatórios para obtenção da estabilidade provisória. Conforme explica Vecchi, o empregado possuirá direito à estabilidade provisória depois do retorno ao trabalho, quando se afastar da atividade laborativa por mais de 15 dias. No entanto, refere, também, que o afastamento por mais de 15 dias não se faz necessário nos casos das doenças profissionais, nas quais se comprove, ainda que depois da despedida do emprego, a presença do nexo de causalidade entre o trabalho e a enfermidade. (VECCHI, 2007b, p. 187)

No caso de doenças ligadas ao trabalho, muitas vezes, não há afastamento por mais de 15 dias em virtude da moléstia e, tampouco, a concessão do auxílio-doença acidentário antes de extinguir o contrato de emprego. Garcia sugere, então, que, através de uma interpretação teleológica do artigo 118, seria possível sustentar que “se o afastamento das atividades por mais de 15 dias ao menos deveria ter ocorrido, somente não se observando por ato culposo do empregador (o que pode ser constatado com auxílio de perícia médica), deve-se considerar preenchido o requisito legal”. Nesse sentido, a Súmula 378, no seu inciso II, prevê que “são pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego”. (GARCIA, 2008, p. 70)

Este entendimento é verificado na recentíssima decisão do TST:

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. GARANTIA PROVISÓRIA NO EMPREGO. ACIDENTE DE TRABALHO. Há garantia provisória no emprego, independentemente do afastamento superior a 15 dias e do recebimento do auxílio-doença acidentário, quando seja constatado, mesmo após a despedida, o nexo de causalidade entre a doença e a execução do contrato de trabalho (da Súmula nº 378, II, do TST). Recurso de revista de que não se conhece. DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS. SEGURO DE VIDA.[70] (BRASÍLIA, TST, RR - 610/2002-002-17-00, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 2009)



Outra questão a ser referida é que não precisam existir sequelas para haver estabilidade provisória, pois o próprio artigo 118 estabelece que ela “independe da percepção de auxílio-acidente”. Ademais, essa garantia prevalece por 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário, excetuando-se as situações acima descritas. O artigo 118 refere que a estabilidade perdurará pelo prazo “mínimo” de 12 meses, significando que não terá validade qualquer estipulação de espaço temporal inferior a esta previsão legal através de outras fontes normativas ou negociações coletivas. Contudo, a estipulação de período mais alargado terá validade, levando em consideração o princípio da norma mais favorável, por meio de contrato individual de trabalho ou norma coletiva negociada, com base no inciso XXVI, do artigo 7º da nossa Lei Maior. (GARCIA, 2008, p. 70)

Além da estabilidade provisória do artigo 118 da lei n. 8.213/1991, o empregado reabilitado poderá ter garantida a manutenção do contrato de trabalho na empresa, nos termos do artigo 93 desta mesma Lei. De acordo com o preceito, as empresas que tiverem mais de cem empregados deverão possuir entre 2% e 5% de indivíduos reabilitados ou portadores de deficiência, alterando o percentual de acordo com a quantidade de trabalhadores. (OLIVEIRA, 2002, p. 233)

A estabilidade provisória acaba se tornando muito importante ao empregado acidentado, tendo em vista que o ampara diante da sua instabilidade ao voltar para as funções laborativas após o infortúnio. Coadunando com esta compreensão, Oliveira explica que:

Esta estabilidade provisória veio em resposta a um comportamento comum das empresas de promover a dispensa do empregado acidentado logo após a alta concedida pela Previdência Social. E o motivo dessa atitude é facilmente identificado: o trabalhador acidentado que retorna ao serviço, após o período de afastamento, encontra-se inseguro, receoso, fora do ritmo de trabalho dos demais colegas, de forma semelhante ao motorista que volta a dirigir após um acidente de trânsito. Quando se trata de doença ocupacional, há, também, o medo de que o retorno ao ambiente de trabalho faça reaparecer a enfermidade. Naturalmente, diante desse quadro de apreensões, o trabalhador oferece baixa produtividade, erra mais e, por conseqüência, exige acompanhamento mais rigoroso da chefia. Enfim, durante algum tempo, não será um empregado “desejável”. (OLIVEIRA, 1998, p. 192)



Como bem esclarecido no texto, o trabalhador que retorna depois de um acidente, considerando-se toda a abrangência do termo “acidente”, não se encontra com as mesmas forças, nem com a plena disposição que se encontrava antes do evento. Esse fato poderá se verificar, talvez até em maior grau, quando se falar em empregado depressivo, em que as condições de receio e apreensão são mais fáceis de abalá-lo, dificultando o reingresso e, talvez, facilitando a reinserção da doença.

Ademais, para a nossa pesquisa, a estabilidade provisória talvez seja a vantagem de maior relevância quando se fala em acidente. Isso porque as prestações previdenciárias, em geral, seriam concedidas mesmo que a incapacidade não decorresse de acidente do trabalho, excetuando-se a questão da inexigibilidade de carência das prestações acidentárias. A estabilidade provisória faz a diferença porque é uma obrigação que se exige frente ao empregador e não em face do INSS, nos casos de acidente do trabalho.

Outro direito que o empregado poderá ter é a responsabilização do empregador em face dos danos morais e dos danos materiais gerados pelo acidente do trabalho ou pela doença ocupacional. Garcia conceitua o dano moral como sendo “a lesão a direitos extrapatrimoniais da pessoa, violando a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem ou outros direitos da personalidade, ou mesmo direitos fundamentais que preservem a dignidade da pessoa humana”. Ou seja, no dano moral, verifica-se um prejuízo pessoal, isto é, fere-se a dignidade do indivíduo enquanto pessoa. Por outro lado, no dano material, os prejuízos gerados à pessoa lesada são pecuniários. Importante referir que o dano moral pode ser causado em virtude de um dano patrimonial que provoque lesão a um direito extrapatrimonial. Pode ocorrer, também, de o dano extrapatrimonial refletir no patrimônio da pessoa, ocasionando um dano material. (GARCIA, 2008, 74)

O dano moral trabalhista acontece na esfera do contrato laboral, através dele ou em virtude de sua presença, abrangendo os dois lados da relação jurídica empregatícia, isto é, o trabalhador e o empregador. Em geral, é o empregado que se encontra prejudicado, por ser o lado mais frágil na relação, o que não obsta que o empregador venha a encontrar-se nesta posição, sendo que, inclusive, está pacificado na jurisprudência que empresa pode sofrer dano moral. O dano moral sofrido pelo empregado pode ser originado até mesmo de um assédio moral, antes estudado, o qual pode causar graves moléstias no âmbito laboral, como a depressão. Como refere Garcia: “o próprio assédio moral, por sua vez, pode gerar doenças do trabalho de ordem psíquica, como a depressão”. (GARCIA, 2008, p. 75)

Assim, quando acontecer dano moral ou material ao trabalhador, existindo nexo de causalidade, dolo ou culpa do empregador, com exceção dos casos em que seja prevista a responsabilidade objetiva, haverá a obrigação de indenizar. A responsabilidade civil, neste sentido, é o dever de suportar os efeitos jurídicos resultantes de ato ilícito cometido, reparando a lesão gerada. A responsabilidade civil oriunda de acidentes do trabalho, contudo, exige um nexo de causalidade mais restrito do que o nexo de causalidade previsto na Lei de Benefícios para efeitos previdenciários. Por exemplo, se o acidente ocorreu por caso fortuito ou força maior, a pessoa lesada receberá as prestações previdenciárias. Mas a indenização por danos morais e materiais restará prejudicada em virtude da falta de nexo causal ou, pelo menos, concausa entre o acidente ou doença e o trabalho, característico da responsabilidade civil, guiada pela teoria da causalidade adequada e imediata. (GARCIA, 2008, p. 77-78)

Portanto, percebe-se a importância do reconhecimento da ocorrência de acidente do trabalho ou de doença ocupacional, tendo em vista a gama de vantagens advindas deste fato. Acaso seja possível considerar a depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho, o empregado obterá, além dos benefícios previdenciários, a estabilidade provisória, bem como, dependendo da circunstância, acaso exista comprovação do nexo causal, do dolo ou culpa do empregador, a responsabilidade civil por eventuais danos morais e materiais oriundos do acidente.

3.4 A problemática quanto ao reconhecimento da depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho                 

Após um longo estudo sobre a depressão e sua relação com o trabalho, é preciso realizar uma profunda análise quanto às posições positivas, negativas, dificuldades e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a sua consideração como doença ocupacional, a fim de chegarmos a uma conclusão realista no que tange esta problemática. Ressalte-se que quaisquer respostas encontradas no exame do problema, não deixarão de levar em conta todas as compreensões trazidas à tona no desenvolvimento da pesquisa.

Inicialmente, deve-se dizer que a dúvida sobre o reconhecimento da depressão como doença laboral equiparada a acidente do trabalho foi refletida em virtude da decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, em que o julgamento foi no sentido de que a depressão que acometia certa empregada não poderia ser configurada como acidente do trabalho, tendo em vista o entendimento de que seria impossível determinar a presença de relação direta, ou seja, o nexo de causalidade, entre o labor e a moléstia. Segue a ementa da referida decisão:























DEPRESSÃO. EQUIPARAÇÃO À ACIDENTE DO TRABALHO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS CONSTANTES DO § 2º DO ART. 20 DA LEI N.º 8.213/91. AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA.

A equiparação ao acidente de trabalho, de patologia não reconhecida como doença profissional, pelo Ministério da Previdência Social, pressupõe, conforme previsão expressa no § 2º do art. 20 da Lei n.º 8.213/91, causa decorrente, e relação direta, com condições especiais de labor. Assim, no presente caso, a trabalhadora acometida de depressão não detém direito à estabilidade acidentária: primeiro, porque não demonstrou especialidade das condições de trabalho que a excepcione da rotina geral da sua profissão; segundo, porque impossível se determinar a existência de relação direta – nexo causal – entre o trabalho e a enfermidade, peculiarmente caracterizada por sofrer variável e indeterminada influência de todos os diversos fatores ligados à natureza humana – genéticos, psicológicos, educacionais, etc. Recurso ordinário parcialmente conhecido e nele não provido, por unanimidade.[71] (CAMPO GRANDE, TRT 24ª REGIÃO, RO - 01365-2003-003-24-00-0, Relator: Juiz Nicanor de Araújo Lima, 2004)







O julgamento, inicialmente, demonstra o que expusemos em momento anterior, isto é, que mesmo não estando nos casos específicos arrolados pela legislação competente sobre a matéria, a doença poderia ser considerada como decorrente do trabalho a partir da disposição constante no § 2º do art. 20 da Lei n. 8.213/1991. A parte complexa diz respeito à impossibilidade de estabelecimento do nexo de causalidade entre trabalho e depressão, levando-se em conta a natureza multifatorial da doença.

No entanto, como foi referido em outro momento, o nexo de causalidade não se forma tão-somente em virtude da relação única do evento em face do trabalho, porque a doença pode ser reconhecida, ainda que presente como concausa. Esta regra, inclusive, é uma previsão legal, que consta no artigo 21, inciso I, da Lei n. 8.213/1991, o qual dispõe que se equipara ao acidente do trabalho “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”. Certamente, diante da definição que engloba as doenças profissionais e do trabalho, a previsão sobre as concausas também deveriam ser aplicadas nesta hipótese.

Outra demonstração de posicionamento contrário ao reconhecimento da depressão como doença laboral, trata-se de decisão mais recente do que a anterior sobre a questão, proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho. No caso, o Ministro Relator reconheceu a presença da depressão, mas negou que existisse qualquer ligação com o trabalho que o empregado executava (bancário) para o HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo. Abaixo, ementa do julgado:





ESTABILIDADE PROVISÓRIA POR ALEGADA DOENÇA DO TRABALHO. NEXO CAUSAL NÃO COMPROVADO.
Na hipótese sob julgamento, não há doença do trabalho comprovada. Há uma doença, a depressão. Mas não está comprovado nos autos, conforme a Corte Regional, soberana na apreciação da prova, que essa doença esteja, de alguma maneira, vinculada ao trabalho, inexistindo, pois, o suporte fático a permitir a aplicação das normas invocadas pelo autor.
Recurso de revista não conhecido.[72] (BRASÍLIA, TST, RR - 2508/2004-016-09-00, Relator: Ministro Vantuil Abdala, 2009) 
 
 
 

Como se percebe, as principais resistências quanto ao reconhecimento surgem da dificuldade de demonstração do nexo de causalidade, demonstração que irá depender de exames médico-periciais. Esses exames, por sua vez, nem sempre têm condições qualitativas de demonstrar o quadro depressivo.

Conforme refere Abreu, os exames médicos admissional, periódico e demissional, que deveriam ser efetuados por parte do empregador, são bastante aquém do propósito buscado, pois sua realização se dá de modo muito superficial. Na verdade, esses exames geralmente não são realizados e quando o são, excetuando-se poucos casos, a análise pericial se limita à verificação da higidez física do trabalhador. Por isso a autora entende ser este o primeiro problema verificado no diagnóstico da depressão, porque se o exame da saúde mental é posto de lado, será difícil haver a verificação de que o empregado não se encontra acometido de doença psíquica, de modo que a avaliação se torne incontestável. (ABREU, 2007, p. 78)

Se essa situação acontece em exames admissionais, periódicos e demissionais, para a demonstração de a depressão decorrer do trabalho ou não, a identificação se tornará ainda mais difícil e extensa. Isso porque a comprovação deverá acontecer nos moldes do § 2º, do artigo 20, da Lei n. 8.213/1991, e a depressão não é uma doença que se torna visível em todos os casos, bem como seu desenvolvimento não acontece de maneira idêntica em todos os indivíduos, ainda que se consiga constatar que as “especiais condições” do trabalho propiciariam a sua ocorrência. (ABREU, 2007, p. 78)

Além disso, existe outro fator outrora citado: o receio das fraudes previdenciárias. A subjetividade da doença propicia meios de simular um quadro depressivo. Essa questão pode acabar interferindo na avaliação do perito, que já realizará a consulta com certa restrição.

Porém, entende-se que essas dificuldades não devam retirar o direito do trabalhador detentor de uma doença originada pelas funções laborativas de ser amparado. Isso porque, a partir do reconhecimento da doença ocupacional, o empregado poderia receber as prestações previdenciárias que receberia também em caso de acidente não laboral, isto é, de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, reabilitação profissional, pensão por morte aos dependentes (se fosse o caso de óbito) e o diferencial pela ocorrência de acidente laboral: a estabilidade provisória. Restringir o direito das pessoas verdadeiramente incapacitadas em virtude do trabalho não extinguiria com as referidas fraudes. (ABREU, 2007, p. 79)

Na resolução desta questão, por isso, devem ser levados em conta os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção, salientados no capítulo anterior. A saúde do empregado e o meio ambiente laboral saudável, sendo considerados direitos fundamentais do trabalhador, não podem deixar de ser notados, ainda mais se, quando forem prejudicadas essas prescrições, surgir ou desprender-se uma enfermidade no trabalho. Especificamente, com base no próprio princípio da proteção, seria possível afirmar que, na dúvida sobre a existência da origem laboral do quadro depressivo, a solução deveria ser a favor do empregado, caso não se pudesse afastar o trabalho como uma das possíveis causas do quadro, conforme descrito anteriormente. (ABREU, 2007, p. 79)

Ademais, diante do reconhecimento da saúde e do meio ambiente laboral saudável como direitos fundamentais do trabalhador, direitos advindos através da Constituição Federal de 1988, observa-se mais um motivo para a consideração da depressão como doença do trabalho. Ora, se o ambiente laboral e as atividades profissionais devem, de acordo com a Lei Maior, servir para a dignificação do homem e, ao contrário, passam a propiciar pressões, angústias e inúmeras enfermidades que geram graves prejuízos à saúde, seja ela física ou mental, denota-se séria agressão, também, aos direitos que são a base de todos os outros direitos. Se a Constituição Federal defende a saúde e o meio ambiente, no qual se inclui o ambiente laboral, ressaltando a dignidade do trabalhador como ser humano que ele é, certamente que, quando prejudicados estes direitos, deve ser oferecida ao empregado lesado a proteção que lhe é garantida constitucionalmente.

Por isso, o reconhecimento da depressão como doença do trabalho equiparada ao acidente do trabalho, quando presente o nexo causal entre a doença e o labor, seria um modo de realizar uma maior proteção aos direitos básicos, fundamentais do trabalhador. Seguindo esta compreensão estaria ocorrendo, portanto, uma interpretação mais benéfica à efetivação dos direitos fundamentais. Este entendimento é demonstrado por Vecchi, o qual refere que, “caso enquadrados os direitos dos trabalhadores, pelo menos em grande parte deles, como direitos fundamentais, devem-se atribuir-lhes a maior eficácia e a interpretação mais favorável”. O autor menciona, inclusive, que este entendimento acabou ficando mais forte em razão do Enunciado 1º, estabelecido na 1º Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, pela Escola Nacional da Magistratura Trabalhista e Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas. (VECCHI, 2009, p. 158-159)

No entanto, são poucos os casos de reconhecimento do nexo de causalidade entre depressão e trabalho. Garcia expressa bem esta situação, no âmbito judicial, em entrevista dada para a revista Consulex, na qual explica que “ainda são raras as decisões reconhecendo a depressão como doença do trabalho”. (GARCIA, 2006, p. 11)

Entre estas decisões, mencionado inclusive por Garcia naquela entrevista, está o julgamento do Tribunal Superior do Trabalho abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA REINTEGRAÇÃO ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – LEGALIDADE. O Reclamante possuía doença profissional (stress agudo, depressão neurótica, adquirida pelo trabalho noturno) desde 1994, data de seu primeiro afastamento. Mesmo que os exames médicos periódicos o considerassem apto para o serviço, não há como se deixar de reconhecer que a necessidade de novo afastamento se deveu ao agravamento do quadro clínico, razão do atestado médico apresentado. Entretanto, na realidade, o ato impugnado não decidiu pela estabilidade do art. 188 da Lei nº 8.213/91, mas, sim, pela restauração do contrato, para manter a assistência médica e a complementação de auxílio-doença acidentário desfrutadas pelo Empregado, em razão de, na superveniência do aviso prévio, ter sido concedido o auxílio-doença acidentário e, com isso, considerou-se interrompido o contrato de trabalho. Nesse sentido, como o mandamus não atacou o descompasso entre o pedido da tutela antecipada e o motivo da concessão, vê-se que não há prejuízo algum ao Impetrante, até porque em sua petição inicial reconheceu que o máximo que o juízo poderia fazer seria o que realmente fez, ou seja, restabelecer o contrato de trabalho para assegurar as referidas vantagens previdenciárias. Assim, não retira o direito patronal a concessão de tutela antecipada determinando a reintegração do trabalhador no emprego, porque presentes os requisitos do art. 273 do CPC, dada a motivação do ato coator, de modo que não restou ferido o direito líquido e certo do Empregador. Por oportuno, é mister ressalvar que a questão alusiva à estabilidade provisória, reconhecida no ato impugnado, deverá ser apreciada pelo juízo de primeiro grau no momento oportuno, qual seja, após a cessação do benefício do auxílio-acidente e quando do retorno do Empregado ao serviço, por ser prematuro falar-se, desde logo, em assegurar-se ao Reclamante a estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91, sem prejuízo de ulterior discussão pelo Reclamado.[73] (BRASÍLIA, TST. ROMS - 25717/2002-900-09-00, Relator: Ministro Ives Granda Martins Filho, 2003)



No caso acima exposto, o entendimento de reconhecer a depressão e o estresse agudo como doença oriunda do trabalho ocorreu em virtude da atividade noturna exercida pelo empregado. Essa foi entendida como “especial condição” para a origem do quadro. Ao que se parece, os poucos reconhecimentos da depressão como enfermidade laboral só ocorrem quando a moléstia se expressa de maneira gritante.

Ademais, percebe-se que grande quantidade de decisões judiciais referem-se a atividades laborativas realizadas em bancos, anteriormente mencionada como uma das funções de maior incidência da depressão. No entanto, não é possível discriminar que a sua inserção se dê em qualquer outro tipo de emprego. Exposições prejudiciais à saúde, como o assédio moral, que podem chegar ao limite de ocasionar um quadro depressivo, tem possibilidade de acontecer em qualquer função. Por isso, acredita-se que, embora seja válida a listagem das principais atividades em que se dá a depressão pelo nexo técnico epidemiológico, não se pode fazer dela um rol taxativo, tendo em vista a própria previsão do § 2º, do artigo 20, da Lei n. 8.213/1991. Aliás, se foi possível a realização de uma lista de atividades com maior ocorrência da depressão, é porque ela tem mesmo efetiva probabilidade de origem ou desencadeamento no trabalho.

Segundo bem expõe Garcia:

Efetivamente, quando a saúde psíquica, mental e psicológica da pessoa é afetada, essencialmente em razão de sua involuntária exposição a perniciosas formas de organização do trabalho, causando-lhe intensa dor, ansiedade, agonia e aflição, eclodindo em sério quadro depressivo, na verdade, está-se diante de evidente doença de ordem psíquico-social, mas que, ao mesmo tempo é doença ocupacional. (GARCIA, 2008, p. 97)



Este trecho apenas vem para ressaltar o que já foi explicitado: a depressão tem natureza multifatorial, sendo que, embora sua ocorrência se dê em muitos casos por fatores não ligados ao trabalho, a partir do momento em que ele se torna um ambiente prejudicial à saúde mental do trabalhador, não se poderá retirar a sua natureza de doença ocupacional.

Por mais que exista dificuldade na verificação do nexo causal, o que deve melhorar é o modo de avaliação para descobrir a origem da enfermidade e não simplesmente a negação de um direito, sustentando-se na tese de que a depressão não pode ser considerada doença ocupacional pela dificuldade de comprovação da ligação com o trabalho. Inclusive, o termo utilizado é dificuldade e não impossibilidade. Ademais, a característica multifatorial da depressão não poderia ser justificada como impedimento para o reconhecimento da sua vinculação ao trabalho, porque sendo apenas uma concausa, o reconhecimento como acidente do trabalho está plenamente garantido na Lei 8.213/1991.

Sendo assim, o que poderia ser proposto, é uma investigação mais completa do quadro, na qual se avaliem todas as condições do ambiente de trabalho e a própria predisposição do trabalhador de internalizar a moléstia.

Sueli Teixeira, sobre a questão ora discutida, sugere que:

Nessa esteira, verifica-se que o nexo causal nas doenças do trabalho precisa ser profundamente investigado. Deve-se, pois, averiguar como a organização do trabalho e suas condições atuaram no desencadeamento ou agravamento da depressão, especialmente nas situações de estresse e assédio moral, revelando-se imprescindível, na esfera judicial, a realização de perícia para a verificação do nexo de causalidade entre as atividades realizadas pelo trabalhador e a enfermidade que o aflige. É necessário que a perícia, prova estritamente técnica e apta para a apuração e estudo de matérias alheias ao conhecimento do juízo, apresente esclarecimentos e conclusões completas o suficiente para o deslinde do feito submetido à sua apreciação. Para tanto, melhor será realizada mediante avaliação psicológica, associada a um laudo médico psiquiátrico. (TEIXEIRA, 200, p. 43)

Abreu questiona, por isso, como um médico, que utiliza aproximadamente quinze minutos para a consulta, ainda que esteja plenamente capacitado para o tipo de atendimento, conseguirá conhecer a personalidade do trabalhador, as condições laborais, o nível cultural, a fim de compreender sua situação. Em razão da parca investigação, muitas pessoas que estão debilitadas podem restar desamparadas. (ABREU, 2007, p. 78)

Em que pese os contextos nebulosos, isto é, a questão da avaliação do nexo de causalidade, expressa-se novamente o ponto de vista de que este não pode ser o motivo do impedimento para se considerar a depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho, tendo em vista, também, que os estudos de especialistas, devidamente expostos na pesquisa, afirmam que a origem do quadro depressivo pode vir a acontecer no trabalho, em razão das condições específicas do meio ambiente laboral, ou pelo menos desencadeadas em virtude dele. Por isso, ainda que seja forte o entendimento contrário, por razões que infelizmente não podem ser ignoradas, constata-se que o trabalhador que realmente sofreu as consequências de atos ou negligências danosas no labor, e a consequente geração de um quadro depressivo, não pode ficar sem o amparo que o reconhecimento legal dado à matéria traz.

Ademais, cada caso será um caso. Em razão disso, não se quer dizer que todas as circunstâncias de depressão poderão ensejar o reconhecimento como doença do trabalho. Quando sua incidência no labor puder ser completamente excluída, o que seria demonstrável mediante prova, já que se trata de uma questão fática, ainda que subjetiva, não deverá haver o reconhecimento. O que não se pode é negar um direito àqueles que desenvolveram depressão no trabalho, sem verificar as condições de cada caso, por puro preconceito em relação a uma doença cuja percentagem de incidência é evidente na atualidade. Conforme expressa Abreu, “negligenciar e estigmatizar o depressivo é não refletir sobre sua própria condição, é deixar alguém à margem da possibilidade de vir a alcançar suas metas, seus objetivos; é tirá-lo da vida”. (ABREU, 2007, p. 80)

Por todas essas razões, acredita-se que a depressão poderá sim vir a ser reconhecida como doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho, sempre que sua origem ou desencadeamento tenham relação com o trabalho ou ambiente de trabalho propício a sua inserção, assim como se crê que dificuldades na avaliação não podem impedir que os verdadeiros prejudicados fiquem à margem da verdadeira justiça.




Após uma longa jornada de leituras, análises de entendimentos sobre a matéria, compreensões e ligações entre diversos conceitos, foi possível entender melhor, embora sem esgotar a matéria, que o desempenho benéfico de qualquer trabalho depende de uma série de condições que, se desrespeitadas, acabam gerando graves prejuízos ao obreiro. Não é à toa, por isso, que a problemática quanto ao reconhecimento da depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho englobe tantos aspectos.

Primeiramente, ao pesquisar a definição de depressão, imediatamente nos deparamos com dúvidas. Isso porque a depressão é utilizada para definir sintoma, síndrome e doença. Ora, se a depressão não pudesse ser conceituada como doença, nosso estudo restaria frustrado, pois a consideração da mesma como doença do trabalho dependeria da sua definição neste sentido. Então, verificando diversas obras, bem como a Classificação Internacional de Doenças, verificou-se que a depressão encontra-se arrolada nesta lista, sendo sim, considerada como doença.

O segundo ponto nebuloso diz respeito às causas da depressão, as quais são muito discutidas no âmbito da             Medicina. Muitos estudiosos tentam descobrir uma origem ligada à genética, enquanto outros querem comprovar elementos químico-biológicos e, outros ainda, referem à influência de fatores ambientais e sociais na sua geração. Porém, prevaleceu, nas pesquisas realizadas até o presente momento, que a depressão trata-se de uma doença de origem multifatorial, isto é, ela não se origina apenas de um ou de outro fator, mas de uma associação de elementos.

Posteriormente, ao analisar o histórico de exploração do trabalhador desde a Idade Antiga até a atualidade, constatou-se uma série de circunstâncias. Embora o empregado tenha, desde os tempos mais antigos, passado por explorações que prejudicavam sua saúde física e mental, esta última somente foi englobada no conceito de saúde há pouco tempo. O tipo de agressão variava de acordo com a necessidade de cada época.

Atualmente, continuam existindo explorações ao trabalhador, algumas análogas à escravidão, outras devido ao contexto histórico marcado pela globalização, relativas a tendências neoliberais da economia. As marcas dessa “evolução” acabaram por flexibilizar normas que demoraram muito tempo para se consolidar através de lutas dos obreiros, bem como acabaram por criar, no ambiente do trabalho, outras exigências em face do empregado, o que costuma ser feito por meio de pressões, ameaças de perda do emprego, configurando-se em assédio moral. O motivo destas explicações foi fácil de ser constatado: essas práticas, no meio ambiente laboral, são capazes de originar doenças físicas e mentais nos trabalhadores, que se veem afunilados em meio a tantos medos e agressões.

Por isso, também, foi imprescindível um estudo sobre o direito à saúde, sendo que através desta análise verificamos a sua consideração como fundamental ao obreiro, expressamente definido pela Constituição Federal de 1988. Nossa Lei Maior previu uma série de princípios, estando entre eles a dignidade da pessoa humana. Sem ela, não seria possível falar em saúde da relação empregatícia, tendo em vista que o trabalhador, antes de qualquer atividade profissional, é um ser humano e, como tal, deve ser respeitado.

Em virtude destes entendimentos, fez-se uma análise sobre os principais agentes causadores de doenças mentais no trabalho. Foram constatados, mediante várias leituras, os agentes estresse e assédio moral. Aliás, foi possível compreender, inclusive, que existe uma interligação ente ambos, pois o assédio moral é capaz de dar causa ao estresse. Por sua vez, dependendo dos níveis em que sejam observados esses fatores no ambiente laboral, aliado a outras condições prejudiciais, constata-se ser plenamente possível, neste contexto, o surgimento ou desencadeamento de um quadro depressivo.

A partir desta constatação, de alta relevância para a pesquisa, tornou-se necessário descobrir os aspectos técnicos do reconhecimento da depressão como doença equiparada a acidente do trabalho, isto é, verificando que a sua causa ou desencadeamento pode ocorrer pelas condições laborais, foi preciso saber se a lei que conceitua o acidente de trabalho (Lei n. 8.213/1991) abria espaço para a equiparação. Pois bem, o acidente de trabalho é dividido em acidentes típicos, doenças profissionais e do trabalho e acidentes in itinere. O acidente do trabalho decorre de um evento subitâneo, verificável no espaço e no tempo, sendo que nas doenças ocupacionais, não ocorre desta mesma forma. As doenças profissionais ocorrem por uma relação direta com o trabalho, sendo que, se o obreiro exercer determinada atividade terá grandes chances de adquirir determinada moléstia e, por isso, não precisa comprovar o nexo de causalidade, que é presumido. Já, as doenças do trabalho, são comprovadas por meio do nexo causal, possuindo uma lista exemplificativa no Anexo II, do Decreto n. 3.048/1999, mas podem ser reconhecidas, também, através do enquadramento no § 2º, do artigo 20, da Lei de Benefício, o qual prevê que, ainda que a doença não esteja arrolada na lista do Anexo II, pode haver enquadramento como doença do trabalho se a enfermidade tiver decorrido das condições especiais em que o labor é realizado.

Em razão disso, constatou-se ser dentro desta classificação de doença do trabalho que a depressão poderia se enquadrar, já que não é classificada tipicamente como acidente, nem é classificada como doença profissional. Além disso, embora esteja arrolada no Anexo II, do Decreto n. 3.048/1999 entre doenças do trabalho, observou-se que seu reconhecimento ocorre somente mediante a submissão a determinados agentes químicos, razão pela qual somente poderia haver a sua consideração como doença do trabalho por motivos diversos daqueles, através do § 2º, do artigo 20 da Lei 8.213/1991 ou mediante aplicação do nexo técnico epidemiológico trazido com a Lei n. 11.340/2006 e previsto no artigo 21-A da Lei de Benefícios.

Contudo, ainda que a Lei abra brecha para a consideração nesse sentido, constatou-se que os julgamentos dos nossos Tribunais Pátrios não têm reconhecido a depressão como doença do trabalho, em virtude da ausência de comprovação do nexo de causalidade entre a enfermidade e o labor. Os motivos referidos nas decisões referem-se à natureza multifatorial da depressão, pela qual não se poderia dizer que o trabalho é que foi o fator que originou o quadro. No entanto, verificou-se que tal fundamentação não merece prosperar, tendo em vista que o nexo de causalidade previsto na Lei de Benefícios permite a consideração de uma doença do trabalho apenas pela demonstração de que o labor foi uma concausa na origem da moléstia, nos termos do artigo 21, inciso I, da Lei 3.213/1991.

Nesse sentido, outra questão levantada pela doutrina para não reconhecer a depressão como doença do trabalho é a dificuldade de o médico perito reconhecer a presença de depressão (a qual, por ser uma doença que pode não se manifestar fisicamente, facilita simulações e fraudes), bem como a dificuldade de saber se a doença teve, efetivamente, relação com o trabalho, em virtude do pouco tempo da consulta e da falta de conhecimento do histórico clínico do paciente.

Todavia, diante de todas as explicações feitas durante esta pesquisa, entendeu-se que o não reconhecimento da depressão como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho, por estes motivos, estaria ferindo não só as previsões da legislação infraconstirucional, que permitem este entendimento, mas também haveria forte afronta aos direitos fundamentais relativos à saúde do empregado e, assim, à sua dignidade enquanto pessoa. Além disso, levando-se em conta, ainda, o princípio da proteção, na dúvida, a interpretação deve ser aquela mais favorável ao trabalhador, que é a parte mais fraca na relação de emprego. Concluiu-se, neste contexto, que as mudanças devem ocorrer no sentido da presença de uma melhor avaliação clínica do obreiro que se submete à perícia e não à supressão de direitos previstos constitucionalmente e infraconstitucionalmente.

Não reconhecendo uma enfermidade que realmente existe, estar-se-ia negando ao empregado lesado uma série de direitos previdenciários e trabalhistas, como a estabilidade provisória e o direito à responsabilização do empregador em face dos danos morais e materiais causados, quando for o caso, fazendo o contrário do que o ordenamento jurídico prevê: desprotegendo o pólo mais frágil.

Não se conseguiu, portanto, chegar a outra conclusão, senão a de que a depressão pode ser considerada como doença do trabalho equiparada a acidente do trabalho, quando for reconhecido o nexo de causalidade da enfermidade com o labor, inclusive, quando o trabalho for somente uma concausa na origem ou desencadeamento da moléstia, devendo ser concedidos, em favor do trabalhador, todos os efeitos advindos desta consideração.











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[1]      Abreu afirma que Hipócrates dizia que a depressão era uma doença cerebral, pelo fato de existirem quatro humores (fleuma, bile amarela, sangue e bile negra) e que, na depressão, a bile negra ficava afetada. Segundo menciona a autora, para ele, as pessoas que usavam a religiosidade para a cura dessas doenças eram vistas como impostores. No entanto, menciona que Sócrates e Platão acreditavam que essas moléstias podiam ser tratadas por médicos, mas as questões mais complexas deveriam ser submetidas ao estudo de filósofos, fato que contribuiu muito nos estudos da psiquiatria, principalmente ao compreender que as situações vivenciadas na infância influenciam na vida futura do ser humano. (ABREU, 2007, p. 21-22)
[2]              Um exemplo demonstrando sinais da existência de depressão constante na Bíblia e citado por Horimoto, Ayache e Souza, é o de Saul, Rei de Israel que guerreava contra os Filisteus e se esqueceu de Deus, entrando num estado de tristeza profunda. Essa tristeza melhora um pouco quando Davi toca sua harpa, porém, anos depois, quando Saul foi derrotado numa luta, acaba se suicidando. (CORDÁS apud HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 13)
[3]              A autora menciona, inclusive, que a Organização Mundial de Saúde aponta a depressão como a “quinta maior questão de saúde pública do mundo e ocupará, em 2020, o ranking das doenças que mais matam”.  Outro aspecto salientado por ela é o fato de que após a Segunda Guerra Mundial se constata que foi diminuída a idade das pessoas que adquirem este mal: antes, atingia pessoas com mais de 50 anos sendo que, atualmente, ele se verifica cada vez mais cedo. (ABREU, 2007, p. 19-26)
[4]              Disponível em <http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm>. Acesso em 20 mai. 2009.
[5]              Homimoto, Céspedes e Ayache explicam, ainda, que de acordo com Berrios, a palavra depressão iniciou do latim depremere, significando “pressionar para baixo”. Como depressão mental, significa “o rebaixamento do estado de espírito de pessoas padecendo de alguma doença” (BERRIOS apud HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 14)
[6]              Fernanda Moreira de Abreu refere que a depressão neurótica é aquela leve, na qual o indivíduo passa por bons e maus dias; a psicótica é grave, sendo que o acometido se desliga da realidade; na depressão bipolar ocorrem períodos alternados entre humor depressivo e eufórico; unipolar é a depressão apenas com períodos de humor depressivo; na agitada, como o nome diz, os sintomas são específicos de agitação; na depressão retardada, corpo e mente funcionam de modo reduzido, dificultando a concentração; a mascarada é a depressão em que o indivíduo não se diz deprimido, ainda que se mostre com sintomas; a depressão orgânica tem causas em doenças físicas ou uso de medicação; a breve recorrente é grave, surgindo e permanecendo por alguns dias apenas; na distimia, a depressão persiste e no transtorno afetivo sazonal, a depressão surge somente em determinados períodos do ano. (ABREU, 2007, p. 29)
[7]              A serotonina, conforme explica o próprio Barbosa Garcia, é um neurotransmissor. Neurotransmissor é uma substância química liberadas nos espaços sinápticos no momento em que o impulso nervoso chega até as pontas do axônio (prolongamento fino com a atribuição de transportar até as outras células os impulsos nervosos derivados do corpo celular) da célula pré-sináptica. Os neurotransmissores conseguem se combinar com receptores constantes na membrana da célula pós-sinnáptica soltando nela o impulso nervoso. (AMABIS; MARTHO, 1997, p. 458-464)
[8]              Conforme menciona Barbosa Garcia, sinapses são “espaços” entre as células do sistema nervoso. Sinapse é considerada o modo como um impulso é transmitido de uma célula para outra. A sinapse é “uma região de contato muito próximo entre a extremidade do axônio de um neurônio e a superfície de outras células”. Estas células poderão se tratar não só de outros neurônios, como também de células sensoriais, musculares ou glandulares. (AMABIS; MARTHO, 1997, p. 464)
[9]              Hormônios são secreções lançadas por glândulas endócrinas (que são responsabilizadas justamente por essa secreção), de forma direta no sangue ou na hemolinfa, diferenciando-se das glândulas exócrinas que expelem suas secreções para o exterior do corpo ou “nas cavidades de órgãos ocos.”. (AMABIS; MARTHO, 1997, p. 441)
[10]             Varella explica que, segundo os neurocientistas asseveram, o hormônio do estresse impediria o nascimento de hormônios. O fato é verificado quando do uso prolongado de antidepressivos: com o tempo o hormônio volta a nascer, o que demonstra, ainda, que os antidepressivos não causam efeitos imediatos no organismo depressivo, mesmo ao elevar desde logo a serotonina, mas só depois de algumas semanas. (VARELLA, 2004)
[11]             Gêmeos dizigóticos, conforme referem os autores José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho, referidos também como gêmeos não-idênticos ou fraternos, são aqueles gerados de células-ovo diversas. Aparecem “quando a mulher produz dois ou mais óvulos em um mesmo ciclo menstrual, cada um fecundado por um espermatozóide”. Os gêmeos monozigóticos, de acordo com o que explicam os autores, “originam-se a partir de uma única célula-ovo”.  Explicam que, em razão de “motivos ainda desconhecidos, um embrião jovem às vezes parte-se em dois, e ambas as partes continuam a se desenvolver, produzindo duas crianças muitíssimo parecidas e sempre de mesmo sexo”. São chamados também de gêmeos idênticos ou univitelinos. (AMABIS; MARTHO, 1994, p. 560)
[12]             Fernanda Moreira de Abreu refere que a depressão unipolar, mais comum, possui apenas períodos de humor deprimido (ABREU, 2007, p. 29)
[13]             Por outro lado, a depressão bipolar, de acordo com Abreu, “é a maníaco-depressiva, em que há períodos continuados de humor depressivo e períodos de euforia.”.  (ABREU, 2007, p. 29)
[14]             “locus” gênico é “a posição que determinado gene ocupa em um cromossomo” (AMABIS; MARTHO, 2001, p. 7).
[15]             Cromossomo, por sua vez, é o “segmento do filamento cromático que se destaca por ocasião da divisão celular indireta, constituindo unidades definidas na formação do novo ser”. (BUENO, 1996, p. 174)
[16]             Drauzio Varella esclarece que a insônia “se caracteriza pela incapacidade de conciliar o sono e pode manifestar-se em seu período inicial, intermediário ou final.”. Disponível em . Acesso em 20 ago. 2009.
[17]             Hipersônia é uma sonolência excessiva e “se refere a uma propensão aumentada ao sono com uma compulsão subjetiva para dormir, tirar cochilos involuntários e ataques de sono quando este é inapropriado. (FRANCO; BONANNIZ; JAGUARIBE; ATAÍDE JUNIOR, 2009, p. 47)
[18]             De acordo com Horimoto, Ayache e Souza “O pensamento do deprimido é repetitivo e o conteúdo é marcado por pessimismo, amargura, recordação constante dos fracassos e dos insucessos, havendo uma retro-alimentação constante, que aumenta a depressão e a ansiedade. O psiquismo, de uma forma automática, fica voltado para o sofrimento e perde a capacidade de experimentar sensações prazerosas.” ( HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 7)
[19]             Sobre a relação da depressão a outras doenças do corpo, Horimoto, Ayache e Souza também fazem referência a enfermidades endócrinas. De acordo com os autores: “Diversas alterações endócrinas têm sido relatadas em pacientes com depressão. Em alguns casos elas são conseqüências, e não causa, da psicopatologia e podem estar relacionadas a alterações fisiológicas causadas pelo estresse psicológico, ao tratamento antidepressivo e alterações comportamentais induzidas pela própria doença (por exemplo, alterações alimentares, abuso de álcool, fumo e drogas). Apesar disso, existem crescentes evidências de alterações hormonais podem contribuir para o aparecimento e manutenção de doenças psiquiátricas.”. Sobre a vinculação da depressão a doenças cardiovasculares, Horimoto, Ayache e Souza afirmam o seguinte: “O interesse pela associação entre transtornos depressivos e doenças cardiovasculares tem se acentuado em virtude das altas taxas de prevalência e elevados níveis de morbidade e de mortalidade, aumentando, com isso, custo e tempo de evolução da doença, tempo de afastamento do trabalho além de procedimentos e exames complementares. (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 67-73)
[20]             Esses dados são possíveis de retirar da própria página da Previdência Social na internet. No site consta uma série de Operações da Força Tarefa Previdenciária, em ações durante os anos de 2003 a 2008, no sentido de desarticular diversos crimes contra a previdência, entre os quais se incluem as fraudes cometidas por médicos peritos. Entre as funções da Força Tarefa Previdenciária estão: “combate à fraude em benefícios, combate à corrupção, combate à organização sistêmica, persecução criminal (previdenciário), tutela coletiva – improbidade administrativa e recomendações e solicitação de apuração de responsabilidade administrativa”. Disponível em <www.previdenciasocial.gov.br>. Acesso em 26 ago. 2009.
[21]             Os médicos também afirmam, nesse contexto, que geralmente, “a pessoa julga o outro de acordo com o seu referencial. Então, se a pessoa (o perito) não acredita que exista pessoa deprimida ou acredita que a depressão pode ser afastada de acordo com a vontade, ela julgará a doença, e por extensão o doente, de acordo com o seu pensamento.” (HORIMOTO; AYACHE; SOUZA, 2005, p. 9)
[22]             Outros tratamentos podem ser aplicados no combate à depressão, além daqueles já mencionados, descritos por Duncan, Schimidt e Giugliani. A fototerapia é mais utilizada nas regiões sazonais, principalmente quando é inverno. O uso de extratos naturais de plantas tem sido muito aplicado também. O Hypericum perforatum (erva de são-joão) tem apresentado mais resultados do que a terapia psicológica nas ocasiões de depressão leves a moderadas. Porém, as atuais pesquisas não revelam que o Hypericum seja mais efetivo do que os demais antidepressivos. A privação de sono tem resultados expressivos nos sintomas da depressão, mas geralmente sejam transitórios. Em razão de necessitar de colaboração do paciente, não tem uma grande utilização. A prática de exercícios físicos vem sendo usada como auxiliar no tratamento a fim de evitar retornos dos sintomas, embora ainda não exista uma conclusão definitiva sobre sua eficácia. Existem também dois tratamentos novos: a estimulação vagal e a estimulação magnética transcraniana. A primeira baseia-se na colocação de uma rede elétrica no nervo vago por meio de estimulador colocado no tórax. (DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004, p. 881)
[23]             Essa conotação de escravos que executavam atividades intelectuais não ocorreu no Brasil, em que a escravidão, ocorrida muito tempo depois, fazia com que o escravo fosse tratado como mero objeto. Conforme Camino, a “história do Brasil está marcada, nos períodos colonial e imperial, pela escravidão dos negros africanos, trazidos através do tráfico, em sua página mais degradante. Desnecessário dizer da importância dos negros na economia e, fundamentalmente, na formação cultural do povo brasileiro. Em tudo eles estão presentes, embora a submissão de mais de três séculos ainda repercuta na segregação da pobreza e no preconceito racial velado.”. (CAMINO, 2003, 39-40)
[24]             Com a permanência dos escravos em localidades determinadas, depois de serem domesticados os animais e dominados os procedimentos de agricultura, mesmo nessa condição era ele quem produzia o objeto de consumo. A remuneração do escravo, assim, era o alimento que produzia e o dono do escravo achava ser esse tudo que era preciso para que o escravo sobrevivesse. (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 1998, p. 32)
[25]             As corporações se difundiram muito, mas sua ideologia de liberdade individualizada ficou enfraquecida, principalmente com a Revolução Francesa (1789), em virtude da existência de entes com ideais coletivos. (CAMINO, 2003, p. 30)
[26]             Nesse período, de acordo com o que explica Vecchi, não havia promoção pelo Estado de políticas protetivas ao trabalhador, “pois ao Estado não cabia a intervenção nas atividades dos privados, apenas lhe sendo cabível a função de proteção das liberdades formais e da propriedade.”. (VECCHI, 2007a, p. 26)
[27]             As empresas, aproveitando a tecnologia, portanto, acabaram se reorganizando a fim de produzir mais com menos trabalhadores, conforme explica Nascimento. O autor refere que, neste contexto, apareceram “novos tipos de trabalho, que os computadores e a televisão criaram, com o teletrabalho na residência do prestador, mas também a economia, como um todo mudou algumas de suas características.” (NASCIMENTO, 2005, p. 46)
[28]             Ipojucan Demetrius Vecchi esclarece que no sistema toyotista o trabalho é executado por trabalhadores que realizam atividades diversificadas. Como o serviço é feito em grupos, eles possuem metas a serem atingidas, porém, são fornecidas baixas condições para atingir os fins determinados, como ocorreria normalmente. A intenção é reduzir os tempos inutilizados (“tempos mortos”). (VECCHI, 2007a, p. 53)
[29]             O autor menciona, ainda, que os trabalhadores vem batalhando por causas diversas das que lutavam anteriormente, como a diminuição do horário de trabalho, como meio de luta contra o desemprego. Isso porque, as horas extras acabam por preencher um tempo em que outro trabalhador poderia estar executando a atividade. (NASCIMENTO, 2005, p. 45)
[30]             A mesma autora conceitua o assédio moral como: “uma conduta abusiva, que pode partir do próprio empregador, que, valendo-se de seu poder hierárquico, humilha ou constrange seus empregados, como, também, pode partir dos demais empregados, que, por motivos de competição no trabalho ou mesmo por pura discriminação, sujeitam o colega a situações vexatórias e à torturas psicológicas, comprometendo a saúde física e mental do indivíduo”. (SILVA, C., 2007, p. 83)
[31]     Embora parcos os estudos, houve quem fizesse menções ao tema. Por exemplo, ainda que a ligação entre saúde e trabalho não estivesse à frente nos estudos de Hipócrates (460-375 a.C.), suas obras “Ares, Água e Lugares” e “Corpus Hippocraticum” foram as que mais exposições fizeram sobre doenças ocupacionais até Ramazzini. Depois disso, Galeno (129-199 d.C.), reputado como o maior médico do Império Romano, realizou quase tantas citações sobre doenças ocupacionais quanto Hipócrates. (MENDES, 2007, p. 5-6)
[32]             Outra cooperação do médico foi a “sistematização e classificação das doenças segundo a natureza e o nexo com o trabalho.”. (MENDES, 2007, p. 11-12)
[33]             Encíclicas eram documentos de doutrina social expedidos pela Igreja Católica. (NASCIMENTO, 2001, p. 39)
[34]             Quanto ao Tratado de Versalhes, Vecchi menciona o entendimento de Tarso Fernando Genro e Oscar Ermida Uriate, que o consideram contraditório, justamente por esta questão da padronização das leis trabalhistas.  Segundo o autor, a intenção do tratado, além de consolidar o direito do trabalho, era obrigar os países subdesenvolvidos a suportar os mesmos gravames que já tinham sido fixados nos países desenvolvidos em razão das lutas dos trabalhadores. Assim, não ficariam prejudicados quanto ao preço dos produtos a serem exportados, que ficariam equiparados. Caso não fosse deste modo, e a legislação dos países subdesenvolvidos não seguisse o “padrão”, teriam vantagens sobre o preço. (VECCHI, 2007, p. 32-33)
[35]             No Brasil, essas leis vêm a partir do Decreto Legislativo n. 3.724/1919. (OLIVEIRA, 2002, p. 65)
[36]             Deve-se dizer que a etapa da saúde ocupacional só veio para o Brasil a partir da publicação da Portaria n. 3.214/78. (OLIVEIRA, 2002, p. 72)
[37]             Aqui no Brasil, a nossa Carta Magna já prevê a expressão “qualidade de vida do trabalhador” em diversos preceitos, como o artigo 225 e o artigo 200, VII. Assim, embora ainda esteja numa etapa de saúde do trabalhador ou, ao menos, tentando concretizá-la, começam a surgir pensamentos quanto a uma etapa mais evoluída, qual seja, a da qualidade de vida do trabalhador. (OLIVEIRA, 2002, p. 80)
[38]             A necessidade de proporcionar qualidade de vida ao trabalhador pode ser sustentada, ainda, em razão da própria atividade desempenhada pelo indivíduo, conforme esclarece Oliveira. Isso porque, o trabalhador que não ganha o mínimo digno e atua em péssimo ambiente, acaba se alimentando mal e, por conseqüência diminui seu rendimento no emprego, acaba tendo menos imunidade, ficando suscetível a enfermidades, necessitando faltar dias de trabalho, ganhando pior, ficando de mãos atadas frente a sua situação, num eterno ciclo vicioso. (OLIVEIRA, 2002, p. 83)
[39]     De acordo com o site da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em notícia do dia 12 de janeiro de 2009, baseada no último cadastro de empregadores que usavam mão-de-obra escrava mostrada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, “66% dos flagrantes do crime ocorreram em estados pertencentes à Amazônia Legal, região que abrange Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão”. Além disso, conforme consta no site, também, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “51% dos casos de trabalho escravo ocorridos em 2008 estavam ligados à pecuária”. A maior incidência de trabalho escravo em ocorre na produção de carvão, com 17% das ocorrências. Disponível em . Acesso em 30 set. 2009.
[40]             Os direitos sociais são considerados direitos de Segunda Geração e, segundo Lorenzetti, “não se instrumentalizam devido à morosidade do Estado Moderno, que insiste em levá-las a cabo por iniciativa própria.”. (LORENZETTI, 1998, p. 153)
[41]             Diacov explica que “o direito à saúde enquanto direito de todos é um direito difuso (transindividual, de natureza indivisível, tendo como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato)”, e tem por objetivo tornar possível o alcance universal e uniforme às atividades que propiciem sua defesa e restauração, reunindo-se aos elementos essenciais que formam o Estado Democrático de Direito. (DIACOV, 2008, p. 141)
[42]             Importante esclarecer, ainda, que os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição Federal podem ser “direitos consoante às relações individuais e direitos coletivos”. Os direitos coletivos do obreiro constam nos artigos 8º a 11, como: direito à associação profissional ou sindical, de greve, representação, inclusive representação classista e participação. Os direitos individuais referem-se especificamente à pessoa do empregado.  (MORAES, 2002, p.)
[43]             A Convenção ainda estabelece que a empresa tem o dever de cumprimento destas imposições. Assim, além de existirem critérios de iluminação, movimentação, instalações, por exemplo, no ambiente de trabalho, também deve existir prevenção contra a fadiga. (OLIVEIRA, 2002, p. 130)
[44]             O propósito da Convenção n. 155 da OIT é eliminar os agentes nocivos do trabalho. Porém, diante da impossibilidade de fazê-lo, o empregador deverá, no mínimo, “reduzir a intensidade do agente prejudicial para o território das agressões toleráveis.”. (OLIVEIRA, 2002, p. 132)
[45]             De acordo com Oliveira, a informalidade acaba sendo até mais prejudicial que a flexibilização, visto que somente existe oferecimento de trabalho sem estar registrado, ou seja, às margens da lei e, portanto, sem qualquer proteção dela. Para sua própria sobrevivência, o trabalhador acaba aceitando o labor precário. O trabalhador obtém o pão, porém, algumas vezes fica sem a saúde ou sem a própria vida. (OLIVEIRA, 2002, p. 152)
[46]             O artigo 8º da CLT prevê que a jurisprudência, a analogia, a equidade, entre outros princípios e normas gerais de direito, além dos usos e costumes e do direito comparado podem ser usados pelas autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais nas suas decisões, mas sempre de modo que nenhum interesse de classe ou privado prevaleça sobre o interesse público. Em razão disso, o artigo conferiu uma função “integrativa” aos princípios, pois eles serão utilizados quando faltarem previsões legais ou contratuais. Quando o sentido da norma é pouco claro, cabe aos princípios indicar a precisa compreensão das regras. Mas, existindo regra para resolver a situação fática, ela deverá ser utilizada. Assim, os princípios atuariam para sanar as brechas legais, como a eqüidade e a analogia. (NASCIMENTO, 2001, p. 115)
[47]             Quando se fala em estresse, observam-se duas correntes principais estudadas por especialistas: uma baseada na biologia, criada por estudiosos anglo-saxões produzida pelas pesquisas de “Hans Selye” sobre estresse e outra baseada na psiquiatria clínica e na psicanálise, criada pela vertente francesa da psicopatologia do trabalho, fundada na ausência de adaptação psíquica do indivíduo ao labor. Oliveira expõe que, em virtude de o Direito se ocupar de “provas objetivas”, com ligações de causas salientes, tem-se que a melhor identificação fica a cargo da vertente anglo-saxônica. O autor refere que, porém, isso não proíbe que sejam mencionados importantes estudos da psicopatologia. (OLIVEIRA, 2002, p. 193)
[48]             Oliveira refere, contudo, que no contexto nacional ainda permanece muito da noção limitada sobre saúde, mas uma tentativa alargada de modificar essa visão. (OLIVEIRA, 2002, p. 203)
[49]             O assédio moral começou a ser estudado por etólogos, os quais verificaram que alguns animais, reunidos em manadas, se opunham aos integrantes mais frágeis, a fim de fazer com que saíssem do grupo. Dessa forma, mobbing, expressão anglo-saxônica, advém da palavra inglesa mob, que significa multidão, representando o pensamento de pressão de um conjunto de indivíduos. (AROCHENA, 2008, p. 56)
[50]             Guedes explica quais os tipos de reações físicas podem ser geradas pelo assédio moral: “Os distúrbios podem recair sobre o aparelho digestivo, ocasionando bulimia, problemas gástricos diversos e úlcera. Sobre o aparelho respiratório a queixa mais freqüente é a falta de ar e sensação de sufocamento. Sobre as articulações podem ocorrer dores musculares, sensação de fraqueza nas pernas, sudorização, tremores, como também dores nas costas e problemas de coluna. Sobre o cérebro verificam-se ânsia, ataque de memória e vertigens. Sobre o coração os problemas podem evoluir de simples palpitações e taquicardias para o infarto do miocárdio. E o enfraquecimento do sistema imunológico reduz as defesas e abre as portas para diversos tipos de infecções e viroses.”. (GUEDES, 2005, p. 113)
[51]     Um exemplo claro relativo à depressão citado por Arochena, é o de uma sentença do dia 03 de novembro de 2003, do Tribunal Superior de Justiça de Galícia, que decidiu por declarar como acidente do trabalho a síndrome ansiosa-depressiva de uma trabalhadora, a qual foi produzida em razão da submissão a um ambiente laboral hostil e retesado. (AROCHENA, 2008, p. 57)
[52]             A expressão burnout, também chamada de síndrome de “estar queimado”, foi inventada na década de 70 e explica uma síndrome comum em determinadas profissões, como, por exemplo, aquelas ligadas com saúde ou educação, em que, segundo o Doutor Luis González de Rivera, há uma desconformidade entre as responsabilidades do empregado e sua aptidão para se restabelecer e obter reconhecimento pelo trabalho exercido. (AROCHENA, 2008, p. 61)
[53]             O acidente in itinere é aquele ocorrido no trajeto que se dá da residência para o trabalho ou na volta do trabalho até essa residência. Não traremos maiores detalhes por ora, pois adiante essa classificação de acidente terá uma análise mais aprofundada. (GARCIA, 2008, p. 21)
[54]             O segurado referido no inciso VII, do artigo 11, da Lei de Benefícios é o segurado especial, ou seja, a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais ou de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; de pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)
[55]             O § 1º  do artigo 20 da Lei n. 8.213/1991 estabelece os casos que não se consideram doenças do trabalho. Entre as situações, encontram-se o caso de doença degenerativa, aquela inerente ao grupo etário, ou seja, adquirida com o passar dos anos, a doença que não produza incapacidade laborativa e a doença endêmica originada por segurado que habite determinada região em que aquela doença se desenvolva, a não ser que se comprove que ela é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. Garcia destaca, entre os casos não reconhecidos como doença do trabalho, a moléstia que não gerar incapacidade laborativa, que não se equipara, portanto, a acidente do trabalho. (GARCIA, 2008, p. 19)
[56]             As substâncias tóxicas referidas neste parágrafo são: tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos (Quadro III), tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano e outros solventes orgânicos halogenados neurotóxicos (Quadro XIII), brometo de metila (Quadro XIII), manganês e seus compostos tóxicos (Quadro XV), mercúrio e seus compostos tóxicos (Quadro XVI), sulfeto de carbono (Quadro XIX), outros solventes orgânicos neurotóxicos. (BRASIL, Decreto n. 3.048 de 6 de maio de 1999)
[57]             A CAT será emitida em seis vias porque deverá ser encaminhada ao INSS, à empresa, ao segurado ou dependente, ao sindicato de classe do trabalhador, ao Sistema Único de Saúde – SUS e à Delegacia Regional do Trabalho – DRT. (MENEZES; PAULINO, 2003, p. 40)
[58]             Como se percebe, a Lei dispõe que se considera data do acidente, entre outros, a data do diagnóstico. Contudo, existindo dúvida quanto ao nexo causal, é arriscado afirmar ou negar esse nexo. De outro modo, se o diagnóstico é afirmativo e o trabalhador já tinha sido afastado antes da verificação, a data do acidente será considerada o dia do afastamento. (MENEZES; PAULINO, 2003, p. 38-39)
[59]             Deve-se esclarecer que é normal a empresa não emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT por não admitir a patologia como originada pelo trabalho, o que causa a chamada “subnotificação dos agravos à saúde do trabalho”, o que acaba gerando danos ao empregado e, também, ao sistema de saúde e à toda sociedade. Mas com o nexo técnico epidemiológico, não é mais preciso que o trabalhador comprove que a doença foi gerada pelo labor, pois há uma presunção relativa da presença de doença ocupacional, ocorrendo como que uma “inversão do ônus da prova” no que se refere à qualificação da doença como ocupacional. Embora a inexistência de CAT não ilida a caracterização, a empresa não fica desobrigada de emiti-lo, nos termos do artigo 19 a 23 da Lei n. 8.213/1991, mas não haverá a aplicação de multa por não emissão quando houver reconhecimento pelo nexo técnico epidemiológico previdenciário – NTEP, segundo dispõe o § 5º, do artigo 22 da Lei n. 8.213/1991 (GARCIA, 2008, p. 82-88)
[61]             Estreptococos e estafilococos são gêneros de bactérias. Disponível em . Acesso em 30 set. 2009.
[62]             Disacusias são lesões auditivas provocadas por ruídos, ocasionando redução ou perda da capacidade de ouvir. (OLIVEIRA, 1997, 93-98)
[63]             De acordo com o site da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – DATAPREV, período de carência é “o período correspondente a um número mínimo de contribuições mensais para que o segurado tenha direito ao benefício”. Disponível em <http://www.dataprev.gov.br>. Acesso em 30 set. 2009.
[64]             Especialmente o inciso I, do artigo 26, da Lei n. 8.213/1991 prevê que independe de carência a concessão de “auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado”. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)
[65]             Assim como no auxílio-doença, caso seja concedida diretamente a aposentadoria, nos termos do artigo 43, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, caberá à empresa pagar ao segurado empregado o salário durante os primeiros quinze dias de afastamento da atividade. (BRASIL, Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991)
[66]             Segundo Abreu, como não é sempre que existe a possibilidade de verificar a permanência da incapacidade, a fim de conceder a aposentadoria por invalidez, “via de regra, concede-se inicialmente ao segurado o benefício por incapacidade temporária – auxílio-doença, e posteriormente, concluindo-se pela impossibilidade de retorno à atividade laborativa, transforma-se o benefício inicial em aposentadoria por invalidez”. (ABREU, 2007, p. 66)
[67]             Segundo estabelece o inciso I, a, do artigo 47 da Lei de Benefícios, quando ocorrer recuperação dentro do prazo de 5 (cinco), contados do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção sem interrupção, o benefício cessará de imediato para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista. A Súmula n. 217 do STF estabelecia compreensão diversa nesse tema, pois mencionava que o segurado somente poderia voltar ao emprego ou ser indenizado quando houvesse recuperação do aposentado no prazo de 5 (cinco anos contados da aposentadoria e, após esse prazo, ela se tornaria definitiva. Conforme explica Garcia, “de acordo com o § 1º do art. 475 da CLT, recuperando o empregado a capacidade para o trabalho, e sendo a aposentadoria cancelada, ser-lhe-á assegurado o direito à função que ocupava ao tempo da aposentadoria, facultando, porém, ao empregador o direito de indenizá-lo por rescisão do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 477 e 478, salvo na hipótese de ser ele portador de estabilidade, quando a indenização deverá ser paga na forma do art. 497”. (GARCIA, 2008, p. 62)
[68]             Segundo Vecchi, são efeitos inerentes tanto à suspensão quanto à interrupção do contrato de trabalho são: persistência do vínculo jurídico de emprego; direito do empregado de retorno ao trabalho; impossibilidade de extinção contratual por ato voluntário e direito às vantagens de ordem geral ocorridas durante a suspensão ou interrupção. Porém, quando se fala em interrupção do contrato de trabalho, são adicionados mais dois efeitos a esses já citados: o cômputo do tempo de afastamento no tempo de serviços prestado ao empregador e direitos às vantagens de ordem pessoal verificadas durante a interrupção. (VECCHI, 2007, p. 156-157)
[69]             Este artigo dispõe que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. (BRASIL, Constituição Federal de 05 de outubro de 1988)
[70]     Disponível em <http://www.tst.gov.br/>. Acesso em 30 set. 2009.
[71]             Disponível em <http://www.trt24.jus.br>. Acesso em 30 set. 2009.
[72]             Disponível em <http://www.tst.gov.br/>. Acesso em 30 set. 2009.
[73]             Disponível em . Acesso em de 30 set. 2009.

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Sobre o autor:



Advogada sócia da Accadrolli Advocacia Previdenciária. Colaboradora do site http://aposentadoriadoinss.blogspot.com. Realiza o trabalho de assessoria jurídica especializada em matéria previdenciária.