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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A APOSENTADORIA ESPECIAL E A PERMANÊNCIA NA ATIVIDADE INSALUBRE



O Direito Previdenciário funciona como um importante instrumento de valorização e de promoção da pessoa humana, com o objetivo principal de assegurar segurança e bem estar aos que necessitam da sua proteção social, pois, como bem assevera Christiani Marques (2007, p. 21), “se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, deve-se respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por conseqüência, atingir a dignidade da pessoa humana”.
 


Assim, a saúde e a segurança do trabalhador é assunto pertinente não só à ordem trabalhista, como também à esfera previdenciária e da saúde pública, sendo adotadas medidas em favor de quem trabalha exposto a agentes nocivos, através de pagamento de adicionais de insalubridade, penosidade e periculosidade, e, ainda, do benefício da aposentadoria especial, com tempo reduzido de contribuição, para uma efetiva proteção à saúde e integridade física do trabalhador. Ainda segundo Marques (2007, p. 25), “a condição de trabalho reflete o seu ambiente, que pode condicionar a capacidade produtiva da pessoa humana, com violação ou não da sua integridade, em decorrência dos fatores que interferem na execução da atividade de labor, tais como agentes químicos, físicos, biológicos, entre tantos outros”. Portanto, conforme os ensinamentos de Alice Monteiro de Barros (2005, p. 1006), “quando o empregado é admitido pelo empregador, leva consigo uma série de bens jurídicos (vida, saúde, capacidade de trabalho, etc.), os quais deverão ser protegidos por este último, com adoção de medidas de higiene e segurança para prevenir doenças profissionais e acidentes no trabalho”.
Nesse contexto, passa-se a analisar um tema palpitante no Direito Previdenciário – a Aposentadoria Especial – e suas implicações quanto à permanência ou retorno do trabalhador à atividade que ensejou o benefício, a partir do que dispõe a Constituição Federal (art. 201), a Lei nº 8.213/91 (arts. 57 e 58) e o Decreto nº 3.048/99 (arts. 64 a 70). O caput do art. 57 define claramente o instituto: “A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante, quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme dispuser a lei”.
A aposentadoria especial consta do rol de benefícios oferecidos pelo regime geral da previdência social desde a edição da Lei nº 3.807, de 5 de setembro de 1960, consistindo numa aposentadoria por tempo de contribuição com redução significativa do número de anos de contribuição. Hoje, após alterações normativas, é matéria disposta nos referidos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, com o acréscimo do § 6º ao art. 57 dado pela Lei nº 9.035/95, que dispõe: "É vedado ao segurado aposentado nos termos deste artigo continuar no exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei”.
Muito importante foi a Emenda Constitucional nº 20/1998, última grande alteração da legislação previdenciária, que, ao contrário do que é apregoado, não extinguiu o direito ao benefício da aposentadoria especial, porém, no seu art. 15, deu status de lei complementar aos referidos artigos da Lei Ordinária da Previdência Social, determinando que ao benefício da aposentadoria especial só têm direito aqueles que comprovem efetiva exposição aos agentes nocivos, de acordo com as categorias profissionais.
Dessa forma, o retorno ao trabalho do aposentado especial somente é possível em outra atividade não enquadrada como especial, sob pena de ser a aposentadoria especial suspensa, ou seja, o aposentado especial somente poderá voltar a trabalhar em atividade considerada comum. Medida esta que, mesmo combatida por muitos, é justa e coerente, em face das razões que se passa a expor. Como bem defende Sérgio Pinto Martins (2009, p. 360), “a medida é acertada, pois, se o segurado foi aposentado por trabalhar em condições especiais que lhe prejudicavam a saúde, não se justifica se aposentar e continuar a exercer a mesma atividade prejudicial à saúde”.   
Certamente, ao criar o instituto da Aposentadoria Especial, o legislador baseou-se no raciocínio de que é de quinze, vinte ou vinte e cinco anos de trabalho, em determinadas atividades, o tempo organicamente suportável para o respectivo exercício, e que o prosseguimento nessas atividades após tais períodos é absolutamente desaconselhável, porque representa o encaminhamento a uma incapacidade laboral total, ou mesmo ao perecimento.
A essência desse benefício previdenciário é a preservação da saúde do trabalhador, fazendo com que ele trabalhe menos do que os demais profissionais, aposentando-se com 15, 20 ou 25 anos de serviço/contribuição, sendo recompensado com um cálculo melhor em sua aposentadoria, isto é, sem a incidência do temido fator previdenciário, que "achata" o valor do benefício. Ou seja, quem tem direito à aposentadoria especial terá no cálculo da Renda Mensal Inicial de seu benefício 100% do salário-de-benefício, correspondente à média aritmética simples das maiores contribuições vertidas para a Previdência a partir de julho de 1994 e sem a incidência do famigerado fator previdenciário.
Tiago Faggioni Bachur e Maria Lucia Aiello definem muito bem o tal benefício: "A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria com o tempo reduzido em razão das condições especiais de trabalho que prejudiquem a saúde ou a integridade física (ou seja, insalubres, perigosas ou penosas). Existe este benefício enquanto presentes tais condições. A aposentadoria especial é uma prestação paga mensalmente ao segurado. Uma vez cumprida a carência exigida, é destinada aos segurados que trabalham em atividades consideradas perigosas e/ou prejudiciais à saúde. Dependendo da atividade, pode ser concedida aos 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de trabalho."
Embora a Autarquia Previdenciária costuma interpretar erroneamente que inexiste a aposentadoria especial para determinadas atividades, por não constarem expressamente nos quadros anexos I e II dos Decretos nº 63.230/68 e 83.080/79, quando o profissional demonstra, através de documentação própria, a exposição permanente a algum agente físico, químico ou biológico, ou a associação destes, há que ser reconhecida a sua especialidade.  Lembrando que, até a Lei nº 9.035/95, para a concessão da aposentadoria especial aos profissionais autônomos e empresários, bastava a comprovação do exercício da atividade e, obviamente, da condição de segurado através dos comprovantes de recolhimento das contribuições e, para os empregados, os registros em carteira profissional. A partir de então, passou a ser necessária a comprovação da efetiva exposição, de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova (inclusive, através de formulário-padrão da própria previdência social), por laudo pericial ou prova testemunhal.
A lei proíbe, expressamente, que o empregado aposentado pela especial continue na atividade que lhe ensejou a aposentadoria, ou outra também sujeita a agentes nocivos, mas não faz referência ao retorno à atividade prejudicial daquele que deixou a empresa e foi readmitido ou admitido em outra. O que, por óbvio, se ele não pode continuar, muito menos poderá voltar ao trabalho nocivo, na mesma empresa ou em qualquer outra empresa. Por isso, o Regulamento da Previdência, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, declara no parágrafo único do art. 69: "Aplica-se o disposto no art. 48 ao segurado que retornar ao exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes do Anexo IV, ou nele permanecer".  O art. 48 diz que: "O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cessada, a partir da data do retorno".
Melhor explicando: assim como o aposentado por invalidez, que se encontra percebendo proventos da Previdência Social porque foi considerado incapaz de exercer qualquer atividade que lhe garanta a subsistência, deixa de percebê-los se retornar ao trabalho, da mesma maneira o aposentado pela especial, que obteve o benefício em razão do exercício de atividade nociva, deixa de receber os proventos se voltar a exercer qualquer atividade igualmente prejudicial. Perfigura-se aí uma infração que, ao ser constatada pela Autarquia, o que tiver recebido como proventos deverá ser devolvido, pois a Lei nº 9.732/98 estatuiu: "Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos...etc."(§ 8º, do art. 57. da Lei n. 8.213/91). Sendo que o referido art. 46 impõe: "O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno".
Conclui-se, assim, que as empresas que possuem empregados que se aposentam pela especial, nem sempre podem manter o empregado trabalhando, após a concessão do beneficio pelo INSS, só podendo mantê-lo se for em outra função, não insalubre nem prejudicial à sua saúde e integridade física. Por isso, o INSS está realizando uma varredura em seus arquivos para cancelar a aposentadoria/benefício de quem está trabalhando indevidamente. Dessa forma, se não houver como aproveitar o serviçal em outra atividade, por falta de vaga ou por falta de habilitação para o desempenho de outra função, o empregador terá que dispensá-lo. E tal dispensa não se enquadra entre as hipóteses de justa causa, sendo considerada sem justa causa, cabendo ao empresário os ônus indenizatórios.
Mesmo que tal medida seja considerada destoante do princípio da razoabilidade e do princípio da solidariedade, não poderia ser de outro modo, resultando em que o aposentado pela especial que continuar no exercício de atividade que o sujeite a agentes nocivos terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da própria data do início do benefício. Assim, o próprio empregado que se aposentar pela especial, deve recusar-se a continuar na atividade prejudicial e pedir ao seu empregador o remanejo para outra função não sujeita a condições nocivas, ou que rescinda o seu contrato de trabalho e lhe pague as parcelas rescisórias por despedida sem justa causa, não significando isto uma insubordinação, como querem muitos empregadores alegar. Caso não haja tal remanejo ou despedida, o INSS pode suspender o benefício, cobrar a devolução dos valores pagos, penhorar os bens do segurado e ainda processá-lo criminalmente por crime contra o erário público, podendo também a empresa ser responsabilizada em conformidade com o elencado no art. 337-A do Código Penal Brasileiro (Sonegação de contribuição Previdenciária incluídos pela lei 9983 de 2000).
 Entende-se que, atualmente, os trabalhadores estão se aposentando mas não querem sair do trabalho, porque o valor da aposentadoria é baixo devido ao fator previdenciário, mas a atual legislação previdenciária impõe o afastamento do trabalhador das atividades em condições prejudiciais à saúde para o recebimento do benefício da aposentadoria especial, diferentemente da aposentadoria por tempo de contribuição comum, na qual o retorno ao trabalho pode se dar em qualquer atividade, comum ou especial. Isso porque a aposentadoria especial é incompatível apenas com a continuidade do trabalho em condições prejudiciais à saúde e não com todo e qualquer trabalho.
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MARQUES, Christiani. A proteção ao trabalho penoso. São Paulo: LTr, 2007
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. São Paulo: Atlas, 2009
BACHUR, Tiago Faggioni/AIELLO, Maria Lucia - "Teoria e Prática do Direito Previdenciário" - 2ª edição: revista, atualizada e ampliada. Ed. Lemos e Cruz. Pág. 430).

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Sobre o autor:
Glaé Schaeffer
Bacharel em Letras e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo/RS. Pós-Graduada em Direito Previdenciário pela Universidade de Passo Fundo/RS, parte integrante da equipe Accadrolli Advocacia Previdenciária. Colaboradora do blog "aposentadoriadoinss.blogspot.com.br".